03- Vozes do Cerrado
... “que escrever é eternizar-se é driblar a morte”...
Ariano Suassuna.
Apresentação
Não quero aqui lavrar a história como o dono da verdade. O intuito dessa obra é centralizar e explicitar ao leitor, a beleza, o encanto, a mística, a poética, os medos, os sonhos, os credos, as crendices e lendas de um povo simples e humilde, com sua vida fantasiosa e sofrida. Povo que é o resultado da miscigenação entre poloneses e mineiros do século dezoito.
No período pré-bandeirantes no Planalto Central, um grupo de desbravadores invadiu o nordeste de Goiás, se instalando nestas terras, Aí, se firmaram e construíram uma história.
Queremos de maneira despretensiosa, com a finalidade única de registrar a cultura local e edificar a árvore genealógica de uma família que descende de um dos mais antigos personagens da região, o desbravador polonês, Antonio RebendolengSzervinsk. O que é história se mistura com as lendas. E a insuficiência de subsídios, torna o apurar dos fatos uma utopia e o historiar científico, um desafio impossível.
Contudo o nosso intuito é de modo simples e laico tornar imortal, ou pelo menos prolongar a memória desse povo, de modo que a voraz mão do tempo não dê fim a todos esses séculos de sonhos e história, como tem feito até agora.
A cultura de um povo é: sua face, sua memória, sua raiz e sua força.
Joaquim Teles de Faria
Introdução
Tudo que aqui contém, é fruto de pesquisas baseadas em conversas com os cidadãos mais velhos que descendem de Antonio Rebendoleng Szervinsk e sua esposa Ambilina, adicionado ao meu fiel desejo de recriar a história de um povo, que é nada mais que minha família.
Usando o sistema de rimas, que é próprio na região, rica em cantadores de modas, cantorias e catiras, narro em forma de versos, a vida de um povo que é uma verdadeira poesia. Adiciono à história familiar ingredientes regionais que enriquece o texto, conferindo-lhe um hilário caráter folclórico.
Desfrutem bem o texto, e tenho certeza que irão se encontrar nessa história, onde o real e o fictício não se fazem distintos.
Meu conto em forma de canto
É canto em forma de conto.
Que vem contar como eu conto
O conto que me ensinaram.
Não canto porque não canto
Não por não querer cantar
Mas pra vocês vou contar
O fato que me contaram.
Nas terras do velho mundo
Num mundo sempre a mudar
As guerras e os pensamentos
O mundo a dominar
Guerreando em pensamentos
Sem a espada empunhar
Ou empunhando a espada
Sem parar para pensar.
O romanismo acabou
Deixando o mundo em caos
O seu império passou
Não sei se foi bem ou mal
Os poderosos da Terra
Cada qual com seu sinal
Buscaram construir seu reino
Com barbarismo total.
Para obter prestígio
E se apossarem da Terra
Lançaram-se na guerrilha
Lutando como as feras
Os gigantescos reinados
Não tinham hegemonia
E a guerra era constante
Por causa da tirania.
Os Avaros Reis da Terra
Querendo sempre ter mais
Fizeram do mundo um covil
De violentos chacais
Fera engolindo fera
Era o retrato de então
Parecia não ter fim
Tamanha desolação.
Até a religião
Que é fator tão inerente
Lançou-se em consternação
Numa contenda indecente
Era credo contra credo
Era crente contra crente
Ganharam assim combustível
Os choques já existentes.
Os senhores pensadores
Com suas filosofias
Declararam-se contrários
À régia teologia
Então as religiões
Caíram em contradição
Apregoavam o amor
Mas massacravam o irmão.
Até o catolicismo
Religião dos cristãos
Atropelaram o Cristo
Em nome da dissensão
Partindo pra ignorância
Foi grande a desolação
Irredutíveis pra sempre
Fixaram a divisão.
Dos existentes conflitos
Conflitos novos surgiam
Pensamentos e doutrinas
Em número e gênero cresciam
E as massas já existentes
Quanto mais se conciliavam
Expressavam-se e se explicavam
Tanto menos se entendiam.
Ásia, África e Europa
Oriente e Ocidente
Nações pouco populosas
Mas bastante divergentes
Farinha de um mesmo saco
Que agora se estranhavam
Comiam no mesmo prato
Depois se digladiavam.
Assim foi por muito tempo
Passou-se séculos demais
E as soluções que surgiam
Não se faziam eficazes
Mas existiam exceções
De algumas poucas famílias
Que pereciam em tortura
Porém não se corrompiam.
Do seio dessas famílias
Em tempo de desesperança
Onde estavam em conflito
A Inglaterra e a França
Entrou na guerra a Polônia
Por causa de uma aliança
E os varonis poloneses
Se acharam em desventurança.
O sangue humano na terra
Corria em grandes torrentes
Fruto robusto dos atos
Dos homens inconseqüentes
Com causas pra lá de fúteis
Avaros e egoístas
Matavam a humanidade
Pra alcançar a conquista.
Foi no século dezoito
A data exata eu não sei
Um valoroso guerreiro
Desobedeceu a seu rei
Não aprovando a guerra
E o massacre do seu povo
Esse jovem polonês
Tomou o caminho novo.
Dissidente destemido
Reuniu os seus soldados
Explicando seu propósito
Conquistando aliados
Mas se achou em apuros
Com seu rei revoltado
Que queria seu escalpo
Por ter sido ignorado.
Os tementes aliados
Preferindo obedecer
Desistiram da dissensão
Com medo de perecer
Ficou o jovem guerreiro
Sem terra pra se apoiar
Se não morresse na guerra
O rei iria matar.
O guerreiro dissidente
Pra não cair em perdição
Sendo ele muito crente
Recorreu à religião
Orou com fé e esperança
Pedindo ao seu defensor
Que lhe mostrasse um destino
E o levasse com amor.
Se recusara a matar
E agora a morte o queria
Só lhe restava fugir
Quer de noite ou de dia
Mas ao Deus que ele orou
Sua oração chegou
E pra esse peregrino
Jesus Cristo então olhou.
Estando o jovem guerreiro
Perambulando sozinho
Encontrou-se com um velho
Que há tempos foi seu vizinho
Era um velho marinheiro
Desbravador destemido
Que sairia em viagem
À rumos desconhecidos.
Beberam numa taberna
E o jovem foi convidado
Pra se fazer desbravante
Com o velho entusiasmado
Ele tentou exitar
Porém tudo conspirou
Sem tempo para pensar
Com o velho ao mar se lançou.
Nem bem haviam partido
O velho e seu novo amigo
Chegou à taberna o exército
Que o jovem havia seguido
Escapou por um milagre
O destemido varão
Não despediu de seus pais
Nem lhes pediu suas bênçãos.
Naquele velho navio
Achou acomodação
Rezou e deitou-se exausto
Sentindo o seu coração
Pensou na família
Os seus pais e seus irmãos
Temeu e chorou sozinho
Em meio à tripulação.
Muitos meses de passaram
E o navio a singrar
Fortes ventos o levava
A deslizar sobre o mar
Quanta água e silêncio
Naquele mar infinito
O céu em azul profundo
No mar era mais bonito.
Aquele jovem singrando
Aprendia sobre o mar
Esperava a terra firme
Com a ânsia de chegar
Não sabendo que o destino
O queria experimentar
Preparava-lhe um tropeço
Que iria lhe provar.
Noite alta em pleno mar
Céu azul-negro estrelado
Numa cadeira singela
O jovem ia sentado
Contemplando a visão
Que num instante mudou
Tempestade violenta
Sobre o mar se formou.
O mar sereno de outrora
Converteu-se em confusão
Ondas fortes e violentas
Rugiam como leão
Sacudindo o velho barco
Aquele vento apressado
Causava grande transtorno
Deixando o jovem assustado.
O velho lobo no leme
Com o velho barco dançava
Sentindo os braços do vento
Em tom profundo gritava
Avante homens lutemos
Que o mar está furioso
Tantas vezes o vencemos
O venceremos de novo.
Uma rajada de vento
Um raio e um trovão
O mastro partiu-se ao meio
Quando veio o clarão
Descendo com violência
Fez no convés uma fissura
Três horas de tempestade
Três horas de amargura.
A tempestade passou
O mar foi se acalmando
Nisso o sol radiante
Já ia se levantando
A aurora o anunciava
Com seu tom avermelhado
E o velho barco estava
Totalmente arruinado.
Quando o sol iluminou
Toda extensão do mar
Se fez visível a ruína
Que era de impressionar
O velho estava no leme
E os dois estavam no chão
O velho havia morrido
Com o leme em suas mãos
O barco muito quebrado
Não dava pra ser consertado
Sem velas não se movia
Os homens estavam ilhados
Tantos dias estagnados
Com a comida acabando
Esperavam um socorro
E o medo ia aumentando
Começaram a brigar
Por água e por comida
Em meio ao desespero
Muitos perderam a vida
Alguns queriam remar
Buscando retroceder
Alguns queriam esperar
O socorro aparecer.
O jovem quis opinar
Mas a briga foi armada
Brigavam a punho livre
E também com a espada
O jovem se aproveitou
Lutando pra não morrer
Lançou-se sozinho ao mar
Remando num escaler.
Levou consigo a água
A comida e uma espada
Se pôs a remar com afinco
Sem rumo para a jornada
Quinze dias de passaram
Acabou-se a provisão
Restou um barril de água
E a espada em suas mãos.
Mais quinze dias de mar
Tomando água apenas
Parecia a eternidade
Aquela simples quinzena
A água era regrada
Um dia sim o outro não
Era quase um suplício, essa tal situação.
Mas o Deus a quem recorrera
Aquele jovem soldado
Embora aparente ausência
Estava ali do seu lado
Veio lhe impondo à prova
Sem nunca o abandonar
Pois bem próximo a
Uma ilha ele veio naufragar.
Na ilha havia um navio
Que ali estava em missão
Buscando madeira boa
Pra fazer embarcação
Levado pela maré
Na praia fora deixado
Os homens desse navio acharam
O jovem soldado.
A filha do capitão
Que ao náufrago encontrou
Chamando os homens depressa
Para uma tenda o levou
Por sorte estava com vida
E dele ela então tratou
Três dias de muita febre
No quarto a febre passou.
Recobrando a consciência
O jovem nada entendeu
Achava que estava morto
Aquilo ali era o céu
Porém aquela donzela
Que logo lhe apareceu
Com triunfante sorriso
Narrou-lhe o que aconteceu.
Embora muito abatido
Pelos maus tratos do mar
O jovem cheio de vida
Logo quis ajudar
Por ordens do capitão
A pedido da menina
Teve ele que aceitar
Os serviços da cantina.
Quando a obra se cumpriu
Foi falar-lhe o capitão
Deixou-lhe a par das coisas
E deu-lhe uma direção
O navio estava indo
Para Europa Central
Era a chance perfeita
De voltar ao chão natal.
Porém aquele soldado
Não desejava voltar
Queria o novo mundo
Do qual ouvira falar
Por sorte aquele navio
Estava vindo de lá
América é seu nome
Disse o velho a gargalhar.
Lançando mão de um escaler
E de muita provisão
Se dirigiu ao rapaz
O generoso capitão
Falou com entusiasmo
Lhe indicando a direção
Disse é um longo percurso
Haja determinação.
O jovem com um sorriso
Agradeceu a cortesia
Lançou-se no mar
Alegre e com tamanha euforia
Sonhando com o novo mundo
Partiu remando sozinho
Menosprezando os perigos
Que houvesse pelo caminho.
Após semanas de remos
E de cansaço sem fim
Ao longe viu uma praia
O paraíso enfim
Com renovado vigor
Pôs-se o jovem a remar
E antes do sol se por
A praia veio alcançar.
Estendeu-se sobre a areia
Sentindo-se vitorioso
Havia enfim alcançado
O almejado mundo novo
Sentiu a vida fluir
Viveu a ressurreição
Lembrando do seu Senhor
Ali se pôs em oração.
Andando em meio à relva
Daquele solo estrangeiro
Comia fruto silvestre e
Andava o dia inteiro
Perdido andava a esmo
No meio daquela mata
Achou então uma trilha
Que a atenção lhe arrebata.
Seguia aquela trilha
Com redobrada atenção
Buscando rastros e marcas
Pra lhe servir de direção
Andando o dia todo
Desembarcou num areal
Se alegrou de espanto
Achara um arraial.
Sentou-se de fronte às casas
Debaixo de um pequizeiro
Mas fora surpreendido
Por um estranho guerreiro
Um jovem forte e robusto
Com o corpo todo pintado
Com uma lança nas mãos
Levou-o aprisionado.
Com gritos apavorantes
O jovem chama os demais
E num segundo o povoado
O olhava como chacais
Temendo e sem entender
Aquilo que estão falando
Tenta o jovem argumentar
Mas vão logo o agarrando.
Agora atado a um poste
No meio do povoado
Sente a morte a lhe abraçar
Lhe dando um beijo amargo
Aquele estranho povo
De linguajar complicado
Começa um estranha dança
Um ritual engraçado.
O jovem então entende
Que será sacrificado
Então recorre a Jesus
Com coração devotado
Diz ele em seu coração
Jesus meu bom Senhor
Já me livraste no mar
Escutai meu clamor.
Não me abandone agora
Nas mãos desses canibais
Que me atacam com fúria
Maior que a dos animais
Mandai-me o Vosso socorro
Livrai-me dessa maldade
Que eu te honrarei meu Deus
Por toda a eternidade.
Serei um homem de paz
Um homem de oração
E a minha descendência
Vos dará dedicação
Seremos pra Vossa Glória
E pra Vossa adoração
Mostrai-me Vosso poder
Dai-me Vossa salvação.
No meio da grande roda
De olhos fechados estava
Orando a Jesus Cristo
Contrito se encontrava
Mas de repente um silêncio
Se fez naquele momento
Pensou no grande martírio
Temeu aquele tormento.
Pensou por alguns instantes
Recobrando a valentia
Se tinha mesmo que morrer
Com honra então morreria
Abriu os olhos e sorriu
Não contendo a alegria
Viu ali uma figura
Que há muito tempo não via.
Era um padre Jesuíta
Que ali se encontrava
Então o jovem gritou
Como há muito não gritava
Me socorre reverendo
Salvai este pobre irmão
Sou um náufrago polonês
Sou temente, sou cristão.
Fazendo sinal pros homens
Como pedindo permissão
Aproximou-se o padre
E falou em alemão
Que fazes aqui meu jovem
Sabes que será comido?
Disse o jovem me liberte
E pra sempre será servido!
Sorriu o grisalho padre
E saiu sem dizer nada
O jovem sem entender
Sentiu perder a parada
Passou lenta a longa hora
E o padre então retornou
Um homem muito enfeitado
Ao padre acompanhou.
Chegou junto ao prisioneiro
Sorriu e o libertou
Lhe devolveram a espada
E o padre o carregou
Junto ao um imenso Ipê
O jovem se alimentou
Montou num belo corcel
Que o padre lhe indicou.
Partiram em grande silêncio
E em silêncio chegaram
Dormiram o resto da noite
E cedo se levantaram
Então perguntou o padre
De onde vens, qual teu nome?
O jovem sorriu e disse
Sou o mais grato dos homens!
Meu nome é Antonio
Sou europeu da Polônia
Venho buscando a vida
Pra não morrer na vergonha
Foi em solo polonês
Que nasci e me criei
Ando levado por Cristo
Onde parar eu não sei.
Vim fugindo de meu rei
Que me queria matar
Porque eu me recusei
Sangue inocente derramar
De mocinho a vilão
Foi fácil me transformar
Bastou aos seus exageros
Uma só vez contestar.
Assim a passo miúdo
Contou todo o ocorrido
Mostrando por quantas vezes
Jesus lhe tinha valido
Se dispôs servir ao padre
Por ele lhe ter salvado
Disse que foi Jesus Cristo
Que o tinha enviado.
O padre lhe disse filho
Jesus é nosso Senhor
E Ele se faz presente
Onde existe o amor
Socorreu-te porque crês
E a ele recorreu
Bendito e Louvado seja
O santo nome de Deus.
Eu também sou polonês
Mas sou padre alemão
Fui enviado por Roma
Pra cumprir uma missão
Mas também fui perseguido
Pelos meus próprios irmãos
Então tomei um navio
E vim pra essa Nação.
Isso é um continente
Muito rico e muito grande
E está sendo saqueado
Tomado de seus habitantes
Aqueles índios nativos
Que a ti aprisionaram
Foi por confiar em mim
Que eles te libertaram
Prometi-lhes aguardente
E uma bela viola
Comida e arma de fogo
E um pouco de roupa nova
Mas não poderei cumprir
Pois nada disso eu tenho
Por isso vamos embora
Que esse povo é ferrenho.
Se quando aqui chegarem
Nos pegarem desprovidos
Nos matam sem piedade
Por causa de eu ter mentido
Mas não havia outro meio
Pra salvar a tua vida
Que Jesus me dê o perdão
Por obra tão atrevida.
Saíram do acampamento
E fugiram pra cidade
Foram se refugiar
No meio da caboclagem
Era o porto baiano onde
Os navios chegavam
Por isso ali os nativos
Muito pouco circulavam.
De modo que já seguros
Se puseram a trabalhar
O jovem ia aprendendo
Vendo o padre a ensinar
Catequese aos nativos
Muitas missas pra rezar
E aquele valente jovem
Servia sem reclamar.
Foi quando um grande navio
Lá de Portugal chegou
Trazendo provisões e
Escravos para o labor
Foi aí que dos nativos
Padre Justo se lembrou
Conseguiu o que prometera
E à aldeia retornou.
Mesmo arriscando a vida
No meio da indiaiada
Entregou o que prometera
Em quantia redobrada
Se desculpou com o cacique
Explicando a situação
Ele cheio de aguardente
Concedeu-lhe o perdão.
Pernoitaram na aldeia
E o padre ensinava
Os índios a tocar viola
E a todos impressionava
Alguns dos índios da aldeia
Muito bem se destacaram
E professor de viola
Aqueles dois tornaram.
Todo mês eles passavam
Uma semana na aldeia
Ensinando aos nativos
Que preciso que se creia
Em um Deus uno e presente
Na vida de cada homem
É Ele quem nos dá o pão
E mata toda a fome.
Ensinavam e aprendiam
Daquela nobre cultura
Que do seu jeito nativo
Era cheia de fulguras
Índios sapienciais
Tementes embora ingênuos
Via o padre a se cumprir
O evangelho aos pequenos.
Voltando da Aldeia um dia
O velho padre caiu
O cavalo se espantou
E num pulo o sacudiu
Veio ao chão sobre o pescoço
Que na hora se quebrou
Chorando seu jovem amigo
Ali mesmo o sepultou.
Agora desconsolado
Sozinho sem seu senhor
Sentiu-se desobrigado
Daquilo que lhe jurou
Apanhou o que o padre tinha
E tudo o que dele ganhou
Jogou em cima da sela
E para seu destino marchou
Andou por dias sem fim
Desbravando esse Brasil
Chegando em Minas Gerais
Mostrou-se mui varonil
Conseguiu algum dinheiro
Trabalhando de mineiro
Mas logo seguiu viagem
Pelos sertões brasileiros.
Chegou até Pinhuí
Um povoado mineiro
Lá conheceu uma moça
De um povo hospitaleiro
Que o acolheu alegres
Mesmo sendo um estrangeiro
Deram-lhe cama e comida
E não aceitaram dinheiro.
Um povo muito devoto
Um povo muito cristão
Viviam a caridade
E o amor ao irmão
De origem polonesa
Mantinham a tradição
Achou um pedaço de casa
Nesse pedaço de chão.
Martinho era o nome
Do então anfitrião
Desbravador destemido
Dominava a região
Se afeiçoou a Antonio
Tomando-lhe simpatia
Contou-lhe sobre seus planos
Os sonhos que ele trazia.
Antonio também contou-lhe
Tudo que lhe ocorreu
De como aqui chegou e
Do padre que morreu
Queria aquele jovem
Firmar-se em algum lugar
Contrair uma família
Ter filhos para carinhar.
Em vista de nada ter
Queria então trabalhar
Pra construir seu sonho
Razão do seu respirar
Martinho criava gado
E cultivava a terra
Acolheu então Antonio
Que só sabia das guerras.
Cinco anos se passaram
Desde que ali chegou
Aprendeu cuidar da terra
Tornando-se agricultor
Aprendeu cuidar do gado
Mostrando ser bom pastor
Pela filha de Martinho
Antonio se apaixonou.
Um dia então decidiu
De Ambilina pedir a mão
Falou então com Martinho
Que mostrou satisfação
Na capela de Pinhuí
Foi bela a celebração
Ficou noivo de Ambilina
A dona do seu coração.
Porém para desposá-la
Queria ter terra sua
Por isso se empreendeu
Numa grande aventura
Se uniu a outros homens
De destemor sem igual
Saiu desbravando as terras
Rumo ao Planalto Central.
Percorreram muitas
Terras em todas as direções
Eram terras devolutas
Gigantescas extensões
Cada um se apossava
Daquilo que lhe aprovia
Firmavam suas fronteiras
E ali se estabeleciam.
Antonio se aproximando
Daquela elevação
Encontrou terras fecundas
E rica vegetação
Firmou ali os seus sonhos
Saiu fazendo picadas
Demarcou a sua posse
E seguiu sua jornada.
Ajudou seus companheiros
A firmar-se onde queriam
Depois retornou à Minas
De onde a tempos saíram
Contou então empolgado
As descobertas que fez
As terás que conquistaram
Pra onde iria de vez.
Martinho muito contente
Marcou o casório então
Logo após o casamento
Se deu a deslocação
Antonio partiu com esposa
Acompanhado do sogro
Que queria conhecer
Esse território novo.
Doou para o nobre genro
Gado, porco e galinha
Cachorro bom e caçador
Um pouco do que ele tinha
Chegando naqueles montes
Todos muito encantantes
Contemplou o raiar do dia
Uma cena radiante.
Chamou-a de fazendinha
Pela beleza do dia
Conheceu a região
Com seu genro e sua filha
Era grande a extensão
Das terras que eles teriam
Pra conhecer toda ela
Levariam muitos dias.
Então deixou o propósito
De numa outra ocasião
Voltar com sua família
Sua esposa e seus irmãos
Passar ali alguns dias
Conhecendo a região
Que paisagens naturais
Tinham em ostentação.
Aquele jovem casal
Com uns poucos empregados
Se lançaram no trabalho
Plantando e criando gado
Plantando ali seus sonhos
De verem prosperidade
Criaram grande família
Vivendo em simplicidade.
No primeiro ano ali
Veio o primeiro herdeiro
Um varão forte e bonito
Que seria fazendeiro
Orgulho do velho Antonio
Da mãe o filho amado
Pelo nome de Heitor
O bebê foi batizado.
Com espaço de um ano
Tiveram nova alegria
Aquilles filho mais moço
Com saúde ali nascia
Rebendoleng e Ambilina
Riam de satisfação
Pois a família agora
Recebe novo varão.
Do casamento de Antonio
Só dois filhos vieram à vida
Crescendo muito saudáveis
Jamais fugiam da lida
Foram educados na fé
De seu pai crente fiel
Que nunca esqueceu do pacto
Que fez com Jesus no céu.
Todo ano tinha festa
Em honra ao salvador
Também os santos da igreja
Ali ganhavam louvor
Oravam a Nossa Senhora
Também ao nosso Senhor
Ali não tinha desgraça
Pois Cristo os abençoou.
Do velho mundo Antonio
Guardava só a lembrança
A velha casa paterna
O seu sonho de criança
Quando lembrava de casa
As vezes até chorava
Mas seu amor Ambilina
Num abraço o consolava.
Da vida na Europa
Antonio muito contava
As suas muitas façanhas
A todos impressionava
Porém os seus resultados
Ninguém não imaginava
Viriam se tornar lendas
Por gerações recontadas.
Em versos bem metafóricos
Contava Antonio então
Os seus apuros no mar
A fuga de sua nação
Os naufrágios que sofrera
Na imensidão do mar
As intervenções de Deus
Que vinha pra lhe salvar.
Antonio Rebendoleng Szervinsk
Teve dois robustos filhos
O mais velho era Heitor
O mais moço era Aquiles
E foi desses dois varões
Homens fortes e capazes
Que uma multidão de gente
Povoou essas paragens.
Heitor tomando esposa
Quatro filhos recebeu
Três homens e uma menina
Presentes que Deus lhe deu
Antônio – (Totó), Manoel e José
Homens de bem
Católicos como os avós
Delfina era também.
Aquiles e sua esposa
Sete filhos viu nascer
Cresceram todos saudáveis
Sem nenhum vir a perecer
Pedro Alcides o primeiro
Delfino Joaquim e João
Paula Joana e Meloca
São estes os sete irmãos.
O velho Rebendoleng
Como era conhecido
Dividiu seu patrimônio
Com seus dois filhos queridos
O sonho do velho Antonio
O polonês desbravador
Enfim fora alcançado
Como tanto ele almejou.
Veio fugindo da morte
Aqui Deus o abençoou
Casou-se ainda jovem
Com Ambilina seu amor
Se apossou de muitas terras
Onde ele se firmou
Agora velho em idade
Se sente um vencedor.
Heitor com sua família
Herdou seu lado querido
João Paulo, Criminoso
Pontizinha e Alto Paraíso
Nomenclatura atual
Das paragens do passado
Onde o valente Heitor
Pra sempre fora instalado.
Os netos do velho Antonio
Filhos de seu filho Heitor
Cada um montou sua sede
Na parte que lhe tocou
Delfina com sua família
No Criminoso ficou
Família grande e saudável
Nesta terra ela criou.
Manoel chamou João Paulo
O pedaço que herdou
Constituiu família grande
E pro João Paulo se mudou
Nesse pedaço de chão
Vivera e fora enterrado
Hoje pertence aos herdeiros
Esse chão abençoado.
As terras que José herdou
Pontizinha ele a chamou
Lá montou a sua sede
Onde se enraizou
Nesse pedaço de chão
Sua história ele escreveu
E lá fora sepultado
Como foi desejo seu.
A antiga Veadeiros
Hoje Alto Paraíso
Fora herdada por Antonio
De Heitor caçula querido
Então Antonio Totó
Como era conhecido
Herdou com satisfação
O chão que lhe era querido.
Os filhos do velho Heitor
Formaram grandes famílias
Foram muito abençoados
Seus filhos e suas filhas
Viveram prosperidade
Em meio ao duro labor
Enfeitaram sua história
Com paixão e com amor.
Aquilles do lado oposto
Com seus sete herdeiros
Se instalou entre as Brancas
A Caristia e o Ribeiro
O velho Antonio que é
O mesmo Rebendoleng
Permaneceu na fazendinha
Com sua doce pequena.
Os descendentes de Aquilles
Que muita terra herdaram
Montaram as suas sedes
Onde então se instalaram
Joana e Pedro Alcides
No pedaço que herdaram
Fizeram as suas sedes
Montes Claros a chamaram.
Delfino que é o mesmo Deco
Se instalou na Carestia
Achou uma bela esposa
E ali constituiu família
Joaquim, João Paula e Meloca
Juntando os quatro herdeiros
Formaram uma mesma sede
E deram o nome de Rebeiro.
Por causa dos ribeirões
Que por ali existia
Rebeiro ainda é nome
Que lhe chamam hoje em dia
Do velho Rebendoleng
São estes os filhos primeiros
Mas veremos como rendeu
Os filhos desses herdeiros.
Em meio à Fazendinha
Nome que a sede ganhou
Bem acessível aos dois filhos
O velho Antonio ficou
Ali com sua Ambilina
Viveram por muitos anos
Nascendo netos e bisnetos
Viu seu povo aumentando.
Nas tardes de solidão
A família se reunia
Histórias mirabolantes
Muito atentos eles ouviam
O velho Rebendoleng
E sua esposa amada
Contavam a sua vida
Com emoção declarada.
Contavam seu grande amor
E as duras dores da vida
Falavam sobre o labor
E a luta sendo vencida
Pregavam a fé em Deus
Em Cristo o nosso Senhor
Choravam e se emocionavam
Com o tempo que passou.
Ensinavam à família
O catolicismo herdado
Pregavam um Cristo vivo
Que já haviam provado
Rezavam sempre em família
Faziam rezas e folias
Era sua devoção
Sinal de que eles criam.
Simplórios e muito místicos
Eram até supersticiosos
Mas sempre com fé em Cristo
Mostravam-se corajosos
Os padres que eram poucos
Naquela ocasião
Passavam de vez em quando
Quando saiam em missão.
Batizados e casamentos
Que eram de devoção
Quando o padre aparecia
Se fazia em mutirão
Sofriam a longa espera
Com o coração nas mãos
Mas não perdiam a fé
Que já era tradição.
Isso conta o velho Antonio
Com muita satisfação
Os seus olhos chega brilham
De saudade e emoção
Ambilina ali do lado
Tomando café quentinho
Confirma suas histórias
E acrescenta um pouquinho.
Fala de sua família
Do encontro com seu amor
Daquilo que ela sentiu
Do dia que se casou
Antonio sorri feliz
Com seus netos a derredor
Agradece ao seu Deus
Por nunca mais ficar só.
Os causos vão noite adentro
Brincadeiras vão surgindo
O que é o que é, Boca de forno
E a criançada sorrindo
É convívio de família
É uma família feliz
O velho Rebendoleng
Conseguiu o que tanto quis.
Vencidas pelo cansaço
Dominadas pelo sono
Pouco a pouco a criançada
Deixa o avô no abandono
Muito lento se levanta
Pro seu leito vai contente
Encontrar com Ambilina
Que sempre foi tão presente.
Conversam, pensam na vida
Relembram do seu passado
Nas vitórias e conquistas
Estiveram lado a lado
Se olham e se beijam
Faz silêncio prolongado
Depois os dois de envolvem
Num abraço apertado.
Das histórias que contavam
Algumas se eternizaram
Ganharam ingredientes
E um fascínio lendário
Registro algumas delas
Que ouvi com atenção
Enquanto Tia Marcela
Me contava com emoção.
Contando-me a valentia
De Antonio seu bisavô
De como empunhando a espada
O mar ele atravessou
Sozinho num escaler
Sem ter água e sem ter pão
Alcançou por um milagre
A nossa nobre nação.
De como Rebendoleng
Da perseguição fugia
De como encurralado
Sem fuga se viu um dia
Pra não morrer ali mesmo
Peripécia singular
Teve ele que fazer
Para a vida conservar
Só ele e a montaria
Pelos soldados cercados
A sacrificar o cavalo
Se viu ele obrigado
Matou o pobre animal
E seu ventre abriu
Enterrou suas entranhas
E em seu ventre se inseriu
Ajeitou o animal morto
Pra esconder a fissura
E escondido em seu ventre
Agüentou a desventura
Ouvindo seus inimigos
Rosnando bem do seu lado
Sentiu que ali a morte
O havia derrotado
Mas como sempre afirmava
Deus a ele foi fiel
Dispersou seus inimigos
Que rodeavam o corcel
Seguindo a esmo a busca
Deixou ali o procurado
Que no bucho do cavalo
Havia se entrincheirado
Agüentou esse tormento
Como outros que viriam
E por obra do Altíssimo
A todos sobreviveria
Pra trazer para o cerrado
Essas peripércias suas
Que enchem a alma de sonhos
Como ao sertão enche a lua
Pelágio também contou
Estórias aventureiras
Do velho desbravador
Em sua missão primeira
Lá no pico do estado
Onde hoje é Tocantins
Enfincada em uma palmeira
Abandonou a espada enfim.
Fez desse ato seu marco
Seu marco na região
Onde faria história
Com a sua geração
Hoje nos restam as lendas
Os contos pra imaginar
O que é fato ou crendice
Não se pode separar.
Contudo essas histórias
Que remontam um passado
Encanta e faz sonhar
Com tempos já enterrados
Descrevo a genealogia
De Antonio e Ambilina
Seus mais velhos descendentes
Com os seus sonhos e sinas.
José de Sales Monteiro
Morador da região
Casou e teve um filho
A quem chamou de João
João Damasceno Sales
Por causa da devoção
A São João Damasceno
Santo de predileção.
Damasceno Sales agora
Tornara-se sobrenome
E viria a ser herdado
Por uma multidão de homens
João gerou a Izabel
Também Damasceno Sales
Gerou também a José
Eustáquio e Leocádia.
Foi assim que lentamente
A rede fora trançada
Primo e primo se casando
Gerando a parentada
Pedro Alcides Szervinsk
Casou-se com Izabel
João Damasceno Sales
Fez gosto e fitou o céu.
José desposou Bernarda
Leocádia a um forasteiro
Eustáquio casou com a prima
Joana de Sales Monteiro
Há outros descendentes
Que se casaram na região
Mas são estes quatro ramos
Que nos chamam a atenção.
Izabel e Pedro Alcides
José e sua Bernarda
Leocádia e João da Cruz
Eustáquio e sua amada
São estes o nosso foco
Raiz de nosso existir
Por isso lavramos a história
Pra não vê-la se exaurir.
Tomamos como princípio
O filho do velho Aquilles
O nosso muito amado
O famoso Pedro Alcides
Com sua amada Izabel
Sete filhos concebeu
Dois homens, cinco mulheres
Saudáveis Graças a Deus.
José Alcides e Francisco
Emília e a Joana
Andrelina e Marcela
A também a Graciana
São estes os sete filhos
Do velho Pedro Alcides
A julgarmos pelo número
É comum que se divide.
José Alcides Szervinsk
Chamado de Zé de Pedro
Valente e trabalhador
Desconhecia o medo
Muito cedo se casou
Logo constituiu família
Oito filhos viu nascer
De sua esposa Abadia.
Anselmo, Geraldo e Paulo
Miguel Rosa e Maria
Celeste e também Laudina
Frutos da mesma família
Filhos de José Alcides
Esse autêntico lavrador
Que sempre viveu da terra
Com o fruto do seu labor.
José Alcides e esposa
Viveram em simplicidade
Sofreram mas triunfaram
Venceram as tempestades
Viu seus filhos se casando
E construindo família
Cada um seguiu seu rumo
Mas todos deram alegria.
Francisco ficou solteiro
É vizinho de Marcela
Morador de Montes Claros
É figura mui singela
Tem um sítio muito simples
E uma simples morada
Já sente o peso dos anos
Sua fronte está marcada.
Emília formou família
Com Patrocínio Nogueira
Com uma dezena de filhos
Mostrou-se uma guerreira
Siriaco, Orgencilia, João, Maria do Carmo
Cláudia, Ana, Gregório e Nicolau
Manoel e a Maria
São os filhos do casal.
Dos filhos da Tia Mila
Somente quatro casaram
Orgecília, Cláudia, Ana e Maria
Estas família formaram
Os outros ainda solteiros
Ao casório não se deu
Dos filhos de Tia Mila
Só Do Carmo é que morreu.
Joana se casou com Lázaro
E se mudou pro Ribeiro
Do fruto desse amor
Nasceram nove herdeiros
Virgílio, Joel, Cloves
Calú, Lesbão, Cecelias
Irineu e Joviano
E também Maria Luiza.
Todos eles se casaram
Exceto Irineu e Lesbão
Moradores do Rebeiro
Vivem cultivando o chão
Humildes e hospitaleiros
Não fogem à tradição
Frutos de Rebendoleng
Herdaram determinação.
Ainda hoje o Rebeiro
Pertence a essa gente
Que no século vinte e um
Vivem como antigamente
Plantam roça, criam gado
Com muita simplicidade
Vão à cidade vez ou outra
Por pura necessidade.
Graciana a poetiza
Com o Eloi se casou
Tiveram quatro filhinhos
Fruto do seu grande amor
Ana, Vicente e Domingas
E o caçula José
Pessoas trabalhadoras
Honestas de muita fé.
Ana, Vicente e Domingas
São casados e filhos têm
José nunca se casou
Porém vive muito bem
Graciana fala verso
Poetiza natural
Encanta quem a escuta
Pessoa sensacional.
A arte dos europeus
Herdara do bisavô
Homeopatia caseira
Ela sempre dominou
Pessoa de muita fé
É mesmo de encantar
Só quem conhece entende
A razão do meu falar.
Andrelina se casou
Com Calixto seu amado
Criou os seus cinco filhos
Com um cuidado danado
Benildes, José, Hermínia
Maria e Aparecida
Frutos de suas entranhas
Tesouros de sua vida.
Morrera com meia idade
Quando os netos chegava
Entrou no repouso eterno
Do jeito que almejava
Sofreu mas deixou semente
A fecundar sobre a terra.
Na glória de Jesus Cristo
Encontrá-la teu povo a espera.
Todos tiveram família
Os filhos de Andrelina
Porém alguns a largaram
Dizendo ser sua sina
Porém ainda estão vivos
E a vida é esperança
Só quem não vive não erra
Não traz consigo lembranças.
Marcela a filha mais nova
Do velho Pedro Alcides
História como a dela
Não é qualquer um que vive
Se enamorou de Pelágio
Um homem trabalhador
Que muito unido ao seu pai
Jamais fugiu do labor.
Pelágio Damasceno Sales
Sempre foi agricultor
Trabalhava com a madeira
De gado era bom criador
Sete anos de namoro
Com a bela e jovem Marcela
Por fim não mais resistiu
Àquela jovem tão bela.
Casou-se com sua amada
Tombou um palmo de chão
Fazendo roça de toco
Plantava milho e feijão
A labuta era pesada
Mas ele já traquejado
Fez casa e passou pra dentro
Com Marcela ao seu lado.
Com pouco tempo casados
Nasceu-lhes belo menino
Com genuína alegria
Lhe chamaram de Paulino
Marcela mulher fecunda
E por Deus abençoada
Foi mãe de sete rebentos
A quem foi mui devotada.
Depois que veio Paulino
Logo nasceu Deusdete
Então foi ele o segundo
Do total que foram sete
Depois destes dois varões
Viera uma menina
Maria da Cruz e Evódio
Logo após a pequenina.
Mas não parou por aí
Outra menina nasceu
Joanice então foi o nome
Que o Pelágio lhe deu
Marcela louvava a Deus
Por cada filho que vinha
Não demorou muito
Tempo nasceu-lhe Rosalina.
Agora com três casais
Seis bocas para criar
Muitas vezes o casal
Viam o aperto chegar
Muita lida e pouco fruto
Cansaço e muito sofrer
Mas criam com fé em Deus
De fome não iam morrer.
Os filhos iam crescendo
Crescia a preocupação
Roupa, calçado e estudo
Saúde e educação
Mas Deus estava com eles
Guiando-os com suas mãos
Padeceram bastante
Mas isso não foi em vão.
Os filhos benção de Deus
Não tinham se completado
Ainda viria João
Caçula dos aliançados
Assim estava completa
A prole desse casal
Que somou sete rebentos
Quando chegou ao final.
Paulino não se casou
Segue só seu caminho
Deusdete tomou esposa
E já tem três filhinhos
Maria também casou
Filhos então concebeu
Mas logo ficou viúva
Tristeza que aconteceu.
Joanice embora solteira
Tem uma linda filhinha
Seu nome é Izabela
Precisas ver que lindinha
Evódio e Rosalina
Solteiros ainda estão
O último a se casar
Foi o caçula João.
Este herdou dos seus pais
Simplicidade tamanha
É homem silencioso
Quem não conhece estranha
Artista de grande porte
Ainda no anonimato
Vou lhe dar maior destaque
Por não querer ser ingrato.
É essa a descendência
De Pedro e Izabel
Que a tanta gente gerou
Educou e foi fiel
Pedro Alcides foi feliz
Com Izabel sua amada
Viveram por longos anos
Morreram entre a parentada.
Agora vamos voltar
A José nossa atenção
Filho de João Damasceno
Viveu aqui nesse chão
Casou-se com a Bernarda
Moça bela e prendada
Que lhe deu sete herdeiros
Prole muito abençoada.
Nila, Teodora e Francisca
Eloi, Hurbano e Filipa
A mais moça era Claudinha
Que a casar não se arrisca
Todos eles se casaram
Com exceção de Claudinha
Mas talvez ainda case
Essa nossa caçulinha.
Nila logo se casou
Com o senhor Antonio do Rola
Morador da região
E contador de história
Teodora em Montes Claros
Com o João se casou
Francisca no Paranã
Encontrou seu grande amor.
Eloi tomou Graciana
Hurbano casou com Ambrosa
Filipa também casou
E se mudou para o Rola
Morando em Planaltina
Solteira só tem Claudinha
Que parece decidida
A ficar mesmo sozinha.
São estes os sete filhos
Do José com a Bernarda
Frutos de Rebendoleng
Com sua doce amada
Note como esses dois
Foram mesmo abençoados
Seus filhos a cada dia
Vão sendo multiplicados.
Passemos para Leocádia
Que com o forasteiro casou
João da Cruz era o nome
Do jovem seu grande amor
João da Cruz e Leocádia
Cinco filhos viu nascer
Todos eles se criaram
Nenhum veio a falecer.
Abadia e Pelágio
Adriana, Manoel e Felipe
Cinco rebentos robustos
Vindo de uma mesma estirpe
Somente a Adriana
Morreu ainda solteira
Se enforcou mas ninguém sabe
Qual a razão verdadeira.
Abadia teve filhos
Porém nunca se casou
Foi Domingos e José
Os filhos que ela gerou
Abadia ainda vive
Mas seus filhos faleceram
Vítimas de um triste caminho
Por onde se empreenderam
Hoje mora com Pelágio
Que a trata com carinho
Mora ao seu lado direito
Num simpático barraquinho
Morando em Montes Claros
Goza plena liberdade
Parece uma criança
Embora seja de idade.
José filho de Abadia
Na festa se embriagou
Saiu fazendo escarcéu
E o diabo aproveitou
Aleixo filho de Leolizia
Dormindo num canto estava
Mas acordou assustado
Com o José em algazarra.
Aleixo estava armado
Com um revolver na cintura
Movido pelo impulso
Lançou-se em desventura
Num ímpeto violento
Se ergueu com arma empunhada
Dois tiros à queima roupa
E uma vida encerrada.
Foi tremendo o desespero
E grande a confusão
Aleixo se vê culpado
Do sangue de seu irmão
Aleixo ganha as bucainas
Fugindo sem direção
José adentra a noite
Agonizando no chão.
Aleixo perdera a paz
E teve que se mudar
Por isso buscou refúgio
Em um distante lugar
José morreu ainda jovem
Por causa da rebeldia
Que junto com a violência
Mostrou negro aquele dia.
Abadia revoltada
Pra sempre ficou marcada
Com as marcas da violência
Que a fez traumatizada
Grande foi sua tristeza
Com tudo que se passou
Porém não fora só isso
Que a vida lhe reservou.
Depois que já era homem
Domingo pôs-se a cantar
Consumia álcool em excesso
Vivia a se embriagar
Cantava vociferante
Pelos caminhos dormia
Levando uma triste vida
Abadia padecia.
Num dia muito fortuito
Na beira da rodovia
Domingos não imaginava
Que chegara seu dia
Morrera atropelado
Por uma carreta estranha
Ficou jazendo no asfalto
Seu corpo e suas entranhas.
Mais um golpe violento
Para a pobre Abadia
Que suportou o tormento
Daquele sangrento dia
Sofreu e chorou Abadia
A morte do filho seu
Muito triste teve fim
Os filhos que Deus lhe deu.
Não sei se foi coincidência
Enquanto aqui escrevia
Chagou-me a triste notícia
Faleceu a Abadia
Já vinha muito doente
Em função de sua idade
Hoje se junta a seus filhos
Frutos de sua mocidade.
Que Deus olhe com carinho
Dela tenha piedade
Perdoe as suas faltas
E lhe dê a eternidade
Se foi tão nobre figura
Falo com sinceridade
Pra todos que conheceu
Ela vai deixar saudade.
Será ela sepultada
Junto a seus antepassados
No solo de Montes Claros
Lugar tão abençoado
Que gerou tanta gente boa
Como tenho descrevido
Só quem conhece entende
Porque estou comovido.
Louvado seja Deus Pai
Louvado seja Jesus
Que morreu pra nos salvar
Se doando numa cruz
Bendito e louvado seja
Jesus na Eucaristia
Que Ele dê a vida eterna
A nossa estimada Abadia.
De Pelágio já falamos
Se casou com Marcela
Se tornou avô recente
Da bela neném Estela
Filha de seu filho João
Com sua esposa querida
Com quem ele quer casar
E viver o resto da vida.
Manoel ainda solteiro
Em Formosa é morador
Diferente de Felipe
Que tão cedo se casou
Este mora em Brasília
Com a família que formou
São os filhos de Leocádia
Com João seu grande amor.
De Eustáquio de João Salles
Agora vamos falar
Já falei de seus irmãos
Agora pra terminar
Vou falar desse caçula
Que vai dar o que falar
Sendo ele o mais novo
Tem muito para contar.
Joana moça formosa
Eustáquio então desposou
Fê-la a sua esposa
A quem muito ele amou
Sua história é muito bela
Cheia de espinho e de flor
Chegando a encher os olhos
Daquele que me contou.
Esculasco, Petronilio
Ambrosa e Sebastiana
São estes os quatro primeiros
Filhos de Eustáquio e Joana
Rosalino e Albino
Calixto, João e Fulô
Mais filhos deste casal
Que ainda outros gerou.
Donata, Dalvina, Elisio
E a caçula Sophia
Treze filhos num total
Que com saúde crescia
Nenhum deles morreu jovem
Todos viram maturidade
Treze filhos, treze bênçãos
Vejam que felicidade.
Vivendo em grande modéstia
Esse povo se firmou
Criaram profundas raízes
Por isso não se acabou
O povo da região
De São João e Água Fria
Também Alto Paraíso
Descende dessa família.
O velho Rebendoleng
Não podia imaginar
O quanto seus descendentes
Iam se missigenar
Embora seu sobrenome
Pouca gente tenha herdado
Ele tem subsistido
E está por todos os lados.
Szervinsk se fundiu
Com outras assinaturas
Formando novas famílias
Frutos da mesma cultura
O velho Rebendoleng
Que a Deus foi devotado
Onde quer que se encontre
É homem realizado.
O velho Rebendoleng
Pai de Aquilles e Heitor
Morrera em Tocantins
Para onde ele viajou
Em busca de sua espada
Que há anos fora deixada
No tronco de uma palmeira
Por ele mesmo cravada.
Nunca mais tinha voltado
Naquele dito lugar
Faziam-se quarenta anos
Que estivera por lá
Fora uma única vez
No tempo do desbravar
Abandonou sua espada
Sem nunca mais retornar.
Agora em plena idade
Desejou-se aventurar
Sua espada de outrora
Desejou reencontrar
O ponto onde a deixou
Não sabe se encontrará
Mas movido pelo ímpeto
Decidiu-se a marchar.
O seu amor Ambilina
Que sempre lhe acompanhou
Faleceu há alguns anos
Sozinho Antonio ficou
Sentindo muita saudade
Muitas vezes ele chorou
Mas sabe que é o destino
É ordem do criador.
Por isso segue com fé
O que pede o coração
Vai subir o grande Planalto
Andando sem direção
Buscando seu relicário
Baú de recordações
Vai viver uma aventura
Relembrar as emoções.
O velho Rebendoleng
Já muito velho em idade
Foi buscar a sua espada
Pra entrar na eternidade
Sua espada era um marco
Signo de sua valentia
Com ela vencera o mar
E a maldita covardia.
Eles foram companheiros
Desde a mocidade
Por isso ele a guardou
Com tanta austeridade
Mas sentindo a morte vindo
Em solo estranho adentrar
Sentiu-se um desbravador
E sua espada foi buscar.
Acompanhado de Heitor
E de Aquilles filhos seus
Subiu o grande Planalto
Montando um belo corcel
Cavalgaram muitos dias
Mas chegaram ao destino
Os maus tratos do caminho
O velho chegou sentindo.
Agradeceu aos seus filhos
Por lhe ter acompanhado
Arrancou sua espada
Sentindo-se naufragado
Uma cena muito bela
De deixar impressionado
A palmeira estava morta
Mas seu tronco conservado.
A natureza guardou
Com cuidado redobrado
A encomenda que Antonio
Ali havia deixado
O tronco ainda estava verde
Onde a espada estava
Pegando ali sol e chuva
Não oxidou a espada.
Os filhos ficaram perplexos
Com o que ali se passou
Com a força de um jovem
Antonio a espada empunhou
A puxava lentamente até que arrancou
Então a palmeira morta
Que seu verde conservou
Quando a espada saiu
Num instante ela secou.
O velho Rebendoleng
Com a espada nas mãos
Sentindo a morte chegar
Fez ali sua oração
Implorou a Jesus Cristo
Que pegasse em sua mão
Então se ajoelhou
Fincando a espada no chão.
Chorou e pediu perdão
Seus filhos abençoou
Com a espada nas mãos
Penitente ele expirou
Três dias de grande pranto
Seus filhos ali passou
Bem junto à velha palmeira
O velho ali ficou.
Enterrado por seus filhos
Que pra casa então marchou
O velho Rebendoleng
Sua história terminou
Sofreu, chorou e sorriu
Muitos filhos educou
Sua marca na história
Para sempre ele deixou.
Agora que concluiu
As ordens do seu Senhor
Do pó um dia saiu
Para o pó retornou
Viveu bela vida
Cumpriu toda sua sina
Novamente se juntou
Ao seu amor Ambilina.
Após morrer Ambilina
Pouco tempo ele viveu
Agora chegou seu tempo
Também ele feneceu
Sua história não tem fim
Ganhara continuidade
Se tornará imortal
Em sua posteridade.
Chegando em suas casas
O Aquilles e o Heitor
O restante da família
Logo se conciliou
Chorou a morte de Antonio
E a Deus o confiou
Seguiram o seu destino
Com fé em seu Salvador.
O velho Rebendoleng
Se fez como o grão de milho
Morreu pra gerar outros grãos
Uma multidão de filhos
Seus descendentes fecundos
Não cessam de aumentar
São muitos que já nasceram
Que não se pode contar.
Casando e missigenando-se
Mudaram o nome civil
Porém carregam nas veias
De Antonio o sangue febril
É uma história tão bela
Que muita gente não viu
Pedacinho da Polônia
No coração do Brasil.
Também sou dessa estirpe
Falo com contentação
Lhe mostro a minha árvore
Cheio de fascinação
Sou Joaquim, filho de Joaquina
Filha de Izabel e Bazílio
Izabel, filha de Antonio
Que de Delfina era filho.
Delfina, neta de Rebendoleng
Filha de seu filho Heitor
Teve um filho e seu irmão
Manoel foi quem criou
Antonio Sobrinho foi o nome
Que o menino ganhou
Por causa de Antonio Totó
Um filho do se avô.
Mané Velho do João Paulo
Manoel então se tornou
Batizou a Antonio Sobrinho
E a ele também criou
Quando enfim se tornou homem
Antonio Sobrinho se casou
Com Arvilina Vieira Fernandes
Família então formou.
Estes são galhos da árvore
Que Rebendoleng e Ambilina
Não são raiz, mas são o tronco
E ao resto determina
Gente de todos os credos
Toda classe, toda cor
Extensão do velho Rebendoleng
Que aqui se eternizou.
A mão do tempo passou
E os tempos foram mudando
Chegou o novo milênio
De quem sou contemporâneo
Sou a oitava geração
Que de Rebendoleng descende
Narrador desse evento
Que a tantos compreende.
Faço pausa e apuro às vistas
Chamando vossa atenção
Para alguns personagens
Dessa nobre narração
Pessoas ímpares e distintas
Que no mínimo são lendárias
Gente humilde e anônima
Pelo tempo e sua mortalha.
Quero falar de João
Tetraneto de Rebendoleng
Filho de Marcela e Pelágio
Pessoa simples e perene
João Damasceno Sales
É o nome desse homem
Artista de alma sensível
Não há quem não se impressione.
O ciclo de sua vida
Gira em torno do pintar
De São João a Montes Claros
Leva a vida a sonhar
Cristão temente que é
Tem na família um paradigma
Vive a labuta na fé
Entre o cansaço e a fadiga.
Sua alma de artista
Sensibiliza e impressiona
Os rastros de seus pincéis
Seduz, encanta e apaixona
Se mantém com sua arte
E a graça do Senhor
Busca o reconhecimento
De tão sublime labor.
Reproduzindo na tela
Seus sonhos e a criação
Dá vida e cores pra vida
Sonhando com a redenção
Como o seu tetravô
É homem de muita fé
E Deus o prova com força
Pra ver que vaso ele é.
Não nasceu em berço de ouro
Riqueza não conheceu
Educação, boa índole
Foi o que seu pai lhe deu
Da mãe herdou humildade
E o coração sonhador
A sensibilidade e a fé
Herdou de seu tetravô.
Quando ainda era criança
Em tempo de estudar
Conheceu padre Bernardo
Missionário no lugar
Europeu mui perspicaz
Artista plástico sem igual
Fez de João seu discípulo
Que lhe honraria ao final.
João com padre Bernardo
Aprendeu a contemplar
As obras da criação
Reproduzir sem falhar
Rezar, crer em Jesus Cristo
Em seu amor esperar
Teve em padre Bernardo
Um mestre, um pai pra lembrar.
Crescera itinerante
Entre Montes Claros e São João
Ouvindo modas e catiras
Nas rezas da região
No meio da parentela
Com grande satisfação
Crescia como artista
Como homem e cristão.
Passada a primeira fase
Daquele aprendizado
Antes que todo o ofício
Lhe fosse ministrado
O padre foi removido
A outro campo enviado
Então ficou João sozinho
Sem seu mestre Bernardo.
Padre Bernardo nasceu
Na Holanda e se criou
Quando então foi ordenado
E sacerdote se tornou
Veio junto com outros padres
Cuidar da evangelização
Ensinando o amor de Deus
Por toda essa nação.
Dom Victor primeiro Bispo
Dessa então prelazia
À paróquia São João Batista
Enviou Bernardo com alegria
Porém muitas confusões
Com Bernardo aconteceria
Por temer por sua vida
Dom Victor interveria.
Depois de meia dezena
De anos em São João
Padre Bernardo havia
Transformado a região
Ensinando horticultura
A toda população
Pegava o povo na unha
Pra ensinar religião.
Como sempre se mostrou
Valente e destemido
A ele se afeiçoou
Esse meu povo sofrido
Água Fria e São João
Com suas comunidades
Encontrou em padre Bernardo
Um sacerdote de verdade.
Não calava na injustiça
Com veemência exortava
Por onde ele passava
Todo o povo se encantava
Porém havia exceção
Dos mais privilegiados
Que com sua pregação
Se sentiam atacados.
Por causa desses sujeitos
Muito padre Bernardo sofrera
Pois por serem influentes
Ao bispo estes recorreram
Mesmo sofrendo repressão
Por parte da prelazia
Padre Bernardo era o mesmo
Vivendo o seu dia-a-dia.
Porém tudo complicou-se
Quando em certa ocasião
Fatos estranhos surgiram
Em uma comunidade de São João
Pedra de Amolar é o nome
Dessa tal comunidade
Onde vinha acontecendo
Tamanha barbaridade.
Os grandes proprietários
De terra da região
Movidos por avareza
Logo entraram em ação
Para subtraírem as terras
Dos seus autênticos herdeiros
Queimavam as suas casas
E matavam os fazendeiros.
O povo muito humilde
E dado à superstição
Logo foram atribuindo
Ao Diabo essa ação
Achavam que aquilo era
Nada mais que maldição
Que era o próprio demônio
Que queimava a região.
Movido pelo seu jeito
De europeu destemido
Descobrindo a verdade
Se viu de armas munido
Aproveitando o momento
Que era de eleições
Padre Bernardo denuncia
Um por um os figurões.
Cita nomes, mostra provas
Defende a população
Sela de vez seu destino
Que será a remoção
Em pouco tempo o padre
De São João foi removido
Mandado pra Cabeceiras
Longe de seu povo querido.
Deixou para trás João
E o povo a quem se apegou
Depois que dali partiu
Nunca mais ele voltou
Deixando muitas saudades
Com o tempo adoeceu
Em virtude da idade
Sua visão se perdeu.
Perdendo os movimentos
E já muito enfraquecido
Por causa da enfermidade
Pra Holanda foi removido
Ficou num lar católico
Para os padres inativos
Escreveu-nos uma carta
Sinal de que estava vivo.
Na carta com nostalgia
Falava com emoção
Do tempo que fora pároco
Da paróquia de São João
A memória vacilante
Confunde as recordações
Mas ainda guarda muito
Pra inflamar as emoções.
Passa o tempo e morre então
O nosso padre Bernardo
João chora em silêncio
O seu mestre muito amado
A quem desejava
Com ardor ter visitado
Pra lhe ver mais uma vez
Antes que fosse enterrado.
São tantos fatos marcantes
Que envolveu o João
Mas aqui quero narrar
Alguns com mais atenção
Como este episódio
Que agora vou contar
João diante de Deus
Antes da morte chegar.
Tudo isso começou
Quando João foi contratado
Pra pintar o letreiro
Em local arriscado
Em cima de uma escada
João se desequilibrou
Numa corrente elétrica
Sua mão se encostou.
Foi quase uma tragédia
Aquilo que aconteceu
Treze mil volts na hora
O seu corpo percorreu
Caiu de uma grande altura
Com o corpo muito queimado
Com muitas fraturas na queda
João ficou acamado.
Muitos meses sobre a cama
Sem renda e sem saúde
Sua prece era constante
Que Deus do céu me ajude
Sentiu naqueles dias
As trevas lhe envolver
Sentia o cheiro da morte
Sem nada poder fazer.
Remédios, muitas consultas
Muita dor, muito sofrer
João pensava a vida
Sonhando com o renascer
Revia a sua história
Tudo que havia vivido
Seus erros e seus acertos
O quanto havia se perdido.
Então tomou consciência
Dos caminhos onde andara
Decidiu se redimir
Voltar a quem lhe criara
Naquele mesmo instante
Um foco de luz nasceu
E as trevas que eram espessas
Logo se empalideceu.
João naquele abismo
De dor e muito penar
Percebeu que era Deus
Ali a lhe visitar
Sem ver forma, rosto ou nome
Orou e com Deus falou
Sentiu a vida voltando
Por obra do seu Senhor.
Ali jogado no chão
Não podia imaginar
Os tormentos e angústias
Que iriam o provar
Sem saúde e solitário
Em crise existencial
Rosto triste e penumbrado
Era retrato do tal.
Revivendo o vivido
Contestando os dogmas seus
Obra a obra analisava
Com o olhar firme de Deus
Descobriu-se um covarde
Medroso e desconfiante
Sofreu com tal provação
Moldando um novo semblante.
Se aproximou mais de Deus
Vivendo a oração
Recebendo a eucaristia
E a visita dos irmãos
Sentiu a mão do Senhor
Da cama o levantar
Pintou na tela o fato
De Deus o ressuscitar.
Viveu a ressurreição
Saindo da sepultura
Vencendo a enfermidade
Vencia a amargura
No seio de grandes trevas
Muito tempo permaneceu
Enfim ao terceiro dia
Jesus lhe apareceu.
Tomando-o pela mão
O levantando do escuro
Brilhou a luz do senhor
Naquele jovem maduro
A cura foi proclamada
João então se ergueu
Triunfando sobre a prova
Com a ajuda de Deus.
Vencida a adversidade
A saúde ia voltando
E logo as suas obras
Estava efetuando
O mundo com novos olhos
João então enxergava
Suas obras que eram belas
Agora mais encantava.
João enquanto enfermo
Na vida muito pensou
Chorou e fitou o céu
O que sentiu anotou
Relatos e orações
Poemas e reflexões
Diário de sua vida
Eis algumas anotações.
Oração de João Damasceno Sales Durante a Enfermidade
O Senhor dos exércitos
Guardai os vossos filhos,
Não deixais que as mãos do inimigo os sufoquem
Não permita que pereçamos não vos canseis de procurar por, uma só, obra do Vosso filho.
É possível que esse Vosso filho tenha feito uma boa ação.
Perdoai-nos a pretenciosidade, ó Deus todo poderoso.
Se procurardes e não achares nem um vestígio de uma pequenina obra nessa minha vida desenfreada, de tanto pecado, permita-me lembra-lo ó Senhor, que sois misericordioso, és realmente bom.
Julgai-me não segundo minhas obras, mas segundo o Vosso amor e a Vossa divina misericórdia. Perdoai-me!
Defronte à casa paterna
De João em Montes Claros
Existe um pé de paineira
Um arvoredo lendário
Nas horas de sua angústia
Dele João se lembrou
Num momento tão sensível
Poeta ele se tornou.
Poesia de João para o Pé da Paineira
Paineira Velha
Quando me entendi por gente
Você já estava ai...
Nesse altinho da frente de casa
Com toda sua beleza
Chamo-te meu... Não por ser seu dono
É que aprendi a te amar, no entanto não és meu...
Cresci... Tornei-me adulto
Você continua igualzinho ao que era antigamente, belo e imponente.
Paineira, você é para mim, como um velho amigo...
O tempo passa e permaneces sempre fiel...
Foi também durante esse tempo
Que o coração de João
Lembrou do padre Bernardo
E redigiu com emoção
Este simplório bilhete
Carregado de sentimento
Que registro neste texto
Pra não sumir com o tempo.
Dá-me uma novidade...
Me dá vontade de chorar...
E às vezes choro por não
Poder vê-lo e por talvez
Não vê-lo nunca mais.
Ainda que não mais te veja...
Iremos sempre lembrar de você
Como pastor
Como amigo
Eu e meus pais
Sempre seremos gratos
Padre Bernardo...
Desejo-lhe saúde
O conforto e muita paz
Lembranças de Montes Claros
Sonho que ficou longe
Sonho que está perto
Sonho que é incerto
De um dia poder revê-lo
Meu caro, meu amigo
Meu mestre padre Bernardo.
Isso é um pouco de João
E seu coração criança
Seu jeito meio simplista
E cheio de esperança
Seus sonhos e seus medos
Seus amores e seus credos
Suas raízes e costumes
Suas buscas e segredos.
João sonha em ser feliz
E é feliz a sonhar
Com sua esposa Cristina
Tem Estela pra educar
Contempla a sua descendência
Cheia de encantos mil
Se orgulha de ser filho
Do Polonês varonil.
Traz vivo dentro do peito
A fé e a devoção
Não esquece um só instante
O tempo da provação
Que o pegou como um tiro
Lançando-o em pleno chão
Mas que também foi caminho
Pra sua renovação.
Agora chamo a atenção
Para alguém muito especial
Seu nome é Graciana
Pessoal sensacional
Gente humilde e hospitaleira
Tia de João Damasceno
Fala verso e impressiona
Aquele rosto pequeno.
Dentre muitas outras histórias
Que ela conta rimando
Venho narrar a mais bela
Que eu a ouvi contando
Não é ela a autora
E desconhece o autor
Mas foi aos seus quinze anos
Que ela então a escutou.
Aos oitenta anos de idade
Tem memória afiada
Verso a verso recitou
Com emoção declarada
Enquanto ela recitava
Tomamos café quentinho
Sentado em banco rústico
Feito pelo seu sobrinho.
Conto do Papagaio
Houve uma grande fome entre
Aquela humanidade
O pessoal, sem recurso
Sofrendo mais da metade
E aquele pobre velho
Na maior necessidade.
Jobão disse ao diabo
De fome nós vai morrer
Vou procurar um lugar
Em que se ganhe o que comer
Quem for tolo aqui se lixe
Espere pra sofrer
Botou chapéu na cabeça
Nas costas um matulão
Saiu sem despedir-se dos
Pais e dos seus irmãos
Ficaram ambos chorando sem
Ter consolação
O velho pai suplicava a Divina Majestade
Que tivesse compaixão
Como pai de piedade
Em vez de castigar
Tivesse dele piedade
Jobão então foi morar num
País de estrangeiro
Empregou-se no comércio
Ganhando muito dinheiro
Em pouco tempo já tinha
Fortuna de um banqueiro.
Casou-se com uma rica
Que lhe sobrava riqueza
Possuía uma fortuna igual
De uma princesa
Tendo grande fidalguia desconhecia pobreza.
Jobão com esta riqueza
Tornava-se mais avarento
Esqueceu dos velhos pais
Que deixou em sofrimento
Não alembrava de quem não
Lhe esquecia um só momento.
Numa noite ele sonhou
Que viu seu pai suspirando
A mãe com uma mochila pelas portas mendigando
Pedindo uma esmola
Aflita quase chorando.
Não! Ele murmurou
Sai-te daqui nego azaro
Quando eu estava com
Vocês nunca pude prosperar
Agora como estou rico
Já veio me atormentar.
A mãe mostrou-lhe o seio
Que a ele amamentou
Porém ele horrorizado nem
Atenção lhe mostrou
Vai embora azar nego
Nessa face acordou.
Despertando o avarento
A meditar o passado
Dizendo em pensamento
Meu pai é velho alazado
Quando eu vivia com ele
Só vivia encabojado.
Vivia morrendo de fome
Sem possuir um tostão
Parecia haver ali uma falta de benção
O azar é o meu pai, minha mãe, meus irmãos
Temia que o pai chegasse
Naquela grande pobreza
Para não sofrer de vergonha
E explorar-lhe a riqueza
Seria o maior desgosto
Que lhe fazia a surpresa.
Na casa do velho pai
Ajudou um estrangeiro
O velho deu-lhe pousada
Pois era hospitaleiro
Foi quem do filho
Ingrato deu o seguinte roteiro
O velho então perguntou
Áquele desconhecido
Se conhecia Jobão o seu
Filho querido
Por causa de sua ausência
Se muito tinha sofrido.
Disse ele eu conheço
O Coronel Jobão
Era pobre como Jó não
Possuía um tostão
Casou-se com uma rica
Hoje é senhor de milhão.
Navio no oceano ele
Possuía mais de cem
Em riqueza e fidalguia
No mundo só ele é quem tem
Forante o imperador
Como ele mais ninguém.
Deu todos os sinais que
O filho possuía
O velho quase morreu
Somente de alegria
Mas a grande saudade
Do coração não saía.
Disse Alvino suspirando
Se me derem permissão
Se acaso for possível
Que haja satisfação
Amanhã logo cedinho
Vou atrás do meu irmão.
Disse o velho chorando
Queres também me deixar?
Disse ele
Não senhor vou meu
Irmão procurar
Vou pedir ele um recurso
Para te sustentar.
A mãe matou-lhe um frango
Para comer na viagem
Deu a ele um rosário bento
Tendo de Cristo uma imagem
Foi embora Alvino
Porém quase sem coragem.
Chegou então no estrangeiro
Onde morava o irmão
Indagou aonde era a morada de Jobão
Lhe mostraram um palácio
Como o do Rei Salomão.
Alvino se arrependeu quando
Avistou o sobrado
Sentia seu coração
Batendo muito avechado
Porém a fome horrorosa
O fazia dominado.
Ao chegar no sobrado
Encontrou um capitão
Com a força da polícia
Que estava de prontidão
Guarnecendo o sobrado
Com a ordem de Jobão.
Pediu licença dizendo
Que desejava falar
Com o coronel Jobão
Porém não quiseram dar
Disse ele é proibido
Gente pobre aqui entrar.
Senhor eu sou irmão dele
Disse o pobre Alvino
É irmão do coronel e
Anda como peregrino?
Disse ele é prova da sorte e
Um capricho do destino.
Disse ele não admira
Um ser rico e outro pobre
São conseqüências da vida
Um na miséria e outro nobre
Em sangue somos iguais
Nem que a riqueza dobre.
Ordenou o capitão que as
Praças reparasse
Se ele estava armado com
Cuidado examinasse
Se estivesse armado para cadeia levasse.
Examinaram Alvino mas
Estava desarmado
Só encontraram o rosário
Que sua mãe tinha lhe dado
Mandou que ele entrasse
Com a ordem do delegado.
Alvino quando entrou
Encontrou a baronesa
Sentada muito orgulhosa
Na mais soberba riqueza
Na cadeira de balanço
Parecendo uma princesa.
Ela quando viu Alvino
Interrogou-lhe então
O senhor o que deseja
Qual é sua intenção?
Disse ele eu desejo
É falar com meu irmão.
Quem é seu irmão aqui
Lhe perguntou sem carinho
Disse ele: é Jobão
Meu estimado irmãozinho
Disse ela vai-te azaro
É por ali o caminho.
Deu uma grande risada
Que estrondou no salão
Zombando do miserável
Chamou o coronel Jobão
Aqui tem um miserável
Dizendo ser teu irmão.
Veio chegando o avarento
Com as presenças gresses
Perguntando escarnecendo
De onde saiu essa peste
Que anda espalhando o azar
De qual inferno vieste?
Disse ele: não me conheces
Sou seu irmão Alvino
Fui criado em seus braços
Desde muito pequenino
Vim aqui te visitar
Com a ordem do destino.
Nossos pais vivem aflitos
Só a apensar em seu nome
Mandou te pedir esmola
Que estão passando fome
Se não tiver piedade
As misérias te consomem.
Vai embora miserável
Retire-se do meu salão
Vai azarar o diabo
Com a sua maldição
Senão o mando para a cadeia
Levando muito facão.
Alvino se retirou que
Mal podia falar
Mais adiante caiu
Pôs-se a lastimar
A grande fome outrora
Não podia suportar.
Quando a gente anda mole
A sorte muda de clima
Vem a negra desventura
Extrai da fartura a mina
Quando urubu anda avechado
O de baixo suja o de cima.
Alvino se lastimava
Que causava compaixão
Naquela terra estrangeira
Sem parente nem irmão
Aquelas maledicências chamou
Do rei atenção.
O rei não podia dormir
Ouvindo se lastimar
Mandou um dos seus soldados
O peregrino chamar
Para em sua presença
Aquela estória contar.
Quando ele chegou lá
Fez a interrogação
Dizendo a grosseria que tinha
Feito ao irmão
Enfim respondeu o rei
Não prática como cristão.
O rei chamou a criada
Mandou chamar o jantar
O rei carinhosamente
Sempre a consolá-lo
Justo são os que sofrem
Coma até se fartar.
O rei notou em Alvino
Força de moralidade
No rosto dele notava-se
Senhor de honestidade
Esplendor de pureza
E também da santidade.
O rei sentou-lhe à mesa
Lhe fazendo cortesia
Como amigo fiel
De copeiro lhe servia
Oferecendo de tudo
Do que na mesa havia.
Alvino agradeceu depois da refeição
Com toda reverência de
Joelhos beijou-lhe a mão
O rei ficou abismado
De ver tanta educação.
Então o rei lhe perguntou
Queres ser meu jardineiro?
Ficar morando comigo
Ganhando muito dinheiro
Enquanto você estuda
Para ser meu conselheiro.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Quero que vossa alteza
Me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que passam necessidade.
O rei entregou-lhe um quarto
No trono onde vivia
Ele então se lembrou
Do que o pai lhe dizia
Faltando a terra de Deus
Chega a da Virgem Maria.
Os conselhos de seus pais
Nunca ousou botar fora
O justo quando é constante
O bom exemplo decora
Faltando a terra de Deus
Chega a de Nossa Senhora.
Ficou ele com o rei
Sendo o seu jardineiro
O rei lhe queria bem
Por ser um fiel companheiro
Oferecia do trono
O que tivesse em dinheiro.
Ficou por enquanto Alvino
Servindo o imperador
Vamos falar na princesa
Uma excelentíssima flor
Que vivia no deserto
Sem sofrer mágoa de amor.
Quando a princesa nasceu
Mandou ver a sua sina
Havia de ser casada
Em família peregrina
Então o rei protestou
E contra a vontade divina.
Mandou fazer um palácio
Onde internou a princesa
Junto com uma criada
Que tinha muita firmeza
Ali não ia ninguém
Sem ordem de sua alteza.
Criou logo uma lei
Em todo aquele reinado
Quem fosse sem sua ordem
Seria então degolado
Quem não quisesse morrer
Que guardasse com cuidado.
Ali não ia um cristão
Ninguém queria morrer
Ela não aparecia
Só pra ninguém lhe ver
Fazendo todo possível
Para a sina desfazer.
As moças daquele tempo
Eram as mais gentilíssimas
De formosura divina
De presença suavíssima
Por causa da grande beleza
Da mais excelentíssima.
Deixemos aqui a princesa
Vamos falar de Alvino
Dominado pela sorte
Levado pelo destino
Para cumprir a missão
Que ordenou o destino.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Que quero que vossa
Alteza me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que sofrem necessidade.
Enfim respondeu o rei
Eu não te posso privar
Só mesmo na condição
De chegar lá e voltar
Porque me faltando tu
Como poderei passar.
O rei destrancou o tesouro
Tirou enorme quantia
Deu-lhe de mão beijada
Rejubilado de alegria
Deu-lhe mais para a fiança
Um passaporte de guia.
Depois tirou outro tanto
O bondoso imperador
Disse esse você leve
E entregue por favor
Um presente que eu mando
Para os seus progenitores.
Se despediu pesaroso
Por deixar sua alteza
Foi socorrer os seus pais
Que ficaram na pobreza
Porém errou o caminho
Segue em busca da princesa.
Quando chegou no palácio
Que avistou na janela
Ficando ele encantado
Com a formosura dela
Porque nunca tinha visto
Uma jovem como aquela.
Quando ela viu Alvino
Criou nos lábios um sorriso
Então disse para a criada
Vem ver do que eu preciso
O anjo que vem ali
Parece do paraíso.
Murmurou então a criada
Nós vamos fechar o portão
Nós não sabemos quem é
Pois pode ser um ladrão
Disse ela não senhora
Chama minha ordem então.
Afinal logo o portão
A criada destrancou
Dando aquele recado
Que a senhora mandou
Ele com todo respeito
A ela se apresentou.
A princesa lhe perguntou
Quem tinha lhe permitido
Vir àquele palácio é
Severamente proibido
Respondeu ele ninguém
Ando por aqui perdido.
A princesa admirada
Prestando toda atenção
Mandou que ele entrasse
Tomando pela mão
Porém ele não sabia
Que era filha do patrão.
A princesa ordenou
À sua fiel criada
Que preparasse um jantar
E não usasse massada
Ficando junto com ele
Pelo amor dominada.
Pergunta ela de onde vens
Responde ele da capital
Lá eu era jardineiro
De sua alteza real
Jardineiro de papai
Admirou-se afinal.
Para onde vais assim
Insistiu logo a princesa
Vou para minha terra
Disse com toda certeza
Quando a criada disse
O jantar estar na mesa.
Ela chamou o rapaz
Saiu com ele e disse
Vou lhe servir
Na copeira a nobre imperatriz
Que junto aquele anjo
Se julgava a mais feliz.
Pergunta ela feliz
Provém de família nobre
Disse ele não senhora
Toda a minha raça é pobre
Meu pai talvez não possua
Nem meia pataca de cobre.
Conversaram até a tarde
Alvino com a princesa
Ela chamou ele para a cama
Porque era uma beleza
Alvino então foi dormir
Sobre os braços da princesa.
Eram mesmo como anjos
Cada qual mais inocente
O vício negro e maldade
Não tinham em suas mentes
Aquelas almas fiéis
Seguiam Deus fielmente.
Com o carinho da moça
Ele no sono pegou
Porém a pobre princesa
Nem um instante adornou
Admirada com ele a noite
Em claro passou.
Embriagada de amor
Punha-se a meditar
Quando ele fosse embora
Como poderia ficar
Sorria ali jubilada
Depois se punha a chorar.
Soltando ternos suspiros
Com aquele amor sem fim
Dizendo em pensamento
Como é tão belo assim
Deus me fez só pra ti
E te fez só pra mim.
O sol já era alto
E ele ainda dormindo
Ela deu-lhe um beijo
E levantou-se sorrindo
O amor era um punhal
Que lhe estava ferindo.
Quando ele despertou
Levantou nesta hora
Pediu licença à princesa
Que queria ir embora
Ela lhe deu um punhal
E disse me mata agora.
Porque sem tua imagem
Como poderei viver
Antes prefiro a morte
Que termina meu sofrer
Respondeu ele sorrindo
Mas o que há de fazer.
Sua alteza é uma princesa
É filha do imperador
Eu sou um probrezinho
Filho de agricultor
Está perdendo seu tempo
Em me expor seu amor.
Quando seu pai souber disso
Manda a minha vida tirar
Agarra o meu cadáver
Sacode dentro do mar
Isso não me convêm
É melhor se sossegar.
Você é pra se casar
Com os filhos do imperador
Um herdeiro de coroa
Que lhe dê honra e valor
Queres casar-se comigo
Um criado inferior.
Então você não me ama
Porque eu sou rica e nobre
Disse ele não senhora
É porque sou pequeno e pobre
Mas teu amor para mim
Tua nobreza encobre.
Amo-te mais que a vida
Como no mundo a ninguém
Peço por caridade se fores
Me leve também
Respondeu ele sua alteza
Não vai se dar muito bem.
Então Alvino tu juras
Como me tens amizade
Disse ele sabeis que juro
Perante a divindade
Enquanto eu existir
Não te farei falsidade.
Sua alteza jura também
Como me tem firme amor
Disse ela eu já jurei
Perante o meu Salvador
Hei de honrar-te até a morte
Como marido e senhor.
Como posso te levar
Para não ser descoberto
Disse ela estudo já um plano
Que seja certo
Para isso eu tenho jeito
Carreguo os olhos abertos.
Antes de chegar na rua
Tu me pões dentro de um saco
Para não morrer sem fôlego
Faça nele um buraco
Me leve em suas costas
Deixe o povo dar cavaco.
Se perguntar o que leva
Diga é uma cavala
Se eles falarem compro
Querendo negocia-la
Diga ela eu não vendo
Pois deu trabalho mata-la.
Então disse para a criada
Sua fiel companheira
Se não guardasse segredo
A vida lhe custaria
Mandou que fosse embora
Com a carta de alforria.
Foi embora o jardineiro
E fez como ela ensinou
Perto da grande cidade
Dentro do caso a botou
Quando chegou lá na rua
Todo o povo se agitou.
O que levas aí
Perguntou um sentinela
Disse ele uma cavala
Me venda um pedaço dela
Disse ele não senhor
É só pra minha panela.
Mais adiante encontrou
O chefe da mesa de renda
Queres me vender o peixe
Não já vai de encomenda
O peixe é muito pequeno
Só dá pra minha merenda.
Mais adiante encontrou
O caixeiro do balcão
Queres me vender o peixe
Respondeu ele que não
Esse peixe que eu levo
É só para o meu fogão.
Mais adiante encontrou-se
Com o rei, pai da princesa
Quero que me faças um pedido
Respondeu-lhe sua alteza
Eu lhe farei o possível
Era com toda certeza.
O pedido é o seguinte
Que eu quero me casar
Sem ninguém ver minha noiva
E o meu anjo tutelar
Para não ser conhecida
E alguém a cobiçar.
Disse o rei não é nada
Logo o bispo casou
A moça dentro do saco
Nem a mão fora botou
O rei mandou fazer festa
Três dias a festa rolou.
Disse então o jardineiro
Agora estou casado
Mas porém não tenho casa
Mas sem dinheiro quebrado
Vossa alteza me valha
Senão estou desgraçado.
O rei tinha um palacete
Logo mandou abri-lo
Deu-lhe de mãos beijadas
Para no mesmo dormir
Dizendo este é teu
Enquanto você existir.
Foram a princesa e Alvino
Morar naquele sobrado
Desfrutar o seu amor
De casal sacramentado
O sangue procura o corpo
É muito certo o ditado.
O rei deu-lhe mais dinheiro
Para sua precisão
Ele escreveu para os pais
E mandou-lhe rendição
Cento e vinte e cinco contos
Foi o que mandou então.
Agora então no estrangeiro
Havia um príncipe pagão
Mandou ao rei uma carta
Pedindo da filha a mão
O rei não lhe respondeu
Não lhe prestou atenção.
Então o príncipe pagão
Ao outro propôs uma guerra
Pretendendo então deixar
Em desgraça aquela terra
Disse o rei cristão
Sendo assim você erra.
Armou todo o exército
E mandou sem compaixão
Os navios encouraçados
Atacaram o rei cristão
Entrou o país em guerra
Em defesa da nação.
Porém o rei inimigo
Tendo maior resistência
Ele está bem armado
Sobrava ali competência
Se não fossem os milagres
Da Divina providência.
O rei se vendo perdido
Chamou seu jardineiro
Contou-lhe os resultados
Do seu povo traiçoeiro
Que estava se vendendo
Ao rei pagão do estrangeiro.
Repite o imperador
Queres ser meu general
Disse ele pois não sou
Sua alteza real
Eu darei a minha vida
Na luta ao reino do tal.
O exército do país
Por você será criado
Eis de ser minha pessoa
Na corte desse reinado
Eis de mandar em todos
E nunca serás mandado.
Entregou ao general
Aquela grande patente
Entregou uma medalha
Que valia francamente
Os trinta contos de reis
Brilhante de ouro somente.
Entregou-lhe a espada
A farda com o galão
Deu-lhe plenos poderes
Para resolver a questão
Foi então o general
Combater o rei pagão.
Chamou a jovem esposa
Contou-lhe o resultado
Ficou ela muito aflita
Com o coração agitado
Disse ele é meu dever
Ir defender o reinado.
Se despediu da esposa
E para a guerra marchou
Logo ao chegar no porto
Com uma criança encontrou
Vendendo um papagaio
Que assim ele falou.
Me compre esse papagaio
Que desejo lhe vender
Ele é muito falador
E tudo sabe dizer
Conhece segredo ocultos
Que ninguém pode saber.
Disse então o general
Eu até posso compra-lo
Porém já vou para a guerra
Não tenho quem vá deixa-lo
Disse o menino eu vou
A sua esposa entregar.
Por quanto queres vender
O general perguntou
Lhe dou por quatro vinténs
Mas ele se admirou
Dizendo que dava dez
Mas ele não aceitou.
O papagaio começou a falar
Com o general
Dizendo quem vai pra guerra
É um amigo leal
Deus te leva e te traz em paz
E te defende do mal.
O general espantou
De ver tanta sapiência
Um ente tão pequenino
Ter tanta inteligência
Pagou o menino e disse
Vá deixa-lo com urgência.
Disse ao papagaio Adeus
Não vá viver com tristeza
Meu senhor vai feliz
Isso eu digo com certeza
O senhor vai e eu fico
Mais sua nobre princesa.
O general espantou
Quando falou na princesa
O que o menino disse
Reconheceu a certeza
Dizendo ele conhece
Os feitos da natureza.
Quando o menino chegou
Lá na casa da senhora
Ele disse Ô de casa
Disse ela Ô de fora
O papagaio perguntou
Porque é que tanto choras.
Disse ela ô meu louro
Vem então me consolar
Disse ele sim senhora
Vim teu pranto enxugar
Estarei sempre disposto
A fazer o que precisar
Perguntou quer almoçar
Disse ele que não queria
As comidas dessa terra
Ao papagaio não servia
Quem quisesse dar-lhe um almoço
Rezasse uma Ave-Maria.
A princesa então vivia
Com sua casa fechada
Para servir a ela
Possuía uma criada
Para não ser conhecida
Vivia ali internada.
Um dia abriu a janela
Para olhar a cidade
Lá ia passando Jobão
Alma cheia de maldade
Avistando-a tentou fazer
Logo a falsidade.
Ficou ele enfeitiçado
Quando avistou a princesa
Disse tu há de ser minha
Isso eu tenho por certeza
Poderei não te gozar
Se não valer a riqueza.
A princesa pressentindo
O bandido lhe olhando
Avechou-se fechou a porta
Foi logo se arretirando
Então o papagaio disse
O diabo está tentando.
Princesa minha senhora
Será agora perseguida
Reza se encomenda a Deus
Tenha cuidado na vida
Que aquele sedutor
Quer te fazer prostituída.
Amanhã logo cedinho
Vem aqui te perseguir
Cochilada do demônio
Deseja lhe iludir
A senhora não se avexe
Deixe que eu vou agir.
Quando foi de manhãzinha
Chegou o perseguidor
Então disse o papagaio
Aí está o traidor
Foi logo lhe perguntando
O que deseja o senhor.
Disse enfim o inimigo
Tenho um negócio a tratar
Com a dona dessa casa
Que desejo conversar
Meu negócio é urgente
Eu não posso demorar.
Respondeu o papagaio
Vá embora seu bandido
Eu conheço a sua trama
Pois já li o seu sentido
Veio iludir minha senhora
Pra ser falsa ao marido.
Jobão olhou pra dentro
Avistou o papagaio
Que bichinho danado
É pior que um raio
Leu todo meu pensamento
Não arrumou uma falha.
Disse então o papagaio
É uma alma sem critério
Tu gostaria de ver
Tua esposa em adultério
Deixe o mundo e segue
A Deus isso não é um mistério.
Minha senhora jurou
Perante o Deus da verdade
De guardar até a morte
A sua fidelidade
Tu queres manchar
Agora a sua santa castidade.
Jobão saiu por ali
Oprimido da tristeza
Imaginando a mulher
E sua grande beleza
E aquele papagaio
Que o fez perder a empresa.
Debaixo de uma árvore
Sentou-se quase chorando
Quando avistou uma velha
Que andava manquejando
Escorada em uma vara
Fingia andar mendigando.
A velha era o diabo
Que a pecar o tentou
Como vai o meu netinho
Dessa forma perguntou
Mas ele estava zangado
Nem atenção lhe prestou.
Fala e diga meu neto
O que sofre pra velhinha
Eu tenho eficiência
Pra domar a rainha
A força inquebrantável
Não existe igual a minha.
Eu sou a mãe do feitiço
Ninguém me pode vencer
Para me subjugar
Só existe um poder
Fora esse eu garanto
Faço o que quero fazer.
Entro nos lugares ocultos
Mesmo na escuridão
Tenho subjugado duros
Da mais alta posição
Todos a mim obedecem
Conforme a ocasião.
Ai respondeu Jobão
Te digo com a certeza
Se arrumares o que quero
Te darei grande riqueza
Durante a sua vida
Nunca mais terá pobreza.
Disse a velha a Jobão
Basta teu sangue me dar
Pois se assim o me der
Melhor poderei passar
Dinheiro eu tenho de sobra
Tanto se possa gastar.
Disse Jobão é uma jovem
Que tenho no pensamento
Desde a hora que a vi
Que vivo em sofrimento
Minha paixão é tão forte
Não esqueço um só momento.
Disse ela estou ciente
Da tua grande amizade
Isto é coisa mais simples
Faço com facilidade
Basta me dar o que quero
Que farei tua vontade.
Disse Jobão acho difícil
O plano ser executado
Lá tem um papagaio
Que só sendo endiabrado
Adivinhou os intentos
Que eu havia planejado.
Que papagaio que nada
Não haverá embaraço
Para isso eu sou disposta
E tenho força no braço
Basta me dar o que pedi
O que prometo eu faço.
Jobão furou o braço
Tirou o sangue e entregou
Logo sem perda de tempo
A bruxa velha marchou
Para a casa da princesa
Porém nada ela arranjou.
Chegou dizendo ô de casa
Sem ninguém nada falar
Pergunta enfim a princesa
Quem é que está a chamar
Disse o louro é o diabo
Que pretende te levar.
Ave Maria meu Deus
Murmurou ela cismada
Caiu ela de joelho
Rezando muito avexada
Ô de casa ô de casa
Insistia a malvada.
O papagaio perguntou
Quem é que chama aí fora
Disse a velha sou eu
Disse ele vá embora
Eu sei qual o seu negócio
Veio iludir minha senhora.
Não vim iludir a ela
Mas apenas conversar
Quero faze-la feliz
A porta quero entrar
Se não abrir entro a força
Você não pode privar-me.
Vai embora cuviteira
Deixa de ser insistente
A força você não entra
Aqui absolutamente
Eu lhe esmago a cabeça
Como a Virgem à serpente.
A velha meteu a mão
E logo a porta quebrou
O papagaio irado
Logo o diabo agarrou
Dentro do palacete
Grande luta se travou.
Agarrou-a com o bico
Bateu com ela no chão
Era mesmo que um pinto
Nas unhas de um gavião
Revirou todos os móveis
O papagaio e o cão.
A feia velha gritou aflita
Você me mata meu louro
É pelo seu desaforo
Só sai daqui ensinada
Quando levar muito couro.
Deu mais de duzentas quedas
O olho dela arrancou
Rasgou-lhe a roupa toda
E uma perna quebrou
Depois de muito surrá-la
O papagaio a soltou.
Assim que ele a soltou
Ela saiu dizendo
Ai quase que morro agora
Nas unhas do sorancaio
Quem não conhece Miguel
Chama aquilo papagaio.
O papagaio gritou ainda
Vais resmungando
Não meu louro disse ela
Parece que comigo
Ainda está se incomodando.
Chegou lá e disse a Jobão
Estou quase desgraçada
O marvado papagaio
Me deu uma surra danada
Tirou-me um olho
Deixou minha perna quebrada.
Eu não disse
Que você não tirava resultado
Bichinho como aquele
Só parece endiabrado
Sei que não posso vencê-lo
Vamos dar como acabado.
Disse a velha faz pena
Outro homem a gozar
Mas eu te ensino
Um meio para dela se vingar
Levanta um falso a ela
Que assim pode te pagar.
Disse Jobão como fazer
Para ser bem empregado
Disse eu te ensino e fica bem ensinado
Preste me bem atenção
Pra ficar certificado.
Ela tem no peito esquerdo
Um sinal como uma rosa
Que parece um desenho
Feito por mãos caprichosas
Tem um cachinho de cabelo
Feito uma trança formosa.
Você dando esse sinal
Ela está desgraçada
Pode ficar na certeza
Que vai morrer enforcada
E a surra do papagaio
Em breve será vingada.
Se despediu de Jobão
E logo se arretirou
Então aquele malvado
No mundo aquilo espalhou
Que a mulher do general
Com ele se adulterou.
Foi aonde estava o rei
Aquele infame malvado
Jurou que a princesa
Tinha o esposo atraiçoado
Disse o rei até nem posso
Perdoar esse pecado.
Com quem ela o traiu
Disse ele foi comigo
A mulher do general
É meu maior inimigo
Ambos irão morrer
Sofrendo assim o castigo.
Você também vai morrer
Para não escandalizar
A mulher estava quieta
O que tinha que incomoda-la
Rei, foi ela a culpada
Seduziu-me com o olhar.
O rei anunciou
A morte do general
E a morte da esposa
Porque fora desleal
Pôs em luto dobrado
Quase em toda a capital.
A princesa inocente
De nada disso sabia
O papagaio calado
Nem cantava nem sorria
Pudor dela manchado
A mais santa que havia.
O general foi à guerra
Matou e desbaratou
O orgulhoso pagão
Prendeu e sub-julgou
Perdeu mais de 20 mil
Mas a pátria libertou.
Quando chegou encontrou
De luto todo o reinado
Sentia tais convulsões
Quase morreu assombrado
Ao saber que a esposa
O tinha atraiçoado.
Disse ele não acredito
Na infame traição
Minha esposa é uma santa
Não tem esse coração
Eu juro perante Deus
Foi outra ela não.
Disse o rei ao general
O senhor vai ser degolado
Respondeu o general
Senhor muito obrigado
Com isso queres pagar
Quem o fez libertado.
Foi preso o general
Trancado numa prisão
Então disse o papagaio
Já chegou meu patrão
Vai morrer enforcado
Sem a menor rendição.
Minha senhora não sabe
Que a dias foi traída
Tão santa tão inocente
Porém na rua é vendida
Vamos logo sem demora
Senão ele perde a vida.
A princesa quis correr
Descalça de pés no chão
Disse o papagaio calma
Tenha fé no Deus cristão
Que não desampara o justo
Com a sua proteção.
Saíram ambos avexados
O papagaio e a princesa
Sendo que era o guia
Sempre a guiar sua alteza.
Para onde estava o marido
Pois ela não tinha certeza.
Quando a princesa chegou
Que avistou o marido
Disse a Deus meu esposo
Meu belo anjo querido
Não calcule a saudade
Que por ti tenho sofrido.
Eu dou por vista meu anjo
Meu amor meu sumo bem
As que eu também sofri
Quando estive muito além
Eu vou morrer enforcado
Vieste morrer também?
Disse então o papagaio
A Deus meu belo senhor
Está preso inocente
Ia passar pela dor
Se não tivesse a teu lado
O mais justo defensor.
Disse o papagaio ao rei
Sua real majestade
Estas almas inocentes
Ignoram a maldade
Eu provo que é calúnia
É a maior falsidade.
Jobão irmão de Alvino
Esse falso levantou
Contra a sua cunhada
Dizendo que maculou
Jurou falso testemunho
E sua alteza acreditou.
O diabo dos infernos
Depois de ter atentado
Fez ele ver minha senhora
Na janela do sobrado
Por ser ela muito linda
Ficou ele enfeitiçado.
Foi ver se a iludia
Porém nada encontrou
Porque repeli a ele
Desenganado voltou
Por sua infelicidade
Com o diabo encontrou.
Esse o iludiu
Em troca do sangue dele
Porém não arrumou nada
Porque a ele repeli
Então o povo disse
Que papagaio é aquele.
O que eu digo eu sustento
Ninguém queira acreditar
Mas vou buscar o diabo
Para a história contar
Sub-julgado por mim
Ele não pode negar.
Pediu licença ao rei
Bateu asas e voou
Em menos de dez minutos
Com a velha ele chegou
Contar toda a história
O papagaio a obrigou.
Conta a história direito
Não quero ver covardia
Senão leva outra surra
Pior que a daquele dia
Eu te esmago a cabeça
Como esmagou Maria.
O diabo quis negar
Porém ele temeu
Contou amiudamente
Todo o fato que se deu
Quando surgiu a verdade
Logo a mentira morreu.
Disse então o papagaio
Entrega o sangue alheio
Perde esse mal costume
Pois ele é muito feio
Não vá mais caluniar
Senão te corto ao meio.
Aí o rei perdoou
O seu amigo leal
Logo no dia seguinte
Promoveu o general
Ofereceu de presente
A coroa imperial.
Disse Alvino obrigado
A mão do rei beijou
O papagaio nesta hora
Cantou sorriu e falou
Fez um discurso eloqüente
Que o povo se admirou.
Eu conheço o meu senhor
Quando ele foi batizado
No dia em que ele nasceu
Eu me achava encostado
A parteira que o pegou
Chamava Ana Machado.
Deste dia em diante
Dele não me separei
Sou testemunha ocular
Se precisar jurarei
Se já pecou contra Deus
Eu ainda não notei.
Os seus pais eram pobres
Gemiam falta de pão
Mas sempre resignados
Com o dever de cristão
Nunca usou indolência
Na hora da oração.
Minha nobre senhora
Eu vi quando nasceu
A sina que ela trouxe
Que o pai repreendeu
Sendo ela uma fidalga
Casar-se com um plebeu.
Mas aquilo que Deus faz
Ninguém pode desmanchar
Sendo sorte boa ou não
O homem tem que aceitar
Deus é quem nos domina
Ninguém o pode dominar.
Disse o papagaio ao rei
Reconheceu sua alteza
Deus só é que tem poder
No mais tudo é fraqueza
Mandou que o imperador
Pusesse a benção na princesa.
A princesa tomou a benção
E o rei se assustou
Logo reconheceu a filha
A ela abençoou
A rainha igualmente
Muito alegre ficou.
O rei abraçou o genro
Com a maior alegria
Quem chorava noutra
Naquela hora sorria
Só Jobão naquela hora
Arrependido gemia.
Disse o papagaio ao rei
Sua alteza real
Fez bem entregar a coroa
Ao seu genro marechal
Pois fará melhor justiça
Porque tem melhor moral.
O rei entregou a corte
Foi este ser imperador
Disse o papagaio manda
Chamar seus progenitores
Que choram todos os dias
Com saudade do senhor.
Olha eu não sou papagaio
Sou um anjo tutelar
O anjo de sua guarda
Que Deus mandou te livrar
Receba os quatro vinténs
Foi ao senhor entregar.
Até o dia do juízo
O papagaio murmurou
Dando um beijo na princesa
Bateu asas e voou
Foi grande a comoção
Que todo povo chorou.
Quando ele ia voando
Ia soltando muitas flores
E as flores só caiam
Sobre o colo dos senhores
Cantando um hino angélico
Oferecendo a Deus louvores.
Viram que o céu se abriu
Quando ele entrou
A princesa de saudade
Muitas lágrimas derramou
A saudade do papagaio
Nunca mais se acabou.
Graciana aos 16 anos leu um livro sem capa. Declarou hoje desconhece o autor, mas sempre se inspirou nestas histórias para valer seu olhar simplório para Jesus Cristo, o Deus de toda glória. Ensinou sempre aos mais jovens. Que embora gostem muito de as ouvir, nunca as aprenderam.
Graciana hoje com 79 anos de idade tem uma memória invejável, guarda na cabeça centenas de versos, orações e contos. Indiscutivelmente encantadora.
Essa história é aclamada
Por Graciana a contar
Mas quem da vida à história
É ela ao declamar
A pureza e o encanto
De tão singular figura
Encanta e impressiona
À mais bruta criatura.
Oito décadas de vida
E uma história sem igual
É um encanto com seus olhos
Pessoa fenomenal
Tia de João Damasceno
E avó de sua Cristina
É bisavó de Stela
Aquela doce menina.
Quanto encanto em Montes Claros
Quanta gente quanta história
Quantos sonhos aqui nasceram
Voaram buscando a glória
Quantos séculos desde a origem
Quanto tempo se passou
Foram quase quatro séculos
Desde seu desbravador.
O lento passo do tempo
Que ninguém pode alterar
É testemunha de tudo
Que aqui me ponho a contar
Desde Antonio e Ambilina
Até a presente data
Caminhando nessa história
Que cativa e arrebata.
No folclore desse povo
De uma vasta região
Água Fria, Alto Paraíso
E também em São João
São comuns as mesmas lendas
Cheias de fascinação
Personagens encantados
Feitiços e devoção.
Minha mãe ainda conta
Meus avós também contavam
Eventos misteriosos
Que muito impressionavam
Espectros sobrenaturais
Que fazendo traquinadas
Assustavam os moradores
Que não podiam fazer nada.
Segundo a tradição
Não eram eles fantasmas
Mas índios aqui nativos
Que com feitiços se encantavam
Tornavam-se invisíveis
Quando bem lhes aprouviam
Fantásticos e muito ágeis
Mais que um corcel corriam.
Antes da monocultura
Com seu império arruinante
As roças eram de toco
O equilíbrio constante
Cansativo era o cultivo
O fruto era abundante
Não se perdiam em depósitos
De um mercado oscilante.
Plantavam para se comer
E viver dignamente
Não como avaros mercenários
Num comércio indecente
Era uma era simples
De fartura e de labor
De alegria e pranto
Felicidade e dor.
Os índios eram chamados
Compadres pelos fazendeiros
Embora muito traquinos
Não eram muito encrenqueiros
Pois não buscavam a briga
Queriam se divertir
Assustando aquela gente
Que residia ali.
Das práticas desses espectros
Algumas vou destacar
Enchiam as estradas de árvores
Dificultando o passar
Nas trilhas em meio ao mato
Com o capim faziam laçadas
Que serviam de tropeço
Pra aqueles que as usavam.
Nos ranchos em meio à roça
Na hora de laborar
Alguém ficava cuidado
Pros índios não aprontar
Pois eles apagavam o fogo
Enchiam de cinzas as panelas
Faziam grande algazarra
Mas não causavam mazelas.
Nos pastos e nos currais
Os animais padeciam
Orelhas, crinas e rabos
Em tudo eles mexiam
Cortavam e amarravam
Depois soltavam distante
Deixando os donos dos bichos
A campear como errantes.
Gostavam de ser cortejados
E de receber presentes
Gostavam de leite e queijo
De fumo e de aguardente
Quem assim os tratava
Tornavam-se seus parentes
Recebiam seus agrados
E as artes eram ausentes.
Se enamoravam das moças
E as vezes as raptavam
Existe algumas estórias
De moças que não voltaram
Do mesmo modo que existe
Contos dizendo o contrário
De índias que eram raptadas
Já com um destinatário.
Entre muitas que existem
Há um caso nesta família
Que capturou uma índia
Com tamanha valentia
Usando de cão caçador
E muita determinação
Conseguiu pegar a índia
Que mordia como um cão.
Levou-se muitos anos
Pra conseguir amansa-la
Era ainda uma criança
Quando foi capturada
Com média de doze anos
Como bicho foi criada
Quando se tornou mulher
Já estava adaptada.
Os índios muito tentaram
A indiazinha resgatar
Não obtendo sucesso
Resolveram se vingar
Raptaram duas meninas
Dos moradores do lugar
Foi grande então a tristeza
O povo pôs-se a lamentar.
Episódios como esse
Por aqui são naturais
Diferem em alguns pontos
Mas na essência são iguais
Narram essa convivência
Entre os índios e o povo
Figuras que estão presentes
Na mente do velho e do novo.
Se são crendices ou fatos
É difícil se saber
Tem gente aqui que afirma
Que é verdade pra se crer
Afirmam serem descendentes
De índias capturadas
A avó de minha mãe
É uma destas citadas.
Entre os contos mais comuns
Estão a mula sem cabeça
E também o lobisomem
Monstros que aqui são homens
A mula sem cabeça
É um monstro que espanta
Ela sempre aparece
Durante a semana santa.
Ela é uma mula preta
Sem cabeça no pescoço
Onde era pra ter cabeça
Tem uma tocha de fogo
São as mulheres que em vida
Com os padres se enamoraram
Quando morrem não descansam
Mula sem cabeça se tornam.
O lobisomem aqui
É fruto de encantamento
É só aprender a oração
Pra se meter no tormento
Depois de achar um ninho de égua
Onde a pouco ela estava
Se espojar naquele ninho
E orar com fé declarada.
Mas tem que ser sexta-feira
Em noite de lua cheia
Pra cumprir o ritual
Tem que ter sangue nas veias
Porque é à meia-noite
Que a coisa se desencadeia
Corte os pulsos e beba o sangue
Completando a coisa feia.
É assim que qualquer homem
Pode virar lobisomem
Mas pra se manter vivo
Tem de matar sua fome
Sangue humano bem quente
Pra poder se saciar
Por isso o lobisomem
Necessita de matar.
Pois se ele deixar vivo
A presa que ele pegou
Este vira lobisomem
Pra matar seu criador
Pra matar um lobisomem
Lobisomem tem que ser
Ou então punhal benzido
Isso se o cabra crer.
Mas se saíres por aí
E um lobisomem encontrar
Enfie um punhal virgem
No seio do seu olhar
Isso não o matará
Mas muito o fará sofrer
Pois com esse simples golpe
Homem ele volta a ser.
Há também outros encantos
Bem comuns na região
São tesouros encantados
Guardados por assombração
Mané Veio do João Paulo
Filho de nosso Heitor
Antes que viesse à morte
Um tesouro encantou.
No João Paulo referido
Então sede de Mané
Ele fez esse encanto
Que eu conto como é
Ajuntou um grande tacho
Feito de ouro batido
Todo ouro, prata e bronze
Que trazia escondido.
Moedas e medalhões
Colares também anéis
Jogou tudo dentro do tacho
Mais de dez milhões de reis
Fortuna mui grandiosa
Que ele havia ajuntado
Trabalhando em sua terra
Que do pai tinha herdado.
Cavou na beira da cerca
Ao lado de um murundu
Enterrou sua fortuna
E encima plantou bambu
Passou o tempo e Mané
Ficou velho e faleceu
Quis guardar sua fortuna
Veja o que aconteceu.
Reza a crendice do povo
Que o dinheiro é amaldiçoado
E quem enterra dinheiro
Nele fica aprisionado
Não encontrando descanso
Nem aqui nem do outro lado
Vira uma assombração
Vivendo atormentado.
Pra se livrar do encanto
Só existe uma saída
É achar um homem valente
Que tenha a fé exigida
Pra encarar a assombração
E quebrar-lhe o encanto
Mas tem que ser corajoso
Pra não fugir de espanto.
Pois a assombração aparece
Nas mais distintas figuras
Que vêm sempre violentas
Sobre a tal criatura
Se ele lhes resistir
E for vencido por temor
Esse se torna herdeiro
Daquele que desencantou.
Mas se ele fugir com medo
Nada então herdará
E a pobre alma penada
Ainda mais vai esperar
Mané Véio enterrou
O tesouro que herdou
Por isso no seu tesouro
Aprisionado ficou.
Quem passa só no João Paulo
Em frente ao bambuzal
Vê a assombração do velho
Pedindo auxílio ao tal
Contudo se isso é verdade
Mané Véio é prisioneiro
Pois o bambu que plantou
É um gigantesco bambuzeiro.
Tem gente aqui que garante
Que lá já foi assombrado
Por figuras aterradoras
Correndo para o seu lado
Contudo faltou coragem
Pra esperar e herdar
Saíram apavorados
E não mais passou por lá.
São touros, lobos ferozes
Dragões, figuras pesadas
Quem vêm para assustar
Afim de ser libertada
Todos trazem a mensagem
Das almas aprisionadas
Que moram junto à fortuna
Que ali foi enterrada.
São estórias do folclore
Que alguns com segurança
Afirmam serem verdadeiras
Pra adultos e crianças
Só quem ouviu me entende
Só quem viveu acredita
Tudo isso é nossa gente
Essa geração bendita.
São João Batista aqui
É muito privilegiado
Patrono desta paróquia
É santo muito honrado
Quando chega o mês de junho
Já se tem a tradição
Tem quermesse tem novena
Em honra a São João.
Barracas em palha de coqueiro
Bandeiras, papel picado
Pipoca, quentão, canjica
Quadrilha e forró arrojado
Fogueiras, batata doce
Licores, milho assado
É assim que nossa gente
Festeja o santo adotado.
Quase todas as fazendas
Têm aí sua capela
Onde vivem sua fé
E ao seu Deus se revela
Os filhos de Rebendoleng
Mantêm-se fiéis à Jesus
Mesmo que alguns o traiam
Negando a sua cruz.
Em cada casa e família
Fagulha do polonês
Existe um homem de fé
Pra cumprir o pacto que ele fez
De honrar a Deus do céu
Pai de Jesus Salvador
Por isso em cada família
Tem ele um embaixador.
Que aos poucos vai se abrindo
Deixando o Cristo crescer
Tornando-se sal e luz
Para que todos possam crer
Católicos na maioria
Em minoria protestante
Há também os desgarrados
Que não se fazem orantes.
Vivem de outros credos
Que lhes são convenientes
Mas trazem em si a sede de Deus
Mesmo sendo negligentes
O Deus do céu tem poder
Ele vai nos ajudar
Um dia toda essa gente
Pra Jesus irá voltar.
Herdado dos primitivos
Antigos donos do chão
Os índios que aqui moravam
Antes da colonização
Costumes supersticiosos
Palavras, ritos pagãos
Mesclaram-se à fé
Dos filhos dessa nação.
Porém a religião
Está viva e segue bem
É fator determinante
Que toda a estirpe tem
Ainda que vacilantes
São tementes e de oração
Esperam em Jesus Cristo
Com amor e devoção.
Em louvor aos nossos santos
Exemplos que nos seduz
A viver a fé em Deus
E ser fiel a Jesus
Por todas as comunidades
Nos mais distintos dias
Têm rezas, festas e banquetes
Folias, muita alegria.
Uns devotam-se a Maria
Senhora da Conceição
Outros a Aparecida
Lourenço e Sebastião
Nossa Senhora do Livramento
De Fátima, de Abadia
Do Desterro e Rosa Mística
Santa Rita e Santa Luzia.
São José, pai de Jesus
Antonio e o Espírito Santo
São Francisco de Assis
Também tem aqui um canto
São Pedro e Paulo apóstolo
Agostinho e André
São santos aqui honrados
Exemplos de amor e fé.
O povo muito singelo
Traz a fé no coração
Sofrem as dores do dia-a-dia
Agarrados à religião
Têm nos santos intercessores
Um apoio na provação
Por isso eles são honrados
Com tanta admiração.
Com o lento passar do tempo
O mundo se transformou
Mudaram-se os pensamentos
Mudaram até o amor
Só deus ainda é o mesmo
Não se pode contestar
Por ser o grão criador
Ninguém o pode mudar.
Mudou o sonho do homem
Mudou o seu sentimento
Mudou o seu vestuário
Mudaram seus alimentos
Mudou seu coração
Mudou seu jeito de ver
Mudaram a religião
Mudou o jeito de crer.
O bonito ficou feio
O feio tornou-se belo
O sol hoje é cor de sangue
Já não é mais amarelo
Rompeu-se o limite humano
Com o deificar do homem
Mataram a tiro a amizade
E a verdade de fome.
O objeto virou gente
Gente virou objeto
Banalizaram o sexo
Extinguiram o afeto
Destruíram o carinho
E a sensibilidade
E moldaram a bel prazer
Nova sexualidade.
Sujaram o conhecimento
Insultaram a sabedoria
Exaltaram a insensatez
Com amor e idolatria
Pegaram todos os sábios
Passaram ao fio da espada
Sentaram no trono um tolo
A confusão foi armada.
Só se pode resistir
Que não temer o martírio
Ser fiel ao criador
E a Cristo seu único filho
Nem mesmo a natureza
Recebeu a anistia
A coitada e estuprada
Com total selvageria.
Mas Deus ainda é Deus
E espera com paciência
Dá tempo a seus vis herdeiros
Agindo com sapiência
Contudo o tempo é curto
A noite alta está
Temos que estar preparados
Pra hora que o sol raiar.
No mundo em que vivemos
Quem crê é discriminado
Quem espera em Jesus Cristo
De idiota é tachado
Não há espaço para a fé
Se ela é verdadeira
Mas se for de conveniência
A aclamam de primeira.
Mas nós que cremos em Cristo
Por vontade do Senhor
Não seremos confundidos
Viveremos no amor
Ainda que vacilantes
Entre tristeza e dor
Jamais estaremos só
É promessa do Senhor.
O amor que era a expressão
Do belo e também do bom
Sinônimos de Deus do céu
Agora mudou de tom
A qualquer futilidade
Desgraçantes porcarias
Dão o nome de amor
Com tamanha covardia.
Não conhecem o amor
Não sabem que ele é Deus
Por isso sempre é perene
Não muda como ao seus
Ele é sempre o mesmo
Genuíno em todas as expressões
Não é como são os homens
Doutores em confusões.
Termino aqui meu relato
Que não termina aqui
Como a vida segue o curso
Também ele vai seguir
Porém caberá a outro
Continuar a narração
Pra não deixar se perder
Nossa peregrinação.
A noite vai indo alta
O dia já vai raiando
Sinto o tempo mudar
O novo se aproximando
O universo terreno
Está em reorganização
Há conflitos efervescentes
Em cada palmo de chão.
O cheiro do novo dia
Exala por toda a Terra
A sede de um novo tempo
A todos os homens encerra
A humanidade em dores
Espera o parto vindouro
Onde a paz e a amizade
Sejam os mais nobres tesouros.
As trevas se empalidece
Diante da luz da vida
Que renasce em cada homem
Após ser tão agredida
Quem espera sempre sofre
Sempre sofre mas alcança
Quem viver verá feliz
Um tempo de bonança.
O amor que é ressureto
Agora faz ressurgir
No coração dos seus filhos
A sede de ser feliz
Os homens sentem saudade
Do tempo em que eram humanos
Mortais tementes e crentes
Em um Senhor soberano.
Já vejo o renascimento
Da fé da religião
Vejo o homem aprendendo
O valor que tem o perdão
Vejo o jovem a sonhar
Com o amor verdadeiro
E lutar pra ser bem mais
Que um objeto passageiro.
Vejo o ter perdendo força
Vejo o ser a reagir
Vejo nova ordem mundial
Lentamente emergir
Não me engano sei é lento
O processo é demorado
Sei que o joio é imponente
E não será arrancado.
Mas sei que joio e trigo
Podem juntos conviver
Porém o trigo não pode
Em joio se converter
Por isso vejo o que vejo
A ressurreição do ser
Que a tanto fora morto
Pelo domínio do ter.
Ouço um canto a ecoar
Em meio à sonora poluição
Que tornou o homem surdo
E cegou seu coração
São ainda em minoria
E assim sempre serão
Mas farão grandes mudanças
Cantando a mesma canção.
Canção que fala de vida
De amor e ressurreição
Canção que fala a verdade
Sem ódio nem pretensão
Canção que leva a amar
Sem nunca fazer distinção
De raça, credo ou cor
Costumes ou posição.
É esse o cântico novo
Da nova população
Que vem proclamar ao mundo
O tempo da redenção
Quem tiver ouvidos, ouça
Com carinho e atenção
A fé entra pelo ouvido
E habita no coração.
Já é tempo de amar
No rosto por um sorriso
Baixar as armas de guerra
Abrir-se a fazer amigos
Juntar-se aos novos homens
Na construção do novo mundo
Ainda que seja um sonho
E dure só um segundo.
Pois um segundo é o bastante
Pra quem crê na eternidade
Pois por ser ela o que é
É um segundo na verdade
Desejo a ti meu leitor
Amigo e meu irmão
Uma leitura feliz
E uma feliz redenção.
Deixo a estória em aberto
Pra se dar continuação
Pois pra glória de Jesus
De Rebendoleng satisfação
Daremos ao mundo o brilho
Ao homem nova direção
E como Deus não tem fim
Não terá fim essa geração.
Há de se imortalizar
Nas mãos do Senhor Jesus
Esta estirpe abençoada
A quem Ele ama e conduz
Ao velho Rebendoleng
Haveremos de nos juntar
E a glória de Jesus Cristo
Pra sempre iremos cantar.
Quer no céu ou quer na Terra
Deus sabe e o fará
Já disse e agora repito
Quem viver então verá
Saúde à humanidade
Pois somos todos irmãos
Entremos no novo dia
Cantando a mesma canção...
Apresentação
Não quero aqui lavrar a história como o dono da verdade. O intuito dessa obra é centralizar e explicitar ao leitor, a beleza, o encanto, a mística, a poética, os medos, os sonhos, os credos, as crendices e lendas de um povo simples e humilde, com sua vida fantasiosa e sofrida. Povo que é o resultado da miscigenação entre poloneses e mineiros do século dezoito.
No período pré-bandeirantes no Planalto Central, um grupo de desbravadores invadiu o nordeste de Goiás, se instalando nestas terras, Aí, se firmaram e construíram uma história.
Queremos de maneira despretensiosa, com a finalidade única de registrar a cultura local e edificar a árvore genealógica de uma família que descende de um dos mais antigos personagens da região, o desbravador polonês, Antonio Rebendoleng Szervinsk. O que é história se mistura com as lendas. E a insuficiência de subsídios, torna o apurar dos fatos uma utopia e o historiar científico, um desafio impossível.
Contudo o nosso intuito é de modo simples e laico tornar imortal, ou pelo menos prolongar a memória desse povo, de modo que a voraz mão do tempo não dê fim a todos esses séculos de sonhos e história, como tem feito até agora.
A cultura de um povo é: sua face, sua memória, sua raiz e sua força.
Joaquim Teles de Faria
Introdução
Tudo que aqui contém, é fruto de pesquisas baseadas em conversas com os cidadãos mais velhos que descendem de Antonio Rebendoleng Szervinsk e sua esposa Ambilina, adicionado ao meu fiel desejo de recriar a história de um povo, que é nada mais que minha família.
Usando o sistema de rimas, que é próprio na região, rica em cantadores de modas, cantorias e catiras, narro em forma de versos, a vida de um povo que é uma verdadeira poesia. Adiciono à história familiar ingredientes regionais que enriquece o texto, conferindo-lhe um hilário caráter folclórico.
Desfrutem bem o texto, e tenho certeza que irão se encontrar nessa história, onde o real e o fictício não se fazem distintos.
Meu conto em forma de canto
É canto em forma de conto.
Que vem contar como eu conto
O conto que me ensinaram.
Não canto porque não canto
Não por não querer cantar
Mas pra vocês vou contar
O fato que me contaram.
Nas terras do velho mundo
Num mundo sempre a mudar
As guerras e os pensamentos
O mundo a dominar
Guerreando em pensamentos
Sem a espada empunhar
Ou empunhando a espada
Sem parar para pensar.
O romanismo acabou
Deixando o mundo em caos
O seu império passou
Não sei se foi bem ou mal
Os poderosos da Terra
Cada qual com seu sinal
Buscaram construir seu reino
Com barbarismo total.
Para obter prestígio
E se apossarem da Terra
Lançaram-se na guerrilha
Lutando como as feras
Os gigantescos reinados
Não tinham hegemonia
E a guerra era constante
Por causa da tirania.
Os Avaros Reis da Terra
Querendo sempre ter mais
Fizeram do mundo um covil
De violentos chacais
Fera engolindo fera
Era o retrato de então
Parecia não ter fim
Tamanha desolação.
Até a religião
Que é fator tão inerente
Lançou-se em consternação
Numa contenda indecente
Era credo contra credo
Era crente contra crente
Ganharam assim combustível
Os choques já existentes.
Os senhores pensadores
Com suas filosofias
Declararam-se contrários
À régia teologia
Então as religiões
Caíram em contradição
Apregoavam o amor
Mas massacravam o irmão.
Até o catolicismo
Religião dos cristãos
Atropelaram o Cristo
Em nome da dissensão
Partindo pra ignorância
Foi grande a desolação
Irredutíveis pra sempre
Fixaram a divisão.
Dos existentes conflitos
Conflitos novos surgiam
Pensamentos e doutrinas
Em número e gênero cresciam
E as massas já existentes
Quanto mais se conciliavam
Expressavam-se e se explicavam
Tanto menos se entendiam.
Ásia, África e Europa
Oriente e Ocidente
Nações pouco populosas
Mas bastante divergentes
Farinha de um mesmo saco
Que agora se estranhavam
Comiam no mesmo prato
Depois se digladiavam.
Assim foi por muito tempo
Passou-se séculos demais
E as soluções que surgiam
Não se faziam eficazes
Mas existiam exceções
De algumas poucas famílias
Que pereciam em tortura
Porém não se corrompiam.
Do seio dessas famílias
Em tempo de desesperança
Onde estavam em conflito
A Inglaterra e a França
Entrou na guerra a Polônia
Por causa de uma aliança
E os varonis poloneses
Se acharam em desventurança.
O sangue humano na terra
Corria em grandes torrentes
Fruto robusto dos atos
Dos homens inconseqüentes
Com causas pra lá de fúteis
Avaros e egoístas
Matavam a humanidade
Pra alcançar a conquista.
Foi no século dezoito
A data exata eu não sei
Um valoroso guerreiro
Desobedeceu a seu rei
Não aprovando a guerra
E o massacre do seu povo
Esse jovem polonês
Tomou o caminho novo.
Dissidente destemido
Reuniu os seus soldados
Explicando seu propósito
Conquistando aliados
Mas se achou em apuros
Com seu rei revoltado
Que queria seu escalpo
Por ter sido ignorado.
Os tementes aliados
Preferindo obedecer
Desistiram da dissensão
Com medo de perecer
Ficou o jovem guerreiro
Sem terra pra se apoiar
Se não morresse na guerra
O rei iria matar.
O guerreiro dissidente
Pra não cair em perdição
Sendo ele muito crente
Recorreu à religião
Orou com fé e esperança
Pedindo ao seu defensor
Que lhe mostrasse um destino
E o levasse com amor.
Se recusara a matar
E agora a morte o queria
Só lhe restava fugir
Quer de noite ou de dia
Mas ao Deus que ele orou
Sua oração chegou
E pra esse peregrino
Jesus Cristo então olhou.
Estando o jovem guerreiro
Perambulando sozinho
Encontrou-se com um velho
Que há tempos foi seu vizinho
Era um velho marinheiro
Desbravador destemido
Que sairia em viagem
À rumos desconhecidos.
Beberam numa taberna
E o jovem foi convidado
Pra se fazer desbravante
Com o velho entusiasmado
Ele tentou exitar
Porém tudo conspirou
Sem tempo para pensar
Com o velho ao mar se lançou.
Nem bem haviam partido
O velho e seu novo amigo
Chegou à taberna o exército
Que o jovem havia seguido
Escapou por um milagre
O destemido varão
Não despediu de seus pais
Nem lhes pediu suas bênçãos.
Naquele velho navio
Achou acomodação
Rezou e deitou-se exausto
Sentindo o seu coração
Pensou na família
Os seus pais e seus irmãos
Temeu e chorou sozinho
Em meio à tripulação.
Muitos meses de passaram
E o navio a singrar
Fortes ventos o levava
A deslizar sobre o mar
Quanta água e silêncio
Naquele mar infinito
O céu em azul profundo
No mar era mais bonito.
Aquele jovem singrando
Aprendia sobre o mar
Esperava a terra firme
Com a ânsia de chegar
Não sabendo que o destino
O queria experimentar
Preparava-lhe um tropeço
Que iria lhe provar.
Noite alta em pleno mar
Céu azul-negro estrelado
Numa cadeira singela
O jovem ia sentado
Contemplando a visão
Que num instante mudou
Tempestade violenta
Sobre o mar se formou.
O mar sereno de outrora
Converteu-se em confusão
Ondas fortes e violentas
Rugiam como leão
Sacudindo o velho barco
Aquele vento apressado
Causava grande transtorno
Deixando o jovem assustado.
O velho lobo no leme
Com o velho barco dançava
Sentindo os braços do vento
Em tom profundo gritava
Avante homens lutemos
Que o mar está furioso
Tantas vezes o vencemos
O venceremos de novo.
Uma rajada de vento
Um raio e um trovão
O mastro partiu-se ao meio
Quando veio o clarão
Descendo com violência
Fez no convés uma fissura
Três horas de tempestade
Três horas de amargura.
A tempestade passou
O mar foi se acalmando
Nisso o sol radiante
Já ia se levantando
A aurora o anunciava
Com seu tom avermelhado
E o velho barco estava
Totalmente arruinado.
Quando o sol iluminou
Toda extensão do mar
Se fez visível a ruína
Que era de impressionar
O velho estava no leme
E os dois estavam no chão
O velho havia morrido
Com o leme em suas mãos
O barco muito quebrado
Não dava pra ser consertado
Sem velas não se movia
Os homens estavam ilhados
Tantos dias estagnados
Com a comida acabando
Esperavam um socorro
E o medo ia aumentando
Começaram a brigar
Por água e por comida
Em meio ao desespero
Muitos perderam a vida
Alguns queriam remar
Buscando retroceder
Alguns queriam esperar
O socorro aparecer.
O jovem quis opinar
Mas a briga foi armada
Brigavam a punho livre
E também com a espada
O jovem se aproveitou
Lutando pra não morrer
Lançou-se sozinho ao mar
Remando num escaler.
Levou consigo a água
A comida e uma espada
Se pôs a remar com afinco
Sem rumo para a jornada
Quinze dias de passaram
Acabou-se a provisão
Restou um barril de água
E a espada em suas mãos.
Mais quinze dias de mar
Tomando água apenas
Parecia a eternidade
Aquela simples quinzena
A água era regrada
Um dia sim o outro não
Era quase um suplício, essa tal situação.
Mas o Deus a quem recorrera
Aquele jovem soldado
Embora aparente ausência
Estava ali do seu lado
Veio lhe impondo à prova
Sem nunca o abandonar
Pois bem próximo a
Uma ilha ele veio naufragar.
Na ilha havia um navio
Que ali estava em missão
Buscando madeira boa
Pra fazer embarcação
Levado pela maré
Na praia fora deixado
Os homens desse navio acharam
O jovem soldado.
A filha do capitão
Que ao náufrago encontrou
Chamando os homens depressa
Para uma tenda o levou
Por sorte estava com vida
E dele ela então tratou
Três dias de muita febre
No quarto a febre passou.
Recobrando a consciência
O jovem nada entendeu
Achava que estava morto
Aquilo ali era o céu
Porém aquela donzela
Que logo lhe apareceu
Com triunfante sorriso
Narrou-lhe o que aconteceu.
Embora muito abatido
Pelos maus tratos do mar
O jovem cheio de vida
Logo quis ajudar
Por ordens do capitão
A pedido da menina
Teve ele que aceitar
Os serviços da cantina.
Quando a obra se cumpriu
Foi falar-lhe o capitão
Deixou-lhe a par das coisas
E deu-lhe uma direção
O navio estava indo
Para Europa Central
Era a chance perfeita
De voltar ao chão natal.
Porém aquele soldado
Não desejava voltar
Queria o novo mundo
Do qual ouvira falar
Por sorte aquele navio
Estava vindo de lá
América é seu nome
Disse o velho a gargalhar.
Lançando mão de um escaler
E de muita provisão
Se dirigiu ao rapaz
O generoso capitão
Falou com entusiasmo
Lhe indicando a direção
Disse é um longo percurso
Haja determinação.
O jovem com um sorriso
Agradeceu a cortesia
Lançou-se no mar
Alegre e com tamanha euforia
Sonhando com o novo mundo
Partiu remando sozinho
Menosprezando os perigos
Que houvesse pelo caminho.
Após semanas de remos
E de cansaço sem fim
Ao longe viu uma praia
O paraíso enfim
Com renovado vigor
Pôs-se o jovem a remar
E antes do sol se por
A praia veio alcançar.
Estendeu-se sobre a areia
Sentindo-se vitorioso
Havia enfim alcançado
O almejado mundo novo
Sentiu a vida fluir
Viveu a ressurreição
Lembrando do seu Senhor
Ali se pôs em oração.
Andando em meio à relva
Daquele solo estrangeiro
Comia fruto silvestre e
Andava o dia inteiro
Perdido andava a esmo
No meio daquela mata
Achou então uma trilha
Que a atenção lhe arrebata.
Seguia aquela trilha
Com redobrada atenção
Buscando rastros e marcas
Pra lhe servir de direção
Andando o dia todo
Desembarcou num areal
Se alegrou de espanto
Achara um arraial.
Sentou-se de fronte às casas
Debaixo de um pequizeiro
Mas fora surpreendido
Por um estranho guerreiro
Um jovem forte e robusto
Com o corpo todo pintado
Com uma lança nas mãos
Levou-o aprisionado.
Com gritos apavorantes
O jovem chama os demais
E num segundo o povoado
O olhava como chacais
Temendo e sem entender
Aquilo que estão falando
Tenta o jovem argumentar
Mas vão logo o agarrando.
Agora atado a um poste
No meio do povoado
Sente a morte a lhe abraçar
Lhe dando um beijo amargo
Aquele estranho povo
De linguajar complicado
Começa um estranha dança
Um ritual engraçado.
O jovem então entende
Que será sacrificado
Então recorre a Jesus
Com coração devotado
Diz ele em seu coração
Jesus meu bom Senhor
Já me livraste no mar
Escutai meu clamor.
Não me abandone agora
Nas mãos desses canibais
Que me atacam com fúria
Maior que a dos animais
Mandai-me o Vosso socorro
Livrai-me dessa maldade
Que eu te honrarei meu Deus
Por toda a eternidade.
Serei um homem de paz
Um homem de oração
E a minha descendência
Vos dará dedicação
Seremos pra Vossa Glória
E pra Vossa adoração
Mostrai-me Vosso poder
Dai-me Vossa salvação.
No meio da grande roda
De olhos fechados estava
Orando a Jesus Cristo
Contrito se encontrava
Mas de repente um silêncio
Se fez naquele momento
Pensou no grande martírio
Temeu aquele tormento.
Pensou por alguns instantes
Recobrando a valentia
Se tinha mesmo que morrer
Com honra então morreria
Abriu os olhos e sorriu
Não contendo a alegria
Viu ali uma figura
Que há muito tempo não via.
Era um padre Jesuíta
Que ali se encontrava
Então o jovem gritou
Como há muito não gritava
Me socorre reverendo
Salvai este pobre irmão
Sou um náufrago polonês
Sou temente, sou cristão.
Fazendo sinal pros homens
Como pedindo permissão
Aproximou-se o padre
E falou em alemão
Que fazes aqui meu jovem
Sabes que será comido?
Disse o jovem me liberte
E pra sempre será servido!
Sorriu o grisalho padre
E saiu sem dizer nada
O jovem sem entender
Sentiu perder a parada
Passou lenta a longa hora
E o padre então retornou
Um homem muito enfeitado
Ao padre acompanhou.
Chegou junto ao prisioneiro
Sorriu e o libertou
Lhe devolveram a espada
E o padre o carregou
Junto ao um imenso Ipê
O jovem se alimentou
Montou num belo corcel
Que o padre lhe indicou.
Partiram em grande silêncio
E em silêncio chegaram
Dormiram o resto da noite
E cedo se levantaram
Então perguntou o padre
De onde vens, qual teu nome?
O jovem sorriu e disse
Sou o mais grato dos homens!
Meu nome é Antonio
Sou europeu da Polônia
Venho buscando a vida
Pra não morrer na vergonha
Foi em solo polonês
Que nasci e me criei
Ando levado por Cristo
Onde parar eu não sei.
Vim fugindo de meu rei
Que me queria matar
Porque eu me recusei
Sangue inocente derramar
De mocinho a vilão
Foi fácil me transformar
Bastou aos seus exageros
Uma só vez contestar.
Assim a passo miúdo
Contou todo o ocorrido
Mostrando por quantas vezes
Jesus lhe tinha valido
Se dispôs servir ao padre
Por ele lhe ter salvado
Disse que foi Jesus Cristo
Que o tinha enviado.
O padre lhe disse filho
Jesus é nosso Senhor
E Ele se faz presente
Onde existe o amor
Socorreu-te porque crês
E a ele recorreu
Bendito e Louvado seja
O santo nome de Deus.
Eu também sou polonês
Mas sou padre alemão
Fui enviado por Roma
Pra cumprir uma missão
Mas também fui perseguido
Pelos meus próprios irmãos
Então tomei um navio
E vim pra essa Nação.
Isso é um continente
Muito rico e muito grande
E está sendo saqueado
Tomado de seus habitantes
Aqueles índios nativos
Que a ti aprisionaram
Foi por confiar em mim
Que eles te libertaram
Prometi-lhes aguardente
E uma bela viola
Comida e arma de fogo
E um pouco de roupa nova
Mas não poderei cumprir
Pois nada disso eu tenho
Por isso vamos embora
Que esse povo é ferrenho.
Se quando aqui chegarem
Nos pegarem desprovidos
Nos matam sem piedade
Por causa de eu ter mentido
Mas não havia outro meio
Pra salvar a tua vida
Que Jesus me dê o perdão
Por obra tão atrevida.
Saíram do acampamento
E fugiram pra cidade
Foram se refugiar
No meio da caboclagem
Era o porto baiano onde
Os navios chegavam
Por isso ali os nativos
Muito pouco circulavam.
De modo que já seguros
Se puseram a trabalhar
O jovem ia aprendendo
Vendo o padre a ensinar
Catequese aos nativos
Muitas missas pra rezar
E aquele valente jovem
Servia sem reclamar.
Foi quando um grande navio
Lá de Portugal chegou
Trazendo provisões e
Escravos para o labor
Foi aí que dos nativos
Padre Justo se lembrou
Conseguiu o que prometera
E à aldeia retornou.
Mesmo arriscando a vida
No meio da indiaiada
Entregou o que prometera
Em quantia redobrada
Se desculpou com o cacique
Explicando a situação
Ele cheio de aguardente
Concedeu-lhe o perdão.
Pernoitaram na aldeia
E o padre ensinava
Os índios a tocar viola
E a todos impressionava
Alguns dos índios da aldeia
Muito bem se destacaram
E professor de viola
Aqueles dois tornaram.
Todo mês eles passavam
Uma semana na aldeia
Ensinando aos nativos
Que preciso que se creia
Em um Deus uno e presente
Na vida de cada homem
É Ele quem nos dá o pão
E mata toda a fome.
Ensinavam e aprendiam
Daquela nobre cultura
Que do seu jeito nativo
Era cheia de fulguras
Índios sapienciais
Tementes embora ingênuos
Via o padre a se cumprir
O evangelho aos pequenos.
Voltando da Aldeia um dia
O velho padre caiu
O cavalo se espantou
E num pulo o sacudiu
Veio ao chão sobre o pescoço
Que na hora se quebrou
Chorando seu jovem amigo
Ali mesmo o sepultou.
Agora desconsolado
Sozinho sem seu senhor
Sentiu-se desobrigado
Daquilo que lhe jurou
Apanhou o que o padre tinha
E tudo o que dele ganhou
Jogou em cima da sela
E para seu destino marchou
Andou por dias sem fim
Desbravando esse Brasil
Chegando em Minas Gerais
Mostrou-se mui varonil
Conseguiu algum dinheiro
Trabalhando de mineiro
Mas logo seguiu viagem
Pelos sertões brasileiros.
Chegou até Pinhuí
Um povoado mineiro
Lá conheceu uma moça
De um povo hospitaleiro
Que o acolheu alegres
Mesmo sendo um estrangeiro
Deram-lhe cama e comida
E não aceitaram dinheiro.
Um povo muito devoto
Um povo muito cristão
Viviam a caridade
E o amor ao irmão
De origem polonesa
Mantinham a tradição
Achou um pedaço de casa
Nesse pedaço de chão.
Martinho era o nome
Do então anfitrião
Desbravador destemido
Dominava a região
Se afeiçoou a Antonio
Tomando-lhe simpatia
Contou-lhe sobre seus planos
Os sonhos que ele trazia.
Antonio também contou-lhe
Tudo que lhe ocorreu
De como aqui chegou e
Do padre que morreu
Queria aquele jovem
Firmar-se em algum lugar
Contrair uma família
Ter filhos para carinhar.
Em vista de nada ter
Queria então trabalhar
Pra construir seu sonho
Razão do seu respirar
Martinho criava gado
E cultivava a terra
Acolheu então Antonio
Que só sabia das guerras.
Cinco anos se passaram
Desde que ali chegou
Aprendeu cuidar da terra
Tornando-se agricultor
Aprendeu cuidar do gado
Mostrando ser bom pastor
Pela filha de Martinho
Antonio se apaixonou.
Um dia então decidiu
De Ambilina pedir a mão
Falou então com Martinho
Que mostrou satisfação
Na capela de Pinhuí
Foi bela a celebração
Ficou noivo de Ambilina
A dona do seu coração.
Porém para desposá-la
Queria ter terra sua
Por isso se empreendeu
Numa grande aventura
Se uniu a outros homens
De destemor sem igual
Saiu desbravando as terras
Rumo ao Planalto Central.
Percorreram muitas
Terras em todas as direções
Eram terras devolutas
Gigantescas extensões
Cada um se apossava
Daquilo que lhe aprovia
Firmavam suas fronteiras
E ali se estabeleciam.
Antonio se aproximando
Daquela elevação
Encontrou terras fecundas
E rica vegetação
Firmou ali os seus sonhos
Saiu fazendo picadas
Demarcou a sua posse
E seguiu sua jornada.
Ajudou seus companheiros
A firmar-se onde queriam
Depois retornou à Minas
De onde a tempos saíram
Contou então empolgado
As descobertas que fez
As terás que conquistaram
Pra onde iria de vez.
Martinho muito contente
Marcou o casório então
Logo após o casamento
Se deu a deslocação
Antonio partiu com esposa
Acompanhado do sogro
Que queria conhecer
Esse território novo.
Doou para o nobre genro
Gado, porco e galinha
Cachorro bom e caçador
Um pouco do que ele tinha
Chegando naqueles montes
Todos muito encantantes
Contemplou o raiar do dia
Uma cena radiante.
Chamou-a de fazendinha
Pela beleza do dia
Conheceu a região
Com seu genro e sua filha
Era grande a extensão
Das terras que eles teriam
Pra conhecer toda ela
Levariam muitos dias.
Então deixou o propósito
De numa outra ocasião
Voltar com sua família
Sua esposa e seus irmãos
Passar ali alguns dias
Conhecendo a região
Que paisagens naturais
Tinham em ostentação.
Aquele jovem casal
Com uns poucos empregados
Se lançaram no trabalho
Plantando e criando gado
Plantando ali seus sonhos
De verem prosperidade
Criaram grande família
Vivendo em simplicidade.
No primeiro ano ali
Veio o primeiro herdeiro
Um varão forte e bonito
Que seria fazendeiro
Orgulho do velho Antonio
Da mãe o filho amado
Pelo nome de Heitor
O bebê foi batizado.
Com espaço de um ano
Tiveram nova alegria
Aquilles filho mais moço
Com saúde ali nascia
Rebendoleng e Ambilina
Riam de satisfação
Pois a família agora
Recebe novo varão.
Do casamento de Antonio
Só dois filhos vieram à vida
Crescendo muito saudáveis
Jamais fugiam da lida
Foram educados na fé
De seu pai crente fiel
Que nunca esqueceu do pacto
Que fez com Jesus no céu.
Todo ano tinha festa
Em honra ao salvador
Também os santos da igreja
Ali ganhavam louvor
Oravam a Nossa Senhora
Também ao nosso Senhor
Ali não tinha desgraça
Pois Cristo os abençoou.
Do velho mundo Antonio
Guardava só a lembrança
A velha casa paterna
O seu sonho de criança
Quando lembrava de casa
As vezes até chorava
Mas seu amor Ambilina
Num abraço o consolava.
Da vida na Europa
Antonio muito contava
As suas muitas façanhas
A todos impressionava
Porém os seus resultados
Ninguém não imaginava
Viriam se tornar lendas
Por gerações recontadas.
Em versos bem metafóricos
Contava Antonio então
Os seus apuros no mar
A fuga de sua nação
Os naufrágios que sofrera
Na imensidão do mar
As intervenções de Deus
Que vinha pra lhe salvar.
Antonio Rebendoleng Szervinsk
Teve dois robustos filhos
O mais velho era Heitor
O mais moço era Aquiles
E foi desses dois varões
Homens fortes e capazes
Que uma multidão de gente
Povoou essas paragens.
Heitor tomando esposa
Quatro filhos recebeu
Três homens e uma menina
Presentes que Deus lhe deu
Antônio – (Totó), Manoel e José
Homens de bem
Católicos como os avós
Delfina era também.
Aquiles e sua esposa
Sete filhos viu nascer
Cresceram todos saudáveis
Sem nenhum vir a perecer
Pedro Alcides o primeiro
Delfino Joaquim e João
Paula Joana e Meloca
São estes os sete irmãos.
O velho Rebendoleng
Como era conhecido
Dividiu seu patrimônio
Com seus dois filhos queridos
O sonho do velho Antonio
O polonês desbravador
Enfim fora alcançado
Como tanto ele almejou.
Veio fugindo da morte
Aqui Deus o abençoou
Casou-se ainda jovem
Com Ambilina seu amor
Se apossou de muitas terras
Onde ele se firmou
Agora velho em idade
Se sente um vencedor.
Heitor com sua família
Herdou seu lado querido
João Paulo, Criminoso
Pontizinha e Alto Paraíso
Nomenclatura atual
Das paragens do passado
Onde o valente Heitor
Pra sempre fora instalado.
Os netos do velho Antonio
Filhos de seu filho Heitor
Cada um montou sua sede
Na parte que lhe tocou
Delfina com sua família
No Criminoso ficou
Família grande e saudável
Nesta terra ela criou.
Manoel chamou João Paulo
O pedaço que herdou
Constituiu família grande
E pro João Paulo se mudou
Nesse pedaço de chão
Vivera e fora enterrado
Hoje pertence aos herdeiros
Esse chão abençoado.
As terras que José herdou
Pontizinha ele a chamou
Lá montou a sua sede
Onde se enraizou
Nesse pedaço de chão
Sua história ele escreveu
E lá fora sepultado
Como foi desejo seu.
A antiga Veadeiros
Hoje Alto Paraíso
Fora herdada por Antonio
De Heitor caçula querido
Então Antonio Totó
Como era conhecido
Herdou com satisfação
O chão que lhe era querido.
Os filhos do velho Heitor
Formaram grandes famílias
Foram muito abençoados
Seus filhos e suas filhas
Viveram prosperidade
Em meio ao duro labor
Enfeitaram sua história
Com paixão e com amor.
Aquilles do lado oposto
Com seus sete herdeiros
Se instalou entre as Brancas
A Caristia e o Ribeiro
O velho Antonio que é
O mesmo Rebendoleng
Permaneceu na fazendinha
Com sua doce pequena.
Os descendentes de Aquilles
Que muita terra herdaram
Montaram as suas sedes
Onde então se instalaram
Joana e Pedro Alcides
No pedaço que herdaram
Fizeram as suas sedes
Montes Claros a chamaram.
Delfino que é o mesmo Deco
Se instalou na Carestia
Achou uma bela esposa
E ali constituiu família
Joaquim, João Paula e Meloca
Juntando os quatro herdeiros
Formaram uma mesma sede
E deram o nome de Rebeiro.
Por causa dos ribeirões
Que por ali existia
Rebeiro ainda é nome
Que lhe chamam hoje em dia
Do velho Rebendoleng
São estes os filhos primeiros
Mas veremos como rendeu
Os filhos desses herdeiros.
Em meio à Fazendinha
Nome que a sede ganhou
Bem acessível aos dois filhos
O velho Antonio ficou
Ali com sua Ambilina
Viveram por muitos anos
Nascendo netos e bisnetos
Viu seu povo aumentando.
Nas tardes de solidão
A família se reunia
Histórias mirabolantes
Muito atentos eles ouviam
O velho Rebendoleng
E sua esposa amada
Contavam a sua vida
Com emoção declarada.
Contavam seu grande amor
E as duras dores da vida
Falavam sobre o labor
E a luta sendo vencida
Pregavam a fé em Deus
Em Cristo o nosso Senhor
Choravam e se emocionavam
Com o tempo que passou.
Ensinavam à família
O catolicismo herdado
Pregavam um Cristo vivo
Que já haviam provado
Rezavam sempre em família
Faziam rezas e folias
Era sua devoção
Sinal de que eles criam.
Simplórios e muito místicos
Eram até supersticiosos
Mas sempre com fé em Cristo
Mostravam-se corajosos
Os padres que eram poucos
Naquela ocasião
Passavam de vez em quando
Quando saiam em missão.
Batizados e casamentos
Que eram de devoção
Quando o padre aparecia
Se fazia em mutirão
Sofriam a longa espera
Com o coração nas mãos
Mas não perdiam a fé
Que já era tradição.
Isso conta o velho Antonio
Com muita satisfação
Os seus olhos chega brilham
De saudade e emoção
Ambilina ali do lado
Tomando café quentinho
Confirma suas histórias
E acrescenta um pouquinho.
Fala de sua família
Do encontro com seu amor
Daquilo que ela sentiu
Do dia que se casou
Antonio sorri feliz
Com seus netos a derredor
Agradece ao seu Deus
Por nunca mais ficar só.
Os causos vão noite adentro
Brincadeiras vão surgindo
O que é o que é, Boca de forno
E a criançada sorrindo
É convívio de família
É uma família feliz
O velho Rebendoleng
Conseguiu o que tanto quis.
Vencidas pelo cansaço
Dominadas pelo sono
Pouco a pouco a criançada
Deixa o avô no abandono
Muito lento se levanta
Pro seu leito vai contente
Encontrar com Ambilina
Que sempre foi tão presente.
Conversam, pensam na vida
Relembram do seu passado
Nas vitórias e conquistas
Estiveram lado a lado
Se olham e se beijam
Faz silêncio prolongado
Depois os dois de envolvem
Num abraço apertado.
Das histórias que contavam
Algumas se eternizaram
Ganharam ingredientes
E um fascínio lendário
Registro algumas delas
Que ouvi com atenção
Enquanto Tia Marcela
Me contava com emoção.
Contando-me a valentia
De Antonio seu bisavô
De como empunhando a espada
O mar ele atravessou
Sozinho num escaler
Sem ter água e sem ter pão
Alcançou por um milagre
A nossa nobre nação.
De como Rebendoleng
Da perseguição fugia
De como encurralado
Sem fuga se viu um dia
Pra não morrer ali mesmo
Peripécia singular
Teve ele que fazer
Para a vida conservar
Só ele e a montaria
Pelos soldados cercados
A sacrificar o cavalo
Se viu ele obrigado
Matou o pobre animal
E seu ventre abriu
Enterrou suas entranhas
E em seu ventre se inseriu
Ajeitou o animal morto
Pra esconder a fissura
E escondido em seu ventre
Agüentou a desventura
Ouvindo seus inimigos
Rosnando bem do seu lado
Sentiu que ali a morte
O havia derrotado
Mas como sempre afirmava
Deus a ele foi fiel
Dispersou seus inimigos
Que rodeavam o corcel
Seguindo a esmo a busca
Deixou ali o procurado
Que no bucho do cavalo
Havia se entrincheirado
Agüentou esse tormento
Como outros que viriam
E por obra do Altíssimo
A todos sobreviveria
Pra trazer para o cerrado
Essas peripércias suas
Que enchem a alma de sonhos
Como ao sertão enche a lua
Pelágio também contou
Estórias aventureiras
Do velho desbravador
Em sua missão primeira
Lá no pico do estado
Onde hoje é Tocantins
Enfincada em uma palmeira
Abandonou a espada enfim.
Fez desse ato seu marco
Seu marco na região
Onde faria história
Com a sua geração
Hoje nos restam as lendas
Os contos pra imaginar
O que é fato ou crendice
Não se pode separar.
Contudo essas histórias
Que remontam um passado
Encanta e faz sonhar
Com tempos já enterrados
Descrevo a genealogia
De Antonio e Ambilina
Seus mais velhos descendentes
Com os seus sonhos e sinas.
José de Sales Monteiro
Morador da região
Casou e teve um filho
A quem chamou de João
João Damasceno Sales
Por causa da devoção
A São João Damasceno
Santo de predileção.
Damasceno Sales agora
Tornara-se sobrenome
E viria a ser herdado
Por uma multidão de homens
João gerou a Izabel
Também Damasceno Sales
Gerou também a José
Eustáquio e Leocádia.
Foi assim que lentamente
A rede fora trançada
Primo e primo se casando
Gerando a parentada
Pedro Alcides Szervinsk
Casou-se com Izabel
João Damasceno Sales
Fez gosto e fitou o céu.
José desposou Bernarda
Leocádia a um forasteiro
Eustáquio casou com a prima
Joana de Sales Monteiro
Há outros descendentes
Que se casaram na região
Mas são estes quatro ramos
Que nos chamam a atenção.
Izabel e Pedro Alcides
José e sua Bernarda
Leocádia e João da Cruz
Eustáquio e sua amada
São estes o nosso foco
Raiz de nosso existir
Por isso lavramos a história
Pra não vê-la se exaurir.
Tomamos como princípio
O filho do velho Aquilles
O nosso muito amado
O famoso Pedro Alcides
Com sua amada Izabel
Sete filhos concebeu
Dois homens, cinco mulheres
Saudáveis Graças a Deus.
José Alcides e Francisco
Emília e a Joana
Andrelina e Marcela
A também a Graciana
São estes os sete filhos
Do velho Pedro Alcides
A julgarmos pelo número
É comum que se divide.
José Alcides Szervinsk
Chamado de Zé de Pedro
Valente e trabalhador
Desconhecia o medo
Muito cedo se casou
Logo constituiu família
Oito filhos viu nascer
De sua esposa Abadia.
Anselmo, Geraldo e Paulo
Miguel Rosa e Maria
Celeste e também Laudina
Frutos da mesma família
Filhos de José Alcides
Esse autêntico lavrador
Que sempre viveu da terra
Com o fruto do seu labor.
José Alcides e esposa
Viveram em simplicidade
Sofreram mas triunfaram
Venceram as tempestades
Viu seus filhos se casando
E construindo família
Cada um seguiu seu rumo
Mas todos deram alegria.
Francisco ficou solteiro
É vizinho de Marcela
Morador de Montes Claros
É figura mui singela
Tem um sítio muito simples
E uma simples morada
Já sente o peso dos anos
Sua fronte está marcada.
Emília formou família
Com Patrocínio Nogueira
Com uma dezena de filhos
Mostrou-se uma guerreira
Siriaco, Orgencilia, João, Maria do Carmo
Cláudia, Ana, Gregório e Nicolau
Manoel e a Maria
São os filhos do casal.
Dos filhos da Tia Mila
Somente quatro casaram
Orgecília, Cláudia, Ana e Maria
Estas família formaram
Os outros ainda solteiros
Ao casório não se deu
Dos filhos de Tia Mila
Só Do Carmo é que morreu.
Joana se casou com Lázaro
E se mudou pro Ribeiro
Do fruto desse amor
Nasceram nove herdeiros
Virgílio, Joel, Cloves
Calú, Lesbão, Cecelias
Irineu e Joviano
E também Maria Luiza.
Todos eles se casaram
Exceto Irineu e Lesbão
Moradores do Rebeiro
Vivem cultivando o chão
Humildes e hospitaleiros
Não fogem à tradição
Frutos de Rebendoleng
Herdaram determinação.
Ainda hoje o Rebeiro
Pertence a essa gente
Que no século vinte e um
Vivem como antigamente
Plantam roça, criam gado
Com muita simplicidade
Vão à cidade vez ou outra
Por pura necessidade.
Graciana a poetiza
Com o Eloi se casou
Tiveram quatro filhinhos
Fruto do seu grande amor
Ana, Vicente e Domingas
E o caçula José
Pessoas trabalhadoras
Honestas de muita fé.
Ana, Vicente e Domingas
São casados e filhos têm
José nunca se casou
Porém vive muito bem
Graciana fala verso
Poetiza natural
Encanta quem a escuta
Pessoa sensacional.
A arte dos europeus
Herdara do bisavô
Homeopatia caseira
Ela sempre dominou
Pessoa de muita fé
É mesmo de encantar
Só quem conhece entende
A razão do meu falar.
Andrelina se casou
Com Calixto seu amado
Criou os seus cinco filhos
Com um cuidado danado
Benildes, José, Hermínia
Maria e Aparecida
Frutos de suas entranhas
Tesouros de sua vida.
Morrera com meia idade
Quando os netos chegava
Entrou no repouso eterno
Do jeito que almejava
Sofreu mas deixou semente
A fecundar sobre a terra.
Na glória de Jesus Cristo
Encontrá-la teu povo a espera.
Todos tiveram família
Os filhos de Andrelina
Porém alguns a largaram
Dizendo ser sua sina
Porém ainda estão vivos
E a vida é esperança
Só quem não vive não erra
Não traz consigo lembranças.
Marcela a filha mais nova
Do velho Pedro Alcides
História como a dela
Não é qualquer um que vive
Se enamorou de Pelágio
Um homem trabalhador
Que muito unido ao seu pai
Jamais fugiu do labor.
Pelágio Damasceno Sales
Sempre foi agricultor
Trabalhava com a madeira
De gado era bom criador
Sete anos de namoro
Com a bela e jovem Marcela
Por fim não mais resistiu
Àquela jovem tão bela.
Casou-se com sua amada
Tombou um palmo de chão
Fazendo roça de toco
Plantava milho e feijão
A labuta era pesada
Mas ele já traquejado
Fez casa e passou pra dentro
Com Marcela ao seu lado.
Com pouco tempo casados
Nasceu-lhes belo menino
Com genuína alegria
Lhe chamaram de Paulino
Marcela mulher fecunda
E por Deus abençoada
Foi mãe de sete rebentos
A quem foi mui devotada.
Depois que veio Paulino
Logo nasceu Deusdete
Então foi ele o segundo
Do total que foram sete
Depois destes dois varões
Viera uma menina
Maria da Cruz e Evódio
Logo após a pequenina.
Mas não parou por aí
Outra menina nasceu
Joanice então foi o nome
Que o Pelágio lhe deu
Marcela louvava a Deus
Por cada filho que vinha
Não demorou muito
Tempo nasceu-lhe Rosalina.
Agora com três casais
Seis bocas para criar
Muitas vezes o casal
Viam o aperto chegar
Muita lida e pouco fruto
Cansaço e muito sofrer
Mas criam com fé em Deus
De fome não iam morrer.
Os filhos iam crescendo
Crescia a preocupação
Roupa, calçado e estudo
Saúde e educação
Mas Deus estava com eles
Guiando-os com suas mãos
Padeceram bastante
Mas isso não foi em vão.
Os filhos benção de Deus
Não tinham se completado
Ainda viria João
Caçula dos aliançados
Assim estava completa
A prole desse casal
Que somou sete rebentos
Quando chegou ao final.
Paulino não se casou
Segue só seu caminho
Deusdete tomou esposa
E já tem três filhinhos
Maria também casou
Filhos então concebeu
Mas logo ficou viúva
Tristeza que aconteceu.
Joanice embora solteira
Tem uma linda filhinha
Seu nome é Izabela
Precisas ver que lindinha
Evódio e Rosalina
Solteiros ainda estão
O último a se casar
Foi o caçula João.
Este herdou dos seus pais
Simplicidade tamanha
É homem silencioso
Quem não conhece estranha
Artista de grande porte
Ainda no anonimato
Vou lhe dar maior destaque
Por não querer ser ingrato.
É essa a descendência
De Pedro e Izabel
Que a tanta gente gerou
Educou e foi fiel
Pedro Alcides foi feliz
Com Izabel sua amada
Viveram por longos anos
Morreram entre a parentada.
Agora vamos voltar
A José nossa atenção
Filho de João Damasceno
Viveu aqui nesse chão
Casou-se com a Bernarda
Moça bela e prendada
Que lhe deu sete herdeiros
Prole muito abençoada.
Nila, Teodora e Francisca
Eloi, Hurbano e Filipa
A mais moça era Claudinha
Que a casar não se arrisca
Todos eles se casaram
Com exceção de Claudinha
Mas talvez ainda case
Essa nossa caçulinha.
Nila logo se casou
Com o senhor Antonio do Rola
Morador da região
E contador de história
Teodora em Montes Claros
Com o João se casou
Francisca no Paranã
Encontrou seu grande amor.
Eloi tomou Graciana
Hurbano casou com Ambrosa
Filipa também casou
E se mudou para o Rola
Morando em Planaltina
Solteira só tem Claudinha
Que parece decidida
A ficar mesmo sozinha.
São estes os sete filhos
Do José com a Bernarda
Frutos de Rebendoleng
Com sua doce amada
Note como esses dois
Foram mesmo abençoados
Seus filhos a cada dia
Vão sendo multiplicados.
Passemos para Leocádia
Que com o forasteiro casou
João da Cruz era o nome
Do jovem seu grande amor
João da Cruz e Leocádia
Cinco filhos viu nascer
Todos eles se criaram
Nenhum veio a falecer.
Abadia e Pelágio
Adriana, Manoel e Felipe
Cinco rebentos robustos
Vindo de uma mesma estirpe
Somente a Adriana
Morreu ainda solteira
Se enforcou mas ninguém sabe
Qual a razão verdadeira.
Abadia teve filhos
Porém nunca se casou
Foi Domingos e José
Os filhos que ela gerou
Abadia ainda vive
Mas seus filhos faleceram
Vítimas de um triste caminho
Por onde se empreenderam
Hoje mora com Pelágio
Que a trata com carinho
Mora ao seu lado direito
Num simpático barraquinho
Morando em Montes Claros
Goza plena liberdade
Parece uma criança
Embora seja de idade.
José filho de Abadia
Na festa se embriagou
Saiu fazendo escarcéu
E o diabo aproveitou
Aleixo filho de Leolizia
Dormindo num canto estava
Mas acordou assustado
Com o José em algazarra.
Aleixo estava armado
Com um revolver na cintura
Movido pelo impulso
Lançou-se em desventura
Num ímpeto violento
Se ergueu com arma empunhada
Dois tiros à queima roupa
E uma vida encerrada.
Foi tremendo o desespero
E grande a confusão
Aleixo se vê culpado
Do sangue de seu irmão
Aleixo ganha as bucainas
Fugindo sem direção
José adentra a noite
Agonizando no chão.
Aleixo perdera a paz
E teve que se mudar
Por isso buscou refúgio
Em um distante lugar
José morreu ainda jovem
Por causa da rebeldia
Que junto com a violência
Mostrou negro aquele dia.
Abadia revoltada
Pra sempre ficou marcada
Com as marcas da violência
Que a fez traumatizada
Grande foi sua tristeza
Com tudo que se passou
Porém não fora só isso
Que a vida lhe reservou.
Depois que já era homem
Domingo pôs-se a cantar
Consumia álcool em excesso
Vivia a se embriagar
Cantava vociferante
Pelos caminhos dormia
Levando uma triste vida
Abadia padecia.
Num dia muito fortuito
Na beira da rodovia
Domingos não imaginava
Que chegara seu dia
Morrera atropelado
Por uma carreta estranha
Ficou jazendo no asfalto
Seu corpo e suas entranhas.
Mais um golpe violento
Para a pobre Abadia
Que suportou o tormento
Daquele sangrento dia
Sofreu e chorou Abadia
A morte do filho seu
Muito triste teve fim
Os filhos que Deus lhe deu.
Não sei se foi coincidência
Enquanto aqui escrevia
Chagou-me a triste notícia
Faleceu a Abadia
Já vinha muito doente
Em função de sua idade
Hoje se junta a seus filhos
Frutos de sua mocidade.
Que Deus olhe com carinho
Dela tenha piedade
Perdoe as suas faltas
E lhe dê a eternidade
Se foi tão nobre figura
Falo com sinceridade
Pra todos que conheceu
Ela vai deixar saudade.
Será ela sepultada
Junto a seus antepassados
No solo de Montes Claros
Lugar tão abençoado
Que gerou tanta gente boa
Como tenho descrevido
Só quem conhece entende
Porque estou comovido.
Louvado seja Deus Pai
Louvado seja Jesus
Que morreu pra nos salvar
Se doando numa cruz
Bendito e louvado seja
Jesus na Eucaristia
Que Ele dê a vida eterna
A nossa estimada Abadia.
De Pelágio já falamos
Se casou com Marcela
Se tornou avô recente
Da bela neném Estela
Filha de seu filho João
Com sua esposa querida
Com quem ele quer casar
E viver o resto da vida.
Manoel ainda solteiro
Em Formosa é morador
Diferente de Felipe
Que tão cedo se casou
Este mora em Brasília
Com a família que formou
São os filhos de Leocádia
Com João seu grande amor.
De Eustáquio de João Salles
Agora vamos falar
Já falei de seus irmãos
Agora pra terminar
Vou falar desse caçula
Que vai dar o que falar
Sendo ele o mais novo
Tem muito para contar.
Joana moça formosa
Eustáquio então desposou
Fê-la a sua esposa
A quem muito ele amou
Sua história é muito bela
Cheia de espinho e de flor
Chegando a encher os olhos
Daquele que me contou.
Esculasco, Petronilio
Ambrosa e Sebastiana
São estes os quatro primeiros
Filhos de Eustáquio e Joana
Rosalino e Albino
Calixto, João e Fulô
Mais filhos deste casal
Que ainda outros gerou.
Donata, Dalvina, Elisio
E a caçula Sophia
Treze filhos num total
Que com saúde crescia
Nenhum deles morreu jovem
Todos viram maturidade
Treze filhos, treze bênçãos
Vejam que felicidade.
Vivendo em grande modéstia
Esse povo se firmou
Criaram profundas raízes
Por isso não se acabou
O povo da região
De São João e Água Fria
Também Alto Paraíso
Descende dessa família.
O velho Rebendoleng
Não podia imaginar
O quanto seus descendentes
Iam se missigenar
Embora seu sobrenome
Pouca gente tenha herdado
Ele tem subsistido
E está por todos os lados.
Szervinsk se fundiu
Com outras assinaturas
Formando novas famílias
Frutos da mesma cultura
O velho Rebendoleng
Que a Deus foi devotado
Onde quer que se encontre
É homem realizado.
O velho Rebendoleng
Pai de Aquilles e Heitor
Morrera em Tocantins
Para onde ele viajou
Em busca de sua espada
Que há anos fora deixada
No tronco de uma palmeira
Por ele mesmo cravada.
Nunca mais tinha voltado
Naquele dito lugar
Faziam-se quarenta anos
Que estivera por lá
Fora uma única vez
No tempo do desbravar
Abandonou sua espada
Sem nunca mais retornar.
Agora em plena idade
Desejou-se aventurar
Sua espada de outrora
Desejou reencontrar
O ponto onde a deixou
Não sabe se encontrará
Mas movido pelo ímpeto
Decidiu-se a marchar.
O seu amor Ambilina
Que sempre lhe acompanhou
Faleceu há alguns anos
Sozinho Antonio ficou
Sentindo muita saudade
Muitas vezes ele chorou
Mas sabe que é o destino
É ordem do criador.
Por isso segue com fé
O que pede o coração
Vai subir o grande Planalto
Andando sem direção
Buscando seu relicário
Baú de recordações
Vai viver uma aventura
Relembrar as emoções.
O velho Rebendoleng
Já muito velho em idade
Foi buscar a sua espada
Pra entrar na eternidade
Sua espada era um marco
Signo de sua valentia
Com ela vencera o mar
E a maldita covardia.
Eles foram companheiros
Desde a mocidade
Por isso ele a guardou
Com tanta austeridade
Mas sentindo a morte vindo
Em solo estranho adentrar
Sentiu-se um desbravador
E sua espada foi buscar.
Acompanhado de Heitor
E de Aquilles filhos seus
Subiu o grande Planalto
Montando um belo corcel
Cavalgaram muitos dias
Mas chegaram ao destino
Os maus tratos do caminho
O velho chegou sentindo.
Agradeceu aos seus filhos
Por lhe ter acompanhado
Arrancou sua espada
Sentindo-se naufragado
Uma cena muito bela
De deixar impressionado
A palmeira estava morta
Mas seu tronco conservado.
A natureza guardou
Com cuidado redobrado
A encomenda que Antonio
Ali havia deixado
O tronco ainda estava verde
Onde a espada estava
Pegando ali sol e chuva
Não oxidou a espada.
Os filhos ficaram perplexos
Com o que ali se passou
Com a força de um jovem
Antonio a espada empunhou
A puxava lentamente até que arrancou
Então a palmeira morta
Que seu verde conservou
Quando a espada saiu
Num instante ela secou.
O velho Rebendoleng
Com a espada nas mãos
Sentindo a morte chegar
Fez ali sua oração
Implorou a Jesus Cristo
Que pegasse em sua mão
Então se ajoelhou
Fincando a espada no chão.
Chorou e pediu perdão
Seus filhos abençoou
Com a espada nas mãos
Penitente ele expirou
Três dias de grande pranto
Seus filhos ali passou
Bem junto à velha palmeira
O velho ali ficou.
Enterrado por seus filhos
Que pra casa então marchou
O velho Rebendoleng
Sua história terminou
Sofreu, chorou e sorriu
Muitos filhos educou
Sua marca na história
Para sempre ele deixou.
Agora que concluiu
As ordens do seu Senhor
Do pó um dia saiu
Para o pó retornou
Viveu bela vida
Cumpriu toda sua sina
Novamente se juntou
Ao seu amor Ambilina.
Após morrer Ambilina
Pouco tempo ele viveu
Agora chegou seu tempo
Também ele feneceu
Sua história não tem fim
Ganhara continuidade
Se tornará imortal
Em sua posteridade.
Chegando em suas casas
O Aquilles e o Heitor
O restante da família
Logo se conciliou
Chorou a morte de Antonio
E a Deus o confiou
Seguiram o seu destino
Com fé em seu Salvador.
O velho Rebendoleng
Se fez como o grão de milho
Morreu pra gerar outros grãos
Uma multidão de filhos
Seus descendentes fecundos
Não cessam de aumentar
São muitos que já nasceram
Que não se pode contar.
Casando e missigenando-se
Mudaram o nome civil
Porém carregam nas veias
De Antonio o sangue febril
É uma história tão bela
Que muita gente não viu
Pedacinho da Polônia
No coração do Brasil.
Também sou dessa estirpe
Falo com contentação
Lhe mostro a minha árvore
Cheio de fascinação
Sou Joaquim, filho de Joaquina
Filha de Izabel e Bazílio
Izabel, filha de Antonio
Que de Delfina era filho.
Delfina, neta de Rebendoleng
Filha de seu filho Heitor
Teve um filho e seu irmão
Manoel foi quem criou
Antonio Sobrinho foi o nome
Que o menino ganhou
Por causa de Antonio Totó
Um filho do se avô.
Mané Velho do João Paulo
Manoel então se tornou
Batizou a Antonio Sobrinho
E a ele também criou
Quando enfim se tornou homem
Antonio Sobrinho se casou
Com Arvilina Vieira Fernandes
Família então formou.
Estes são galhos da árvore
Que Rebendoleng e Ambilina
Não são raiz, mas são o tronco
E ao resto determina
Gente de todos os credos
Toda classe, toda cor
Extensão do velho Rebendoleng
Que aqui se eternizou.
A mão do tempo passou
E os tempos foram mudando
Chegou o novo milênio
De quem sou contemporâneo
Sou a oitava geração
Que de Rebendoleng descende
Narrador desse evento
Que a tantos compreende.
Faço pausa e apuro às vistas
Chamando vossa atenção
Para alguns personagens
Dessa nobre narração
Pessoas ímpares e distintas
Que no mínimo são lendárias
Gente humilde e anônima
Pelo tempo e sua mortalha.
Quero falar de João
Tetraneto de Rebendoleng
Filho de Marcela e Pelágio
Pessoa simples e perene
João Damasceno Sales
É o nome desse homem
Artista de alma sensível
Não há quem não se impressione.
O ciclo de sua vida
Gira em torno do pintar
De São João a Montes Claros
Leva a vida a sonhar
Cristão temente que é
Tem na família um paradigma
Vive a labuta na fé
Entre o cansaço e a fadiga.
Sua alma de artista
Sensibiliza e impressiona
Os rastros de seus pincéis
Seduz, encanta e apaixona
Se mantém com sua arte
E a graça do Senhor
Busca o reconhecimento
De tão sublime labor.
Reproduzindo na tela
Seus sonhos e a criação
Dá vida e cores pra vida
Sonhando com a redenção
Como o seu tetravô
É homem de muita fé
E Deus o prova com força
Pra ver que vaso ele é.
Não nasceu em berço de ouro
Riqueza não conheceu
Educação, boa índole
Foi o que seu pai lhe deu
Da mãe herdou humildade
E o coração sonhador
A sensibilidade e a fé
Herdou de seu tetravô.
Quando ainda era criança
Em tempo de estudar
Conheceu padre Bernardo
Missionário no lugar
Europeu mui perspicaz
Artista plástico sem igual
Fez de João seu discípulo
Que lhe honraria ao final.
João com padre Bernardo
Aprendeu a contemplar
As obras da criação
Reproduzir sem falhar
Rezar, crer em Jesus Cristo
Em seu amor esperar
Teve em padre Bernardo
Um mestre, um pai pra lembrar.
Crescera itinerante
Entre Montes Claros e São João
Ouvindo modas e catiras
Nas rezas da região
No meio da parentela
Com grande satisfação
Crescia como artista
Como homem e cristão.
Passada a primeira fase
Daquele aprendizado
Antes que todo o ofício
Lhe fosse ministrado
O padre foi removido
A outro campo enviado
Então ficou João sozinho
Sem seu mestre Bernardo.
Padre Bernardo nasceu
Na Holanda e se criou
Quando então foi ordenado
E sacerdote se tornou
Veio junto com outros padres
Cuidar da evangelização
Ensinando o amor de Deus
Por toda essa nação.
Dom Victor primeiro Bispo
Dessa então prelazia
À paróquia São João Batista
Enviou Bernardo com alegria
Porém muitas confusões
Com Bernardo aconteceria
Por temer por sua vida
Dom Victor interveria.
Depois de meia dezena
De anos em São João
Padre Bernardo havia
Transformado a região
Ensinando horticultura
A toda população
Pegava o povo na unha
Pra ensinar religião.
Como sempre se mostrou
Valente e destemido
A ele se afeiçoou
Esse meu povo sofrido
Água Fria e São João
Com suas comunidades
Encontrou em padre Bernardo
Um sacerdote de verdade.
Não calava na injustiça
Com veemência exortava
Por onde ele passava
Todo o povo se encantava
Porém havia exceção
Dos mais privilegiados
Que com sua pregação
Se sentiam atacados.
Por causa desses sujeitos
Muito padre Bernardo sofrera
Pois por serem influentes
Ao bispo estes recorreram
Mesmo sofrendo repressão
Por parte da prelazia
Padre Bernardo era o mesmo
Vivendo o seu dia-a-dia.
Porém tudo complicou-se
Quando em certa ocasião
Fatos estranhos surgiram
Em uma comunidade de São João
Pedra de Amolar é o nome
Dessa tal comunidade
Onde vinha acontecendo
Tamanha barbaridade.
Os grandes proprietários
De terra da região
Movidos por avareza
Logo entraram em ação
Para subtraírem as terras
Dos seus autênticos herdeiros
Queimavam as suas casas
E matavam os fazendeiros.
O povo muito humilde
E dado à superstição
Logo foram atribuindo
Ao Diabo essa ação
Achavam que aquilo era
Nada mais que maldição
Que era o próprio demônio
Que queimava a região.
Movido pelo seu jeito
De europeu destemido
Descobrindo a verdade
Se viu de armas munido
Aproveitando o momento
Que era de eleições
Padre Bernardo denuncia
Um por um os figurões.
Cita nomes, mostra provas
Defende a população
Sela de vez seu destino
Que será a remoção
Em pouco tempo o padre
De São João foi removido
Mandado pra Cabeceiras
Longe de seu povo querido.
Deixou para trás João
E o povo a quem se apegou
Depois que dali partiu
Nunca mais ele voltou
Deixando muitas saudades
Com o tempo adoeceu
Em virtude da idade
Sua visão se perdeu.
Perdendo os movimentos
E já muito enfraquecido
Por causa da enfermidade
Pra Holanda foi removido
Ficou num lar católico
Para os padres inativos
Escreveu-nos uma carta
Sinal de que estava vivo.
Na carta com nostalgia
Falava com emoção
Do tempo que fora pároco
Da paróquia de São João
A memória vacilante
Confunde as recordações
Mas ainda guarda muito
Pra inflamar as emoções.
Passa o tempo e morre então
O nosso padre Bernardo
João chora em silêncio
O seu mestre muito amado
A quem desejava
Com ardor ter visitado
Pra lhe ver mais uma vez
Antes que fosse enterrado.
São tantos fatos marcantes
Que envolveu o João
Mas aqui quero narrar
Alguns com mais atenção
Como este episódio
Que agora vou contar
João diante de Deus
Antes da morte chegar.
Tudo isso começou
Quando João foi contratado
Pra pintar o letreiro
Em local arriscado
Em cima de uma escada
João se desequilibrou
Numa corrente elétrica
Sua mão se encostou.
Foi quase uma tragédia
Aquilo que aconteceu
Treze mil volts na hora
O seu corpo percorreu
Caiu de uma grande altura
Com o corpo muito queimado
Com muitas fraturas na queda
João ficou acamado.
Muitos meses sobre a cama
Sem renda e sem saúde
Sua prece era constante
Que Deus do céu me ajude
Sentiu naqueles dias
As trevas lhe envolver
Sentia o cheiro da morte
Sem nada poder fazer.
Remédios, muitas consultas
Muita dor, muito sofrer
João pensava a vida
Sonhando com o renascer
Revia a sua história
Tudo que havia vivido
Seus erros e seus acertos
O quanto havia se perdido.
Então tomou consciência
Dos caminhos onde andara
Decidiu se redimir
Voltar a quem lhe criara
Naquele mesmo instante
Um foco de luz nasceu
E as trevas que eram espessas
Logo se empalideceu.
João naquele abismo
De dor e muito penar
Percebeu que era Deus
Ali a lhe visitar
Sem ver forma, rosto ou nome
Orou e com Deus falou
Sentiu a vida voltando
Por obra do seu Senhor.
Ali jogado no chão
Não podia imaginar
Os tormentos e angústias
Que iriam o provar
Sem saúde e solitário
Em crise existencial
Rosto triste e penumbrado
Era retrato do tal.
Revivendo o vivido
Contestando os dogmas seus
Obra a obra analisava
Com o olhar firme de Deus
Descobriu-se um covarde
Medroso e desconfiante
Sofreu com tal provação
Moldando um novo semblante.
Se aproximou mais de Deus
Vivendo a oração
Recebendo a eucaristia
E a visita dos irmãos
Sentiu a mão do Senhor
Da cama o levantar
Pintou na tela o fato
De Deus o ressuscitar.
Viveu a ressurreição
Saindo da sepultura
Vencendo a enfermidade
Vencia a amargura
No seio de grandes trevas
Muito tempo permaneceu
Enfim ao terceiro dia
Jesus lhe apareceu.
Tomando-o pela mão
O levantando do escuro
Brilhou a luz do senhor
Naquele jovem maduro
A cura foi proclamada
João então se ergueu
Triunfando sobre a prova
Com a ajuda de Deus.
Vencida a adversidade
A saúde ia voltando
E logo as suas obras
Estava efetuando
O mundo com novos olhos
João então enxergava
Suas obras que eram belas
Agora mais encantava.
João enquanto enfermo
Na vida muito pensou
Chorou e fitou o céu
O que sentiu anotou
Relatos e orações
Poemas e reflexões
Diário de sua vida
Eis algumas anotações.
Oração de João Damasceno Sales Durante a Enfermidade
O Senhor dos exércitos
Guardai os vossos filhos,
Não deixais que as mãos do inimigo os sufoquem
Não permita que pereçamos não vos canseis de procurar por, uma só, obra do Vosso filho.
É possível que esse Vosso filho tenha feito uma boa ação.
Perdoai-nos a pretenciosidade, ó Deus todo poderoso.
Se procurardes e não achares nem um vestígio de uma pequenina obra nessa minha vida desenfreada, de tanto pecado, permita-me lembra-lo ó Senhor, que sois misericordioso, és realmente bom.
Julgai-me não segundo minhas obras, mas segundo o Vosso amor e a Vossa divina misericórdia. Perdoai-me!
Defronte à casa paterna
De João em Montes Claros
Existe um pé de paineira
Um arvoredo lendário
Nas horas de sua angústia
Dele João se lembrou
Num momento tão sensível
Poeta ele se tornou.
Poesia de João para o Pé da Paineira
Paineira Velha
Quando me entendi por gente
Você já estava ai...
Nesse altinho da frente de casa
Com toda sua beleza
Chamo-te meu... Não por ser seu dono
É que aprendi a te amar, no entanto não és meu...
Cresci... Tornei-me adulto
Você continua igualzinho ao que era antigamente, belo e imponente.
Paineira, você é para mim, como um velho amigo...
O tempo passa e permaneces sempre fiel...
Foi também durante esse tempo
Que o coração de João
Lembrou do padre Bernardo
E redigiu com emoção
Este simplório bilhete
Carregado de sentimento
Que registro neste texto
Pra não sumir com o tempo.
Dá-me uma novidade...
Me dá vontade de chorar...
E às vezes choro por não
Poder vê-lo e por talvez
Não vê-lo nunca mais.
Ainda que não mais te veja...
Iremos sempre lembrar de você
Como pastor
Como amigo
Eu e meus pais
Sempre seremos gratos
Padre Bernardo...
Desejo-lhe saúde
O conforto e muita paz
Lembranças de Montes Claros
Sonho que ficou longe
Sonho que está perto
Sonho que é incerto
De um dia poder revê-lo
Meu caro, meu amigo
Meu mestre padre Bernardo.
Isso é um pouco de João
E seu coração criança
Seu jeito meio simplista
E cheio de esperança
Seus sonhos e seus medos
Seus amores e seus credos
Suas raízes e costumes
Suas buscas e segredos.
João sonha em ser feliz
E é feliz a sonhar
Com sua esposa Cristina
Tem Estela pra educar
Contempla a sua descendência
Cheia de encantos mil
Se orgulha de ser filho
Do Polonês varonil.
Traz vivo dentro do peito
A fé e a devoção
Não esquece um só instante
O tempo da provação
Que o pegou como um tiro
Lançando-o em pleno chão
Mas que também foi caminho
Pra sua renovação.
Agora chamo a atenção
Para alguém muito especial
Seu nome é Graciana
Pessoal sensacional
Gente humilde e hospitaleira
Tia de João Damasceno
Fala verso e impressiona
Aquele rosto pequeno.
Dentre muitas outras histórias
Que ela conta rimando
Venho narrar a mais bela
Que eu a ouvi contando
Não é ela a autora
E desconhece o autor
Mas foi aos seus quinze anos
Que ela então a escutou.
Aos oitenta anos de idade
Tem memória afiada
Verso a verso recitou
Com emoção declarada
Enquanto ela recitava
Tomamos café quentinho
Sentado em banco rústico
Feito pelo seu sobrinho.
Conto do Papagaio
Houve uma grande fome entre
Aquela humanidade
O pessoal, sem recurso
Sofrendo mais da metade
E aquele pobre velho
Na maior necessidade.
Jobão disse ao diabo
De fome nós vai morrer
Vou procurar um lugar
Em que se ganhe o que comer
Quem for tolo aqui se lixe
Espere pra sofrer
Botou chapéu na cabeça
Nas costas um matulão
Saiu sem despedir-se dos
Pais e dos seus irmãos
Ficaram ambos chorando sem
Ter consolação
O velho pai suplicava a Divina Majestade
Que tivesse compaixão
Como pai de piedade
Em vez de castigar
Tivesse dele piedade
Jobão então foi morar num
País de estrangeiro
Empregou-se no comércio
Ganhando muito dinheiro
Em pouco tempo já tinha
Fortuna de um banqueiro.
Casou-se com uma rica
Que lhe sobrava riqueza
Possuía uma fortuna igual
De uma princesa
Tendo grande fidalguia desconhecia pobreza.
Jobão com esta riqueza
Tornava-se mais avarento
Esqueceu dos velhos pais
Que deixou em sofrimento
Não alembrava de quem não
Lhe esquecia um só momento.
Numa noite ele sonhou
Que viu seu pai suspirando
A mãe com uma mochila pelas portas mendigando
Pedindo uma esmola
Aflita quase chorando.
Não! Ele murmurou
Sai-te daqui nego azaro
Quando eu estava com
Vocês nunca pude prosperar
Agora como estou rico
Já veio me atormentar.
A mãe mostrou-lhe o seio
Que a ele amamentou
Porém ele horrorizado nem
Atenção lhe mostrou
Vai embora azar nego
Nessa face acordou.
Despertando o avarento
A meditar o passado
Dizendo em pensamento
Meu pai é velho alazado
Quando eu vivia com ele
Só vivia encabojado.
Vivia morrendo de fome
Sem possuir um tostão
Parecia haver ali uma falta de benção
O azar é o meu pai, minha mãe, meus irmãos
Temia que o pai chegasse
Naquela grande pobreza
Para não sofrer de vergonha
E explorar-lhe a riqueza
Seria o maior desgosto
Que lhe fazia a surpresa.
Na casa do velho pai
Ajudou um estrangeiro
O velho deu-lhe pousada
Pois era hospitaleiro
Foi quem do filho
Ingrato deu o seguinte roteiro
O velho então perguntou
Áquele desconhecido
Se conhecia Jobão o seu
Filho querido
Por causa de sua ausência
Se muito tinha sofrido.
Disse ele eu conheço
O Coronel Jobão
Era pobre como Jó não
Possuía um tostão
Casou-se com uma rica
Hoje é senhor de milhão.
Navio no oceano ele
Possuía mais de cem
Em riqueza e fidalguia
No mundo só ele é quem tem
Forante o imperador
Como ele mais ninguém.
Deu todos os sinais que
O filho possuía
O velho quase morreu
Somente de alegria
Mas a grande saudade
Do coração não saía.
Disse Alvino suspirando
Se me derem permissão
Se acaso for possível
Que haja satisfação
Amanhã logo cedinho
Vou atrás do meu irmão.
Disse o velho chorando
Queres também me deixar?
Disse ele
Não senhor vou meu
Irmão procurar
Vou pedir ele um recurso
Para te sustentar.
A mãe matou-lhe um frango
Para comer na viagem
Deu a ele um rosário bento
Tendo de Cristo uma imagem
Foi embora Alvino
Porém quase sem coragem.
Chegou então no estrangeiro
Onde morava o irmão
Indagou aonde era a morada de Jobão
Lhe mostraram um palácio
Como o do Rei Salomão.
Alvino se arrependeu quando
Avistou o sobrado
Sentia seu coração
Batendo muito avechado
Porém a fome horrorosa
O fazia dominado.
Ao chegar no sobrado
Encontrou um capitão
Com a força da polícia
Que estava de prontidão
Guarnecendo o sobrado
Com a ordem de Jobão.
Pediu licença dizendo
Que desejava falar
Com o coronel Jobão
Porém não quiseram dar
Disse ele é proibido
Gente pobre aqui entrar.
Senhor eu sou irmão dele
Disse o pobre Alvino
É irmão do coronel e
Anda como peregrino?
Disse ele é prova da sorte e
Um capricho do destino.
Disse ele não admira
Um ser rico e outro pobre
São conseqüências da vida
Um na miséria e outro nobre
Em sangue somos iguais
Nem que a riqueza dobre.
Ordenou o capitão que as
Praças reparasse
Se ele estava armado com
Cuidado examinasse
Se estivesse armado para cadeia levasse.
Examinaram Alvino mas
Estava desarmado
Só encontraram o rosário
Que sua mãe tinha lhe dado
Mandou que ele entrasse
Com a ordem do delegado.
Alvino quando entrou
Encontrou a baronesa
Sentada muito orgulhosa
Na mais soberba riqueza
Na cadeira de balanço
Parecendo uma princesa.
Ela quando viu Alvino
Interrogou-lhe então
O senhor o que deseja
Qual é sua intenção?
Disse ele eu desejo
É falar com meu irmão.
Quem é seu irmão aqui
Lhe perguntou sem carinho
Disse ele: é Jobão
Meu estimado irmãozinho
Disse ela vai-te azaro
É por ali o caminho.
Deu uma grande risada
Que estrondou no salão
Zombando do miserável
Chamou o coronel Jobão
Aqui tem um miserável
Dizendo ser teu irmão.
Veio chegando o avarento
Com as presenças gresses
Perguntando escarnecendo
De onde saiu essa peste
Que anda espalhando o azar
De qual inferno vieste?
Disse ele: não me conheces
Sou seu irmão Alvino
Fui criado em seus braços
Desde muito pequenino
Vim aqui te visitar
Com a ordem do destino.
Nossos pais vivem aflitos
Só a apensar em seu nome
Mandou te pedir esmola
Que estão passando fome
Se não tiver piedade
As misérias te consomem.
Vai embora miserável
Retire-se do meu salão
Vai azarar o diabo
Com a sua maldição
Senão o mando para a cadeia
Levando muito facão.
Alvino se retirou que
Mal podia falar
Mais adiante caiu
Pôs-se a lastimar
A grande fome outrora
Não podia suportar.
Quando a gente anda mole
A sorte muda de clima
Vem a negra desventura
Extrai da fartura a mina
Quando urubu anda avechado
O de baixo suja o de cima.
Alvino se lastimava
Que causava compaixão
Naquela terra estrangeira
Sem parente nem irmão
Aquelas maledicências chamou
Do rei atenção.
O rei não podia dormir
Ouvindo se lastimar
Mandou um dos seus soldados
O peregrino chamar
Para em sua presença
Aquela estória contar.
Quando ele chegou lá
Fez a interrogação
Dizendo a grosseria que tinha
Feito ao irmão
Enfim respondeu o rei
Não prática como cristão.
O rei chamou a criada
Mandou chamar o jantar
O rei carinhosamente
Sempre a consolá-lo
Justo são os que sofrem
Coma até se fartar.
O rei notou em Alvino
Força de moralidade
No rosto dele notava-se
Senhor de honestidade
Esplendor de pureza
E também da santidade.
O rei sentou-lhe à mesa
Lhe fazendo cortesia
Como amigo fiel
De copeiro lhe servia
Oferecendo de tudo
Do que na mesa havia.
Alvino agradeceu depois da refeição
Com toda reverência de
Joelhos beijou-lhe a mão
O rei ficou abismado
De ver tanta educação.
Então o rei lhe perguntou
Queres ser meu jardineiro?
Ficar morando comigo
Ganhando muito dinheiro
Enquanto você estuda
Para ser meu conselheiro.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Quero que vossa alteza
Me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que passam necessidade.
O rei entregou-lhe um quarto
No trono onde vivia
Ele então se lembrou
Do que o pai lhe dizia
Faltando a terra de Deus
Chega a da Virgem Maria.
Os conselhos de seus pais
Nunca ousou botar fora
O justo quando é constante
O bom exemplo decora
Faltando a terra de Deus
Chega a de Nossa Senhora.
Ficou ele com o rei
Sendo o seu jardineiro
O rei lhe queria bem
Por ser um fiel companheiro
Oferecia do trono
O que tivesse em dinheiro.
Ficou por enquanto Alvino
Servindo o imperador
Vamos falar na princesa
Uma excelentíssima flor
Que vivia no deserto
Sem sofrer mágoa de amor.
Quando a princesa nasceu
Mandou ver a sua sina
Havia de ser casada
Em família peregrina
Então o rei protestou
E contra a vontade divina.
Mandou fazer um palácio
Onde internou a princesa
Junto com uma criada
Que tinha muita firmeza
Ali não ia ninguém
Sem ordem de sua alteza.
Criou logo uma lei
Em todo aquele reinado
Quem fosse sem sua ordem
Seria então degolado
Quem não quisesse morrer
Que guardasse com cuidado.
Ali não ia um cristão
Ninguém queria morrer
Ela não aparecia
Só pra ninguém lhe ver
Fazendo todo possível
Para a sina desfazer.
As moças daquele tempo
Eram as mais gentilíssimas
De formosura divina
De presença suavíssima
Por causa da grande beleza
Da mais excelentíssima.
Deixemos aqui a princesa
Vamos falar de Alvino
Dominado pela sorte
Levado pelo destino
Para cumprir a missão
Que ordenou o destino.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Que quero que vossa
Alteza me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que sofrem necessidade.
Enfim respondeu o rei
Eu não te posso privar
Só mesmo na condição
De chegar lá e voltar
Porque me faltando tu
Como poderei passar.
O rei destrancou o tesouro
Tirou enorme quantia
Deu-lhe de mão beijada
Rejubilado de alegria
Deu-lhe mais para a fiança
Um passaporte de guia.
Depois tirou outro tanto
O bondoso imperador
Disse esse você leve
E entregue por favor
Um presente que eu mando
Para os seus progenitores.
Se despediu pesaroso
Por deixar sua alteza
Foi socorrer os seus pais
Que ficaram na pobreza
Porém errou o caminho
Segue em busca da princesa.
Quando chegou no palácio
Que avistou na janela
Ficando ele encantado
Com a formosura dela
Porque nunca tinha visto
Uma jovem como aquela.
Quando ela viu Alvino
Criou nos lábios um sorriso
Então disse para a criada
Vem ver do que eu preciso
O anjo que vem ali
Parece do paraíso.
Murmurou então a criada
Nós vamos fechar o portão
Nós não sabemos quem é
Pois pode ser um ladrão
Disse ela não senhora
Chama minha ordem então.
Afinal logo o portão
A criada destrancou
Dando aquele recado
Que a senhora mandou
Ele com todo respeito
A ela se apresentou.
A princesa lhe perguntou
Quem tinha lhe permitido
Vir àquele palácio é
Severamente proibido
Respondeu ele ninguém
Ando por aqui perdido.
A princesa admirada
Prestando toda atenção
Mandou que ele entrasse
Tomando pela mão
Porém ele não sabia
Que era filha do patrão.
A princesa ordenou
À sua fiel criada
Que preparasse um jantar
E não usasse massada
Ficando junto com ele
Pelo amor dominada.
Pergunta ela de onde vens
Responde ele da capital
Lá eu era jardineiro
De sua alteza real
Jardineiro de papai
Admirou-se afinal.
Para onde vais assim
Insistiu logo a princesa
Vou para minha terra
Disse com toda certeza
Quando a criada disse
O jantar estar na mesa.
Ela chamou o rapaz
Saiu com ele e disse
Vou lhe servir
Na copeira a nobre imperatriz
Que junto aquele anjo
Se julgava a mais feliz.
Pergunta ela feliz
Provém de família nobre
Disse ele não senhora
Toda a minha raça é pobre
Meu pai talvez não possua
Nem meia pataca de cobre.
Conversaram até a tarde
Alvino com a princesa
Ela chamou ele para a cama
Porque era uma beleza
Alvino então foi dormir
Sobre os braços da princesa.
Eram mesmo como anjos
Cada qual mais inocente
O vício negro e maldade
Não tinham em suas mentes
Aquelas almas fiéis
Seguiam Deus fielmente.
Com o carinho da moça
Ele no sono pegou
Porém a pobre princesa
Nem um instante adornou
Admirada com ele a noite
Em claro passou.
Embriagada de amor
Punha-se a meditar
Quando ele fosse embora
Como poderia ficar
Sorria ali jubilada
Depois se punha a chorar.
Soltando ternos suspiros
Com aquele amor sem fim
Dizendo em pensamento
Como é tão belo assim
Deus me fez só pra ti
E te fez só pra mim.
O sol já era alto
E ele ainda dormindo
Ela deu-lhe um beijo
E levantou-se sorrindo
O amor era um punhal
Que lhe estava ferindo.
Quando ele despertou
Levantou nesta hora
Pediu licença à princesa
Que queria ir embora
Ela lhe deu um punhal
E disse me mata agora.
Porque sem tua imagem
Como poderei viver
Antes prefiro a morte
Que termina meu sofrer
Respondeu ele sorrindo
Mas o que há de fazer.
Sua alteza é uma princesa
É filha do imperador
Eu sou um probrezinho
Filho de agricultor
Está perdendo seu tempo
Em me expor seu amor.
Quando seu pai souber disso
Manda a minha vida tirar
Agarra o meu cadáver
Sacode dentro do mar
Isso não me convêm
É melhor se sossegar.
Você é pra se casar
Com os filhos do imperador
Um herdeiro de coroa
Que lhe dê honra e valor
Queres casar-se comigo
Um criado inferior.
Então você não me ama
Porque eu sou rica e nobre
Disse ele não senhora
É porque sou pequeno e pobre
Mas teu amor para mim
Tua nobreza encobre.
Amo-te mais que a vida
Como no mundo a ninguém
Peço por caridade se fores
Me leve também
Respondeu ele sua alteza
Não vai se dar muito bem.
Então Alvino tu juras
Como me tens amizade
Disse ele sabeis que juro
Perante a divindade
Enquanto eu existir
Não te farei falsidade.
Sua alteza jura também
Como me tem firme amor
Disse ela eu já jurei
Perante o meu Salvador
Hei de honrar-te até a morte
Como marido e senhor.
Como posso te levar
Para não ser descoberto
Disse ela estudo já um plano
Que seja certo
Para isso eu tenho jeito
Carreguo os olhos abertos.
Antes de chegar na rua
Tu me pões dentro de um saco
Para não morrer sem fôlego
Faça nele um buraco
Me leve em suas costas
Deixe o povo dar cavaco.
Se perguntar o que leva
Diga é uma cavala
Se eles falarem compro
Querendo negocia-la
Diga ela eu não vendo
Pois deu trabalho mata-la.
Então disse para a criada
Sua fiel companheira
Se não guardasse segredo
A vida lhe custaria
Mandou que fosse embora
Com a carta de alforria.
Foi embora o jardineiro
E fez como ela ensinou
Perto da grande cidade
Dentro do caso a botou
Quando chegou lá na rua
Todo o povo se agitou.
O que levas aí
Perguntou um sentinela
Disse ele uma cavala
Me venda um pedaço dela
Disse ele não senhor
É só pra minha panela.
Mais adiante encontrou
O chefe da mesa de renda
Queres me vender o peixe
Não já vai de encomenda
O peixe é muito pequeno
Só dá pra minha merenda.
Mais adiante encontrou
O caixeiro do balcão
Queres me vender o peixe
Respondeu ele que não
Esse peixe que eu levo
É só para o meu fogão.
Mais adiante encontrou-se
Com o rei, pai da princesa
Quero que me faças um pedido
Respondeu-lhe sua alteza
Eu lhe farei o possível
Era com toda certeza.
O pedido é o seguinte
Que eu quero me casar
Sem ninguém ver minha noiva
E o meu anjo tutelar
Para não ser conhecida
E alguém a cobiçar.
Disse o rei não é nada
Logo o bispo casou
A moça dentro do saco
Nem a mão fora botou
O rei mandou fazer festa
Três dias a festa rolou.
Disse então o jardineiro
Agora estou casado
Mas porém não tenho casa
Mas sem dinheiro quebrado
Vossa alteza me valha
Senão estou desgraçado.
O rei tinha um palacete
Logo mandou abri-lo
Deu-lhe de mãos beijadas
Para no mesmo dormir
Dizendo este é teu
Enquanto você existir.
Foram a princesa e Alvino
Morar naquele sobrado
Desfrutar o seu amor
De casal sacramentado
O sangue procura o corpo
É muito certo o ditado.
O rei deu-lhe mais dinheiro
Para sua precisão
Ele escreveu para os pais
E mandou-lhe rendição
Cento e vinte e cinco contos
Foi o que mandou então.
Agora então no estrangeiro
Havia um príncipe pagão
Mandou ao rei uma carta
Pedindo da filha a mão
O rei não lhe respondeu
Não lhe prestou atenção.
Então o príncipe pagão
Ao outro propôs uma guerra
Pretendendo então deixar
Em desgraça aquela terra
Disse o rei cristão
Sendo assim você erra.
Armou todo o exército
E mandou sem compaixão
Os navios encouraçados
Atacaram o rei cristão
Entrou o país em guerra
Em defesa da nação.
Porém o rei inimigo
Tendo maior resistência
Ele está bem armado
Sobrava ali competência
Se não fossem os milagres
Da Divina providência.
O rei se vendo perdido
Chamou seu jardineiro
Contou-lhe os resultados
Do seu povo traiçoeiro
Que estava se vendendo
Ao rei pagão do estrangeiro.
Repite o imperador
Queres ser meu general
Disse ele pois não sou
Sua alteza real
Eu darei a minha vida
Na luta ao reino do tal.
O exército do país
Por você será criado
Eis de ser minha pessoa
Na corte desse reinado
Eis de mandar em todos
E nunca serás mandado.
Entregou ao general
Aquela grande patente
Entregou uma medalha
Que valia francamente
Os trinta contos de reis
Brilhante de ouro somente.
Entregou-lhe a espada
A farda com o galão
Deu-lhe plenos poderes
Para resolver a questão
Foi então o general
Combater o rei pagão.
Chamou a jovem esposa
Contou-lhe o resultado
Ficou ela muito aflita
Com o coração agitado
Disse ele é meu dever
Ir defender o reinado.
Se despediu da esposa
E para a guerra marchou
Logo ao chegar no porto
Com uma criança encontrou
Vendendo um papagaio
Que assim ele falou.
Me compre esse papagaio
Que desejo lhe vender
Ele é muito falador
E tudo sabe dizer
Conhece segredo ocultos
Que ninguém pode saber.
Disse então o general
Eu até posso compra-lo
Porém já vou para a guerra
Não tenho quem vá deixa-lo
Disse o menino eu vou
A sua esposa entregar.
Por quanto queres vender
O general perguntou
Lhe dou por quatro vinténs
Mas ele se admirou
Dizendo que dava dez
Mas ele não aceitou.
O papagaio começou a falar
Com o general
Dizendo quem vai pra guerra
É um amigo leal
Deus te leva e te traz em paz
E te defende do mal.
O general espantou
De ver tanta sapiência
Um ente tão pequenino
Ter tanta inteligência
Pagou o menino e disse
Vá deixa-lo com urgência.
Disse ao papagaio Adeus
Não vá viver com tristeza
Meu senhor vai feliz
Isso eu digo com certeza
O senhor vai e eu fico
Mais sua nobre princesa.
O general espantou
Quando falou na princesa
O que o menino disse
Reconheceu a certeza
Dizendo ele conhece
Os feitos da natureza.
Quando o menino chegou
Lá na casa da senhora
Ele disse Ô de casa
Disse ela Ô de fora
O papagaio perguntou
Porque é que tanto choras.
Disse ela ô meu louro
Vem então me consolar
Disse ele sim senhora
Vim teu pranto enxugar
Estarei sempre disposto
A fazer o que precisar
Perguntou quer almoçar
Disse ele que não queria
As comidas dessa terra
Ao papagaio não servia
Quem quisesse dar-lhe um almoço
Rezasse uma Ave-Maria.
A princesa então vivia
Com sua casa fechada
Para servir a ela
Possuía uma criada
Para não ser conhecida
Vivia ali internada.
Um dia abriu a janela
Para olhar a cidade
Lá ia passando Jobão
Alma cheia de maldade
Avistando-a tentou fazer
Logo a falsidade.
Ficou ele enfeitiçado
Quando avistou a princesa
Disse tu há de ser minha
Isso eu tenho por certeza
Poderei não te gozar
Se não valer a riqueza.
A princesa pressentindo
O bandido lhe olhando
Avechou-se fechou a porta
Foi logo se arretirando
Então o papagaio disse
O diabo está tentando.
Princesa minha senhora
Será agora perseguida
Reza se encomenda a Deus
Tenha cuidado na vida
Que aquele sedutor
Quer te fazer prostituída.
Amanhã logo cedinho
Vem aqui te perseguir
Cochilada do demônio
Deseja lhe iludir
A senhora não se avexe
Deixe que eu vou agir.
Quando foi de manhãzinha
Chegou o perseguidor
Então disse o papagaio
Aí está o traidor
Foi logo lhe perguntando
O que deseja o senhor.
Disse enfim o inimigo
Tenho um negócio a tratar
Com a dona dessa casa
Que desejo conversar
Meu negócio é urgente
Eu não posso demorar.
Respondeu o papagaio
Vá embora seu bandido
Eu conheço a sua trama
Pois já li o seu sentido
Veio iludir minha senhora
Pra ser falsa ao marido.
Jobão olhou pra dentro
Avistou o papagaio
Que bichinho danado
É pior que um raio
Leu todo meu pensamento
Não arrumou uma falha.
Disse então o papagaio
É uma alma sem critério
Tu gostaria de ver
Tua esposa em adultério
Deixe o mundo e segue
A Deus isso não é um mistério.
Minha senhora jurou
Perante o Deus da verdade
De guardar até a morte
A sua fidelidade
Tu queres manchar
Agora a sua santa castidade.
Jobão saiu por ali
Oprimido da tristeza
Imaginando a mulher
E sua grande beleza
E aquele papagaio
Que o fez perder a empresa.
Debaixo de uma árvore
Sentou-se quase chorando
Quando avistou uma velha
Que andava manquejando
Escorada em uma vara
Fingia andar mendigando.
A velha era o diabo
Que a pecar o tentou
Como vai o meu netinho
Dessa forma perguntou
Mas ele estava zangado
Nem atenção lhe prestou.
Fala e diga meu neto
O que sofre pra velhinha
Eu tenho eficiência
Pra domar a rainha
A força inquebrantável
Não existe igual a minha.
Eu sou a mãe do feitiço
Ninguém me pode vencer
Para me subjugar
Só existe um poder
Fora esse eu garanto
Faço o que quero fazer.
Entro nos lugares ocultos
Mesmo na escuridão
Tenho subjugado duros
Da mais alta posição
Todos a mim obedecem
Conforme a ocasião.
Ai respondeu Jobão
Te digo com a certeza
Se arrumares o que quero
Te darei grande riqueza
Durante a sua vida
Nunca mais terá pobreza.
Disse a velha a Jobão
Basta teu sangue me dar
Pois se assim o me der
Melhor poderei passar
Dinheiro eu tenho de sobra
Tanto se possa gastar.
Disse Jobão é uma jovem
Que tenho no pensamento
Desde a hora que a vi
Que vivo em sofrimento
Minha paixão é tão forte
Não esqueço um só momento.
Disse ela estou ciente
Da tua grande amizade
Isto é coisa mais simples
Faço com facilidade
Basta me dar o que quero
Que farei tua vontade.
Disse Jobão acho difícil
O plano ser executado
Lá tem um papagaio
Que só sendo endiabrado
Adivinhou os intentos
Que eu havia planejado.
Que papagaio que nada
Não haverá embaraço
Para isso eu sou disposta
E tenho força no braço
Basta me dar o que pedi
O que prometo eu faço.
Jobão furou o braço
Tirou o sangue e entregou
Logo sem perda de tempo
A bruxa velha marchou
Para a casa da princesa
Porém nada ela arranjou.
Chegou dizendo ô de casa
Sem ninguém nada falar
Pergunta enfim a princesa
Quem é que está a chamar
Disse o louro é o diabo
Que pretende te levar.
Ave Maria meu Deus
Murmurou ela cismada
Caiu ela de joelho
Rezando muito avexada
Ô de casa ô de casa
Insistia a malvada.
O papagaio perguntou
Quem é que chama aí fora
Disse a velha sou eu
Disse ele vá embora
Eu sei qual o seu negócio
Veio iludir minha senhora.
Não vim iludir a ela
Mas apenas conversar
Quero faze-la feliz
A porta quero entrar
Se não abrir entro a força
Você não pode privar-me.
Vai embora cuviteira
Deixa de ser insistente
A força você não entra
Aqui absolutamente
Eu lhe esmago a cabeça
Como a Virgem à serpente.
A velha meteu a mão
E logo a porta quebrou
O papagaio irado
Logo o diabo agarrou
Dentro do palacete
Grande luta se travou.
Agarrou-a com o bico
Bateu com ela no chão
Era mesmo que um pinto
Nas unhas de um gavião
Revirou todos os móveis
O papagaio e o cão.
A feia velha gritou aflita
Você me mata meu louro
É pelo seu desaforo
Só sai daqui ensinada
Quando levar muito couro.
Deu mais de duzentas quedas
O olho dela arrancou
Rasgou-lhe a roupa toda
E uma perna quebrou
Depois de muito surrá-la
O papagaio a soltou.
Assim que ele a soltou
Ela saiu dizendo
Ai quase que morro agora
Nas unhas do sorancaio
Quem não conhece Miguel
Chama aquilo papagaio.
O papagaio gritou ainda
Vais resmungando
Não meu louro disse ela
Parece que comigo
Ainda está se incomodando.
Chegou lá e disse a Jobão
Estou quase desgraçada
O marvado papagaio
Me deu uma surra danada
Tirou-me um olho
Deixou minha perna quebrada.
Eu não disse
Que você não tirava resultado
Bichinho como aquele
Só parece endiabrado
Sei que não posso vencê-lo
Vamos dar como acabado.
Disse a velha faz pena
Outro homem a gozar
Mas eu te ensino
Um meio para dela se vingar
Levanta um falso a ela
Que assim pode te pagar.
Disse Jobão como fazer
Para ser bem empregado
Disse eu te ensino e fica bem ensinado
Preste me bem atenção
Pra ficar certificado.
Ela tem no peito esquerdo
Um sinal como uma rosa
Que parece um desenho
Feito por mãos caprichosas
Tem um cachinho de cabelo
Feito uma trança formosa.
Você dando esse sinal
Ela está desgraçada
Pode ficar na certeza
Que vai morrer enforcada
E a surra do papagaio
Em breve será vingada.
Se despediu de Jobão
E logo se arretirou
Então aquele malvado
No mundo aquilo espalhou
Que a mulher do general
Com ele se adulterou.
Foi aonde estava o rei
Aquele infame malvado
Jurou que a princesa
Tinha o esposo atraiçoado
Disse o rei até nem posso
Perdoar esse pecado.
Com quem ela o traiu
Disse ele foi comigo
A mulher do general
É meu maior inimigo
Ambos irão morrer
Sofrendo assim o castigo.
Você também vai morrer
Para não escandalizar
A mulher estava quieta
O que tinha que incomoda-la
Rei, foi ela a culpada
Seduziu-me com o olhar.
O rei anunciou
A morte do general
E a morte da esposa
Porque fora desleal
Pôs em luto dobrado
Quase em toda a capital.
A princesa inocente
De nada disso sabia
O papagaio calado
Nem cantava nem sorria
Pudor dela manchado
A mais santa que havia.
O general foi à guerra
Matou e desbaratou
O orgulhoso pagão
Prendeu e sub-julgou
Perdeu mais de 20 mil
Mas a pátria libertou.
Quando chegou encontrou
De luto todo o reinado
Sentia tais convulsões
Quase morreu assombrado
Ao saber que a esposa
O tinha atraiçoado.
Disse ele não acredito
Na infame traição
Minha esposa é uma santa
Não tem esse coração
Eu juro perante Deus
Foi outra ela não.
Disse o rei ao general
O senhor vai ser degolado
Respondeu o general
Senhor muito obrigado
Com isso queres pagar
Quem o fez libertado.
Foi preso o general
Trancado numa prisão
Então disse o papagaio
Já chegou meu patrão
Vai morrer enforcado
Sem a menor rendição.
Minha senhora não sabe
Que a dias foi traída
Tão santa tão inocente
Porém na rua é vendida
Vamos logo sem demora
Senão ele perde a vida.
A princesa quis correr
Descalça de pés no chão
Disse o papagaio calma
Tenha fé no Deus cristão
Que não desampara o justo
Com a sua proteção.
Saíram ambos avexados
O papagaio e a princesa
Sendo que era o guia
Sempre a guiar sua alteza.
Para onde estava o marido
Pois ela não tinha certeza.
Quando a princesa chegou
Que avistou o marido
Disse a Deus meu esposo
Meu belo anjo querido
Não calcule a saudade
Que por ti tenho sofrido.
Eu dou por vista meu anjo
Meu amor meu sumo bem
As que eu também sofri
Quando estive muito além
Eu vou morrer enforcado
Vieste morrer também?
Disse então o papagaio
A Deus meu belo senhor
Está preso inocente
Ia passar pela dor
Se não tivesse a teu lado
O mais justo defensor.
Disse o papagaio ao rei
Sua real majestade
Estas almas inocentes
Ignoram a maldade
Eu provo que é calúnia
É a maior falsidade.
Jobão irmão de Alvino
Esse falso levantou
Contra a sua cunhada
Dizendo que maculou
Jurou falso testemunho
E sua alteza acreditou.
O diabo dos infernos
Depois de ter atentado
Fez ele ver minha senhora
Na janela do sobrado
Por ser ela muito linda
Ficou ele enfeitiçado.
Foi ver se a iludia
Porém nada encontrou
Porque repeli a ele
Desenganado voltou
Por sua infelicidade
Com o diabo encontrou.
Esse o iludiu
Em troca do sangue dele
Porém não arrumou nada
Porque a ele repeli
Então o povo disse
Que papagaio é aquele.
O que eu digo eu sustento
Ninguém queira acreditar
Mas vou buscar o diabo
Para a história contar
Sub-julgado por mim
Ele não pode negar.
Pediu licença ao rei
Bateu asas e voou
Em menos de dez minutos
Com a velha ele chegou
Contar toda a história
O papagaio a obrigou.
Conta a história direito
Não quero ver covardia
Senão leva outra surra
Pior que a daquele dia
Eu te esmago a cabeça
Como esmagou Maria.
O diabo quis negar
Porém ele temeu
Contou amiudamente
Todo o fato que se deu
Quando surgiu a verdade
Logo a mentira morreu.
Disse então o papagaio
Entrega o sangue alheio
Perde esse mal costume
Pois ele é muito feio
Não vá mais caluniar
Senão te corto ao meio.
Aí o rei perdoou
O seu amigo leal
Logo no dia seguinte
Promoveu o general
Ofereceu de presente
A coroa imperial.
Disse Alvino obrigado
A mão do rei beijou
O papagaio nesta hora
Cantou sorriu e falou
Fez um discurso eloqüente
Que o povo se admirou.
Eu conheço o meu senhor
Quando ele foi batizado
No dia em que ele nasceu
Eu me achava encostado
A parteira que o pegou
Chamava Ana Machado.
Deste dia em diante
Dele não me separei
Sou testemunha ocular
Se precisar jurarei
Se já pecou contra Deus
Eu ainda não notei.
Os seus pais eram pobres
Gemiam falta de pão
Mas sempre resignados
Com o dever de cristão
Nunca usou indolência
Na hora da oração.
Minha nobre senhora
Eu vi quando nasceu
A sina que ela trouxe
Que o pai repreendeu
Sendo ela uma fidalga
Casar-se com um plebeu.
Mas aquilo que Deus faz
Ninguém pode desmanchar
Sendo sorte boa ou não
O homem tem que aceitar
Deus é quem nos domina
Ninguém o pode dominar.
Disse o papagaio ao rei
Reconheceu sua alteza
Deus só é que tem poder
No mais tudo é fraqueza
Mandou que o imperador
Pusesse a benção na princesa.
A princesa tomou a benção
E o rei se assustou
Logo reconheceu a filha
A ela abençoou
A rainha igualmente
Muito alegre ficou.
O rei abraçou o genro
Com a maior alegria
Quem chorava noutra
Naquela hora sorria
Só Jobão naquela hora
Arrependido gemia.
Disse o papagaio ao rei
Sua alteza real
Fez bem entregar a coroa
Ao seu genro marechal
Pois fará melhor justiça
Porque tem melhor moral.
O rei entregou a corte
Foi este ser imperador
Disse o papagaio manda
Chamar seus progenitores
Que choram todos os dias
Com saudade do senhor.
Olha eu não sou papagaio
Sou um anjo tutelar
O anjo de sua guarda
Que Deus mandou te livrar
Receba os quatro vinténs
Foi ao senhor entregar.
Até o dia do juízo
O papagaio murmurou
Dando um beijo na princesa
Bateu asas e voou
Foi grande a comoção
Que todo povo chorou.
Quando ele ia voando
Ia soltando muitas flores
E as flores só caiam
Sobre o colo dos senhores
Cantando um hino angélico
Oferecendo a Deus louvores.
Viram que o céu se abriu
Quando ele entrou
A princesa de saudade
Muitas lágrimas derramou
A saudade do papagaio
Nunca mais se acabou.
Graciana aos 16 anos leu um livro sem capa. Declarou hoje desconhece o autor, mas sempre se inspirou nestas histórias para valer seu olhar simplório para Jesus Cristo, o Deus de toda glória. Ensinou sempre aos mais jovens. Que embora gostem muito de as ouvir, nunca as aprenderam.
Graciana hoje com 79 anos de idade tem uma memória invejável, guarda na cabeça centenas de versos, orações e contos. Indiscutivelmente encantadora.
Essa história é aclamada
Por Graciana a contar
Mas quem da vida à história
É ela ao declamar
A pureza e o encanto
De tão singular figura
Encanta e impressiona
À mais bruta criatura.
Oito décadas de vida
E uma história sem igual
É um encanto com seus olhos
Pessoa fenomenal
Tia de João Damasceno
E avó de sua Cristina
É bisavó de Stela
Aquela doce menina.
Quanto encanto em Montes Claros
Quanta gente quanta história
Quantos sonhos aqui nasceram
Voaram buscando a glória
Quantos séculos desde a origem
Quanto tempo se passou
Foram quase quatro séculos
Desde seu desbravador.
O lento passo do tempo
Que ninguém pode alterar
É testemunha de tudo
Que aqui me ponho a contar
Desde Antonio e Ambilina
Até a presente data
Caminhando nessa história
Que cativa e arrebata.
No folclore desse povo
De uma vasta região
Água Fria, Alto Paraíso
E também em São João
São comuns as mesmas lendas
Cheias de fascinação
Personagens encantados
Feitiços e devoção.
Minha mãe ainda conta
Meus avós também contavam
Eventos misteriosos
Que muito impressionavam
Espectros sobrenaturais
Que fazendo traquinadas
Assustavam os moradores
Que não podiam fazer nada.
Segundo a tradição
Não eram eles fantasmas
Mas índios aqui nativos
Que com feitiços se encantavam
Tornavam-se invisíveis
Quando bem lhes aprouviam
Fantásticos e muito ágeis
Mais que um corcel corriam.
Antes da monocultura
Com seu império arruinante
As roças eram de toco
O equilíbrio constante
Cansativo era o cultivo
O fruto era abundante
Não se perdiam em depósitos
De um mercado oscilante.
Plantavam para se comer
E viver dignamente
Não como avaros mercenários
Num comércio indecente
Era uma era simples
De fartura e de labor
De alegria e pranto
Felicidade e dor.
Os índios eram chamados
Compadres pelos fazendeiros
Embora muito traquinos
Não eram muito encrenqueiros
Pois não buscavam a briga
Queriam se divertir
Assustando aquela gente
Que residia ali.
Das práticas desses espectros
Algumas vou destacar
Enchiam as estradas de árvores
Dificultando o passar
Nas trilhas em meio ao mato
Com o capim faziam laçadas
Que serviam de tropeço
Pra aqueles que as usavam.
Nos ranchos em meio à roça
Na hora de laborar
Alguém ficava cuidado
Pros índios não aprontar
Pois eles apagavam o fogo
Enchiam de cinzas as panelas
Faziam grande algazarra
Mas não causavam mazelas.
Nos pastos e nos currais
Os animais padeciam
Orelhas, crinas e rabos
Em tudo eles mexiam
Cortavam e amarravam
Depois soltavam distante
Deixando os donos dos bichos
A campear como errantes.
Gostavam de ser cortejados
E de receber presentes
Gostavam de leite e queijo
De fumo e de aguardente
Quem assim os tratava
Tornavam-se seus parentes
Recebiam seus agrados
E as artes eram ausentes.
Se enamoravam das moças
E as vezes as raptavam
Existe algumas estórias
De moças que não voltaram
Do mesmo modo que existe
Contos dizendo o contrário
De índias que eram raptadas
Já com um destinatário.
Entre muitas que existem
Há um caso nesta família
Que capturou uma índia
Com tamanha valentia
Usando de cão caçador
E muita determinação
Conseguiu pegar a índia
Que mordia como um cão.
Levou-se muitos anos
Pra conseguir amansa-la
Era ainda uma criança
Quando foi capturada
Com média de doze anos
Como bicho foi criada
Quando se tornou mulher
Já estava adaptada.
Os índios muito tentaram
A indiazinha resgatar
Não obtendo sucesso
Resolveram se vingar
Raptaram duas meninas
Dos moradores do lugar
Foi grande então a tristeza
O povo pôs-se a lamentar.
Episódios como esse
Por aqui são naturais
Diferem em alguns pontos
Mas na essência são iguais
Narram essa convivência
Entre os índios e o povo
Figuras que estão presentes
Na mente do velho e do novo.
Se são crendices ou fatos
É difícil se saber
Tem gente aqui que afirma
Que é verdade pra se crer
Afirmam serem descendentes
De índias capturadas
A avó de minha mãe
É uma destas citadas.
Entre os contos mais comuns
Estão a mula sem cabeça
E também o lobisomem
Monstros que aqui são homens
A mula sem cabeça
É um monstro que espanta
Ela sempre aparece
Durante a semana santa.
Ela é uma mula preta
Sem cabeça no pescoço
Onde era pra ter cabeça
Tem uma tocha de fogo
São as mulheres que em vida
Com os padres se enamoraram
Quando morrem não descansam
Mula sem cabeça se tornam.
O lobisomem aqui
É fruto de encantamento
É só aprender a oração
Pra se meter no tormento
Depois de achar um ninho de égua
Onde a pouco ela estava
Se espojar naquele ninho
E orar com fé declarada.
Mas tem que ser sexta-feira
Em noite de lua cheia
Pra cumprir o ritual
Tem que ter sangue nas veias
Porque é à meia-noite
Que a coisa se desencadeia
Corte os pulsos e beba o sangue
Completando a coisa feia.
É assim que qualquer homem
Pode virar lobisomem
Mas pra se manter vivo
Tem de matar sua fome
Sangue humano bem quente
Pra poder se saciar
Por isso o lobisomem
Necessita de matar.
Pois se ele deixar vivo
A presa que ele pegou
Este vira lobisomem
Pra matar seu criador
Pra matar um lobisomem
Lobisomem tem que ser
Ou então punhal benzido
Isso se o cabra crer.
Mas se saíres por aí
E um lobisomem encontrar
Enfie um punhal virgem
No seio do seu olhar
Isso não o matará
Mas muito o fará sofrer
Pois com esse simples golpe
Homem ele volta a ser.
Há também outros encantos
Bem comuns na região
São tesouros encantados
Guardados por assombração
Mané Veio do João Paulo
Filho de nosso Heitor
Antes que viesse à morte
Um tesouro encantou.
No João Paulo referido
Então sede de Mané
Ele fez esse encanto
Que eu conto como é
Ajuntou um grande tacho
Feito de ouro batido
Todo ouro, prata e bronze
Que trazia escondido.
Moedas e medalhões
Colares também anéis
Jogou tudo dentro do tacho
Mais de dez milhões de reis
Fortuna mui grandiosa
Que ele havia ajuntado
Trabalhando em sua terra
Que do pai tinha herdado.
Cavou na beira da cerca
Ao lado de um murundu
Enterrou sua fortuna
E encima plantou bambu
Passou o tempo e Mané
Ficou velho e faleceu
Quis guardar sua fortuna
Veja o que aconteceu.
Reza a crendice do povo
Que o dinheiro é amaldiçoado
E quem enterra dinheiro
Nele fica aprisionado
Não encontrando descanso
Nem aqui nem do outro lado
Vira uma assombração
Vivendo atormentado.
Pra se livrar do encanto
Só existe uma saída
É achar um homem valente
Que tenha a fé exigida
Pra encarar a assombração
E quebrar-lhe o encanto
Mas tem que ser corajoso
Pra não fugir de espanto.
Pois a assombração aparece
Nas mais distintas figuras
Que vêm sempre violentas
Sobre a tal criatura
Se ele lhes resistir
E for vencido por temor
Esse se torna herdeiro
Daquele que desencantou.
Mas se ele fugir com medo
Nada então herdará
E a pobre alma penada
Ainda mais vai esperar
Mané Véio enterrou
O tesouro que herdou
Por isso no seu tesouro
Aprisionado ficou.
Quem passa só no João Paulo
Em frente ao bambuzal
Vê a assombração do velho
Pedindo auxílio ao tal
Contudo se isso é verdade
Mané Véio é prisioneiro
Pois o bambu que plantou
É um gigantesco bambuzeiro.
Tem gente aqui que garante
Que lá já foi assombrado
Por figuras aterradoras
Correndo para o seu lado
Contudo faltou coragem
Pra esperar e herdar
Saíram apavorados
E não mais passou por lá.
São touros, lobos ferozes
Dragões, figuras pesadas
Quem vêm para assustar
Afim de ser libertada
Todos trazem a mensagem
Das almas aprisionadas
Que moram junto à fortuna
Que ali foi enterrada.
São estórias do folclore
Que alguns com segurança
Afirmam serem verdadeiras
Pra adultos e crianças
Só quem ouviu me entende
Só quem viveu acredita
Tudo isso é nossa gente
Essa geração bendita.
São João Batista aqui
É muito privilegiado
Patrono desta paróquia
É santo muito honrado
Quando chega o mês de junho
Já se tem a tradição
Tem quermesse tem novena
Em honra a São João.
Barracas em palha de coqueiro
Bandeiras, papel picado
Pipoca, quentão, canjica
Quadrilha e forró arrojado
Fogueiras, batata doce
Licores, milho assado
É assim que nossa gente
Festeja o santo adotado.
Quase todas as fazendas
Têm aí sua capela
Onde vivem sua fé
E ao seu Deus se revela
Os filhos de Rebendoleng
Mantêm-se fiéis à Jesus
Mesmo que alguns o traiam
Negando a sua cruz.
Em cada casa e família
Fagulha do polonês
Existe um homem de fé
Pra cumprir o pacto que ele fez
De honrar a Deus do céu
Pai de Jesus Salvador
Por isso em cada família
Tem ele um embaixador.
Que aos poucos vai se abrindo
Deixando o Cristo crescer
Tornando-se sal e luz
Para que todos possam crer
Católicos na maioria
Em minoria protestante
Há também os desgarrados
Que não se fazem orantes.
Vivem de outros credos
Que lhes são convenientes
Mas trazem em si a sede de Deus
Mesmo sendo negligentes
O Deus do céu tem poder
Ele vai nos ajudar
Um dia toda essa gente
Pra Jesus irá voltar.
Herdado dos primitivos
Antigos donos do chão
Os índios que aqui moravam
Antes da colonização
Costumes supersticiosos
Palavras, ritos pagãos
Mesclaram-se à fé
Dos filhos dessa nação.
Porém a religião
Está viva e segue bem
É fator determinante
Que toda a estirpe tem
Ainda que vacilantes
São tementes e de oração
Esperam em Jesus Cristo
Com amor e devoção.
Em louvor aos nossos santos
Exemplos que nos seduz
A viver a fé em Deus
E ser fiel a Jesus
Por todas as comunidades
Nos mais distintos dias
Têm rezas, festas e banquetes
Folias, muita alegria.
Uns devotam-se a Maria
Senhora da Conceição
Outros a Aparecida
Lourenço e Sebastião
Nossa Senhora do Livramento
De Fátima, de Abadia
Do Desterro e Rosa Mística
Santa Rita e Santa Luzia.
São José, pai de Jesus
Antonio e o Espírito Santo
São Francisco de Assis
Também tem aqui um canto
São Pedro e Paulo apóstolo
Agostinho e André
São santos aqui honrados
Exemplos de amor e fé.
O povo muito singelo
Traz a fé no coração
Sofrem as dores do dia-a-dia
Agarrados à religião
Têm nos santos intercessores
Um apoio na provação
Por isso eles são honrados
Com tanta admiração.
Com o lento passar do tempo
O mundo se transformou
Mudaram-se os pensamentos
Mudaram até o amor
Só deus ainda é o mesmo
Não se pode contestar
Por ser o grão criador
Ninguém o pode mudar.
Mudou o sonho do homem
Mudou o seu sentimento
Mudou o seu vestuário
Mudaram seus alimentos
Mudou seu coração
Mudou seu jeito de ver
Mudaram a religião
Mudou o jeito de crer.
O bonito ficou feio
O feio tornou-se belo
O sol hoje é cor de sangue
Já não é mais amarelo
Rompeu-se o limite humano
Com o deificar do homem
Mataram a tiro a amizade
E a verdade de fome.
O objeto virou gente
Gente virou objeto
Banalizaram o sexo
Extinguiram o afeto
Destruíram o carinho
E a sensibilidade
E moldaram a bel prazer
Nova sexualidade.
Sujaram o conhecimento
Insultaram a sabedoria
Exaltaram a insensatez
Com amor e idolatria
Pegaram todos os sábios
Passaram ao fio da espada
Sentaram no trono um tolo
A confusão foi armada.
Só se pode resistir
Que não temer o martírio
Ser fiel ao criador
E a Cristo seu único filho
Nem mesmo a natureza
Recebeu a anistia
A coitada e estuprada
Com total selvageria.
Mas Deus ainda é Deus
E espera com paciência
Dá tempo a seus vis herdeiros
Agindo com sapiência
Contudo o tempo é curto
A noite alta está
Temos que estar preparados
Pra hora que o sol raiar.
No mundo em que vivemos
Quem crê é discriminado
Quem espera em Jesus Cristo
De idiota é tachado
Não há espaço para a fé
Se ela é verdadeira
Mas se for de conveniência
A aclamam de primeira.
Mas nós que cremos em Cristo
Por vontade do Senhor
Não seremos confundidos
Viveremos no amor
Ainda que vacilantes
Entre tristeza e dor
Jamais estaremos só
É promessa do Senhor.
O amor que era a expressão
Do belo e também do bom
Sinônimos de Deus do céu
Agora mudou de tom
A qualquer futilidade
Desgraçantes porcarias
Dão o nome de amor
Com tamanha covardia.
Não conhecem o amor
Não sabem que ele é Deus
Por isso sempre é perene
Não muda como ao seus
Ele é sempre o mesmo
Genuíno em todas as expressões
Não é como são os homens
Doutores em confusões.
Termino aqui meu relato
Que não termina aqui
Como a vida segue o curso
Também ele vai seguir
Porém caberá a outro
Continuar a narração
Pra não deixar se perder
Nossa peregrinação.
A noite vai indo alta
O dia já vai raiando
Sinto o tempo mudar
O novo se aproximando
O universo terreno
Está em reorganização
Há conflitos efervescentes
Em cada palmo de chão.
O cheiro do novo dia
Exala por toda a Terra
A sede de um novo tempo
A todos os homens encerra
A humanidade em dores
Espera o parto vindouro
Onde a paz e a amizade
Sejam os mais nobres tesouros.
As trevas se empalidece
Diante da luz da vida
Que renasce em cada homem
Após ser tão agredida
Quem espera sempre sofre
Sempre sofre mas alcança
Quem viver verá feliz
Um tempo de bonança.
O amor que é ressureto
Agora faz ressurgir
No coração dos seus filhos
A sede de ser feliz
Os homens sentem saudade
Do tempo em que eram humanos
Mortais tementes e crentes
Em um Senhor soberano.
Já vejo o renascimento
Da fé da religião
Vejo o homem aprendendo
O valor que tem o perdão
Vejo o jovem a sonhar
Com o amor verdadeiro
E lutar pra ser bem mais
Que um objeto passageiro.
Vejo o ter perdendo força
Vejo o ser a reagir
Vejo nova ordem mundial
Lentamente emergir
Não me engano sei é lento
O processo é demorado
Sei que o joio é imponente
E não será arrancado.
Mas sei que joio e trigo
Podem juntos conviver
Porém o trigo não pode
Em joio se converter
Por isso vejo o que vejo
A ressurreição do ser
Que a tanto fora morto
Pelo domínio do ter.
Ouço um canto a ecoar
Em meio à sonora poluição
Que tornou o homem surdo
E cegou seu coração
São ainda em minoria
E assim sempre serão
Mas farão grandes mudanças
Cantando a mesma canção.
Canção que fala de vida
De amor e ressurreição
Canção que fala a verdade
Sem ódio nem pretensão
Canção que leva a amar
Sem nunca fazer distinção
De raça, credo ou cor
Costumes ou posição.
É esse o cântico novo
Da nova população
Que vem proclamar ao mundo
O tempo da redenção
Quem tiver ouvidos, ouça
Com carinho e atenção
A fé entra pelo ouvido
E habita no coração.
Já é tempo de amar
No rosto por um sorriso
Baixar as armas de guerra
Abrir-se a fazer amigos
Juntar-se aos novos homens
Na construção do novo mundo
Ainda que seja um sonho
E dure só um segundo.
Pois um segundo é o bastante
Pra quem crê na eternidade
Pois por ser ela o que é
É um segundo na verdade
Desejo a ti meu leitor
Amigo e meu irmão
Uma leitura feliz
E uma feliz redenção.
Deixo a estória em aberto
Pra se dar continuação
Pois pra glória de Jesus
De Rebendoleng satisfação
Daremos ao mundo o brilho
Ao homem nova direção
E como Deus não tem fim
Não terá fim essa geração.
Há de se imortalizar
Nas mãos do Senhor Jesus
Esta estirpe abençoada
A quem Ele ama e conduz
Ao velho Rebendoleng
Haveremos de nos juntar
E a glória de Jesus Cristo
Pra sempre iremos cantar.
Quer no céu ou quer na Terra
Deus sabe e o fará
Já disse e agora repito
Quem viver então verá
Saúde à humanidade
Pois somos todos irmãos
Entremos no novo dia
Cantando a mesma canção...
Ariano Suassuna.
Vozes do Cerrado, nem de longe se propõem uma obra literária, com os rigores literários, linguísticos, estruturais, etc, que normalmente constituem o gabarito normativo que orientam e definem uma composição textual. Quando surgiu a ideia de escrever as memórias e peripércias de uma lendária figura, que habita o imaginário familiar, em nenhum momento e em instância nenhuma do consciente, pululou o desejo de fazer literatura de qualidade ou almejar um Best-seller. Assim desse devanear serelepe e despretendido de um vadio ao sabor dos ventos suaves e refrescantes do Cerrado chapadeiro, entre um café quentinho com boa prosa e biscoito caipira, entre risos e cortes de intervenções múltiplas desabrochou em tom pueril e jocoso o desejo de compilar tantas possíveis histórias orais que ali se contavam e recontavam num eterna reinterpretação própria da oralidade. Achei aqueles contos lindos, me eram tão familiares, me falavam tanto com sua simbologia, com seus signos...
Dois amigos boêmios sóbrios de etanol e cia, mas ébrios de fome de arte, um artista plástico, tecido no seio do catolicísmo pagão, tão comum da laicidade sertaneja a viver o seu sincretísmo sem metria, cultivando ritos e mitos que não raras vezes, não se tem a menor ideia de onde eles brotam ou brotaram. O outro um falante e irrequieto comedor de sua cultura com toda a sua diversidade, amante das rimas e versos ignorante das regras e metrias e abençoado pelo contexto pós- moderno de uma poesia livre e sem amarras...
Decidiu-se ali que seria feito um livro como possível fosse, a partir de dois homens e uma multidão de falas, um guiaria, o outro ouviria, um escreveria o outro ilustraria e após, faríamos uma prece ao deus do momento que o materializasse de modo a não se esvair. E assim se fez, passamos dias de pena e folha à mão, caminhando por trilhas , grotas e macegas, na coleta de tantas histórias que fluíam de lábios, ora saudosos e penumbrados pelo matiz da saudade, muitas vezes incompreensível ou intraduzível, ora com um brilho místico e contagiante que se fazia combustível no redigir dos causos e prosas.
De um punhado de histórias por vezes sem sentido nenhum, mas permeadas de tantos sentidos quanto possa se atribuir a elas, surgiu uma narrativa em rimas e versos que prefiro não enquadrar em nenhuma denominação, mas que desde que se materializou cumpriu mais do que qualquer um sonhou ou quis quando se propôs a escrever, ouvir redigir, corrigir, editar e em fim ler...
Do querer ser imortal e driblar a morte, dando longevidade a um punhado de causos do sertão goiano, adentramos em campo tão amplo e diverso que o resultado foi o livro Vozes do Cerrado. Editado em numero limitado, mas infinitamente superior a qualquer propósito de seus idealizadores, lido por uma série de mestrandos e doutorandos da UNB e por um punhado mais de graduandos e graduados que sobre ele desejou pôr os olhos e apreciar o que esses estrofes poderiam ofertar-lhes em algum momento de leitura e distração. Não que o fato de o leitor ter graduação o redima de algumas imperfeições ou que o leitor letrado seja melhor que o iletrado, já que ler é um exercício que se poder fazer de muitos modos, mas fora lidos por gente da academia que o adotou como material de fundamentação de pesquisa e assim ampliou sua força de se fazer driblador da morte e também fora acolhido com amor e carinho de caipiras e lavradores e lavradoras sem letramento nenhum, ou de letramento rudimentar, que recebiam mais que um livro de versos e rimas, mas sim, um pedacinho de seu imaginário, de sua história, que nenhum historiador verificou como um fato histórico, mas que o amor à vida simples buscou meios de fazer com que outros ainda que pelas letras de uma poesia singela pudessem render lhes o culto de alguns instantes de leitura, um pequeno objeto para guardar, ler e referenciar-se quando alguém duvidar de seus causos e contos. “quem conta um conto aumenta um ponto” diz o provérbio do povo quantos pontos terei eu alinhavado no tecer da poesia e assim preenchido lacunas em nome de uma tal coerência narrativa? (mesmo inconsciente! Kkk) O fato é que agora já não é meu ou de João ou Jucelino é de todos e cada um que dele se ocupar. No mais agradeço a vida pelo Cerrado e ao Cerrado pela vida, com tudo que ela contém, pois viver no cerrado é aprender a reconhecer na feiura do bioma e na singeleza de sua biodiversidade o eterno mistério do belo no colo do feio, moldando vida e sonhos que se renovam e se eternizam na fala e no fazer da gente da chapada. Vozes do Cerrado é só uma pequenina gota de tanta beleza e vida que habita o “pai Cerrado” e sua família tão diversa.
Kiko di faria.
Apresentação
Não quero aqui lavrar a história como o dono da verdade. O intuito dessa obra é centralizar e explicitar ao leitor, a beleza, o encanto, a mística, a poética, os medos, os sonhos, os credos, as crendices e lendas de um povo simples e humilde, com sua vida fantasiosa e sofrida. Povo que é o resultado da miscigenação entre poloneses e mineiros do século dezoito.
No período pré-bandeirantes no Planalto Central, um grupo de desbravadores invadiu o nordeste de Goiás, se instalando nestas terras, Aí, se firmaram e construíram uma história.
Queremos de maneira despretensiosa, com a finalidade única de registrar a cultura local e edificar a árvore genealógica de uma família que descende de um dos mais antigos personagens da região, o desbravador polonês, Antonio RebendolengSzervinsk. O que é história se mistura com as lendas. E a insuficiência de subsídios, torna o apurar dos fatos uma utopia e o historiar científico, um desafio impossível.
Contudo o nosso intuito é de modo simples e laico tornar imortal, ou pelo menos prolongar a memória desse povo, de modo que a voraz mão do tempo não dê fim a todos esses séculos de sonhos e história, como tem feito até agora.
A cultura de um povo é: sua face, sua memória, sua raiz e sua força.
Joaquim Teles de Faria
Introdução
Tudo que aqui contém, é fruto de pesquisas baseadas em conversas com os cidadãos mais velhos que descendem de Antonio Rebendoleng Szervinsk e sua esposa Ambilina, adicionado ao meu fiel desejo de recriar a história de um povo, que é nada mais que minha família.
Usando o sistema de rimas, que é próprio na região, rica em cantadores de modas, cantorias e catiras, narro em forma de versos, a vida de um povo que é uma verdadeira poesia. Adiciono à história familiar ingredientes regionais que enriquece o texto, conferindo-lhe um hilário caráter folclórico.
Desfrutem bem o texto, e tenho certeza que irão se encontrar nessa história, onde o real e o fictício não se fazem distintos.
Meu conto em forma de canto
É canto em forma de conto.
Que vem contar como eu conto
O conto que me ensinaram.
Não canto porque não canto
Não por não querer cantar
Mas pra vocês vou contar
O fato que me contaram.
Nas terras do velho mundo
Num mundo sempre a mudar
As guerras e os pensamentos
O mundo a dominar
Guerreando em pensamentos
Sem a espada empunhar
Ou empunhando a espada
Sem parar para pensar.
O romanismo acabou
Deixando o mundo em caos
O seu império passou
Não sei se foi bem ou mal
Os poderosos da Terra
Cada qual com seu sinal
Buscaram construir seu reino
Com barbarismo total.
Para obter prestígio
E se apossarem da Terra
Lançaram-se na guerrilha
Lutando como as feras
Os gigantescos reinados
Não tinham hegemonia
E a guerra era constante
Por causa da tirania.
Os Avaros Reis da Terra
Querendo sempre ter mais
Fizeram do mundo um covil
De violentos chacais
Fera engolindo fera
Era o retrato de então
Parecia não ter fim
Tamanha desolação.
Até a religião
Que é fator tão inerente
Lançou-se em consternação
Numa contenda indecente
Era credo contra credo
Era crente contra crente
Ganharam assim combustível
Os choques já existentes.
Os senhores pensadores
Com suas filosofias
Declararam-se contrários
À régia teologia
Então as religiões
Caíram em contradição
Apregoavam o amor
Mas massacravam o irmão.
Até o catolicismo
Religião dos cristãos
Atropelaram o Cristo
Em nome da dissensão
Partindo pra ignorância
Foi grande a desolação
Irredutíveis pra sempre
Fixaram a divisão.
Dos existentes conflitos
Conflitos novos surgiam
Pensamentos e doutrinas
Em número e gênero cresciam
E as massas já existentes
Quanto mais se conciliavam
Expressavam-se e se explicavam
Tanto menos se entendiam.
Ásia, África e Europa
Oriente e Ocidente
Nações pouco populosas
Mas bastante divergentes
Farinha de um mesmo saco
Que agora se estranhavam
Comiam no mesmo prato
Depois se digladiavam.
Assim foi por muito tempo
Passou-se séculos demais
E as soluções que surgiam
Não se faziam eficazes
Mas existiam exceções
De algumas poucas famílias
Que pereciam em tortura
Porém não se corrompiam.
Do seio dessas famílias
Em tempo de desesperança
Onde estavam em conflito
A Inglaterra e a França
Entrou na guerra a Polônia
Por causa de uma aliança
E os varonis poloneses
Se acharam em desventurança.
O sangue humano na terra
Corria em grandes torrentes
Fruto robusto dos atos
Dos homens inconseqüentes
Com causas pra lá de fúteis
Avaros e egoístas
Matavam a humanidade
Pra alcançar a conquista.
Foi no século dezoito
A data exata eu não sei
Um valoroso guerreiro
Desobedeceu a seu rei
Não aprovando a guerra
E o massacre do seu povo
Esse jovem polonês
Tomou o caminho novo.
Dissidente destemido
Reuniu os seus soldados
Explicando seu propósito
Conquistando aliados
Mas se achou em apuros
Com seu rei revoltado
Que queria seu escalpo
Por ter sido ignorado.
Os tementes aliados
Preferindo obedecer
Desistiram da dissensão
Com medo de perecer
Ficou o jovem guerreiro
Sem terra pra se apoiar
Se não morresse na guerra
O rei iria matar.
O guerreiro dissidente
Pra não cair em perdição
Sendo ele muito crente
Recorreu à religião
Orou com fé e esperança
Pedindo ao seu defensor
Que lhe mostrasse um destino
E o levasse com amor.
Se recusara a matar
E agora a morte o queria
Só lhe restava fugir
Quer de noite ou de dia
Mas ao Deus que ele orou
Sua oração chegou
E pra esse peregrino
Jesus Cristo então olhou.
Estando o jovem guerreiro
Perambulando sozinho
Encontrou-se com um velho
Que há tempos foi seu vizinho
Era um velho marinheiro
Desbravador destemido
Que sairia em viagem
À rumos desconhecidos.
Beberam numa taberna
E o jovem foi convidado
Pra se fazer desbravante
Com o velho entusiasmado
Ele tentou exitar
Porém tudo conspirou
Sem tempo para pensar
Com o velho ao mar se lançou.
Nem bem haviam partido
O velho e seu novo amigo
Chegou à taberna o exército
Que o jovem havia seguido
Escapou por um milagre
O destemido varão
Não despediu de seus pais
Nem lhes pediu suas bênçãos.
Naquele velho navio
Achou acomodação
Rezou e deitou-se exausto
Sentindo o seu coração
Pensou na família
Os seus pais e seus irmãos
Temeu e chorou sozinho
Em meio à tripulação.
Muitos meses de passaram
E o navio a singrar
Fortes ventos o levava
A deslizar sobre o mar
Quanta água e silêncio
Naquele mar infinito
O céu em azul profundo
No mar era mais bonito.
Aquele jovem singrando
Aprendia sobre o mar
Esperava a terra firme
Com a ânsia de chegar
Não sabendo que o destino
O queria experimentar
Preparava-lhe um tropeço
Que iria lhe provar.
Noite alta em pleno mar
Céu azul-negro estrelado
Numa cadeira singela
O jovem ia sentado
Contemplando a visão
Que num instante mudou
Tempestade violenta
Sobre o mar se formou.
O mar sereno de outrora
Converteu-se em confusão
Ondas fortes e violentas
Rugiam como leão
Sacudindo o velho barco
Aquele vento apressado
Causava grande transtorno
Deixando o jovem assustado.
O velho lobo no leme
Com o velho barco dançava
Sentindo os braços do vento
Em tom profundo gritava
Avante homens lutemos
Que o mar está furioso
Tantas vezes o vencemos
O venceremos de novo.
Uma rajada de vento
Um raio e um trovão
O mastro partiu-se ao meio
Quando veio o clarão
Descendo com violência
Fez no convés uma fissura
Três horas de tempestade
Três horas de amargura.
A tempestade passou
O mar foi se acalmando
Nisso o sol radiante
Já ia se levantando
A aurora o anunciava
Com seu tom avermelhado
E o velho barco estava
Totalmente arruinado.
Quando o sol iluminou
Toda extensão do mar
Se fez visível a ruína
Que era de impressionar
O velho estava no leme
E os dois estavam no chão
O velho havia morrido
Com o leme em suas mãos
O barco muito quebrado
Não dava pra ser consertado
Sem velas não se movia
Os homens estavam ilhados
Tantos dias estagnados
Com a comida acabando
Esperavam um socorro
E o medo ia aumentando
Começaram a brigar
Por água e por comida
Em meio ao desespero
Muitos perderam a vida
Alguns queriam remar
Buscando retroceder
Alguns queriam esperar
O socorro aparecer.
O jovem quis opinar
Mas a briga foi armada
Brigavam a punho livre
E também com a espada
O jovem se aproveitou
Lutando pra não morrer
Lançou-se sozinho ao mar
Remando num escaler.
Levou consigo a água
A comida e uma espada
Se pôs a remar com afinco
Sem rumo para a jornada
Quinze dias de passaram
Acabou-se a provisão
Restou um barril de água
E a espada em suas mãos.
Mais quinze dias de mar
Tomando água apenas
Parecia a eternidade
Aquela simples quinzena
A água era regrada
Um dia sim o outro não
Era quase um suplício, essa tal situação.
Mas o Deus a quem recorrera
Aquele jovem soldado
Embora aparente ausência
Estava ali do seu lado
Veio lhe impondo à prova
Sem nunca o abandonar
Pois bem próximo a
Uma ilha ele veio naufragar.
Na ilha havia um navio
Que ali estava em missão
Buscando madeira boa
Pra fazer embarcação
Levado pela maré
Na praia fora deixado
Os homens desse navio acharam
O jovem soldado.
A filha do capitão
Que ao náufrago encontrou
Chamando os homens depressa
Para uma tenda o levou
Por sorte estava com vida
E dele ela então tratou
Três dias de muita febre
No quarto a febre passou.
Recobrando a consciência
O jovem nada entendeu
Achava que estava morto
Aquilo ali era o céu
Porém aquela donzela
Que logo lhe apareceu
Com triunfante sorriso
Narrou-lhe o que aconteceu.
Embora muito abatido
Pelos maus tratos do mar
O jovem cheio de vida
Logo quis ajudar
Por ordens do capitão
A pedido da menina
Teve ele que aceitar
Os serviços da cantina.
Quando a obra se cumpriu
Foi falar-lhe o capitão
Deixou-lhe a par das coisas
E deu-lhe uma direção
O navio estava indo
Para Europa Central
Era a chance perfeita
De voltar ao chão natal.
Porém aquele soldado
Não desejava voltar
Queria o novo mundo
Do qual ouvira falar
Por sorte aquele navio
Estava vindo de lá
América é seu nome
Disse o velho a gargalhar.
Lançando mão de um escaler
E de muita provisão
Se dirigiu ao rapaz
O generoso capitão
Falou com entusiasmo
Lhe indicando a direção
Disse é um longo percurso
Haja determinação.
O jovem com um sorriso
Agradeceu a cortesia
Lançou-se no mar
Alegre e com tamanha euforia
Sonhando com o novo mundo
Partiu remando sozinho
Menosprezando os perigos
Que houvesse pelo caminho.
Após semanas de remos
E de cansaço sem fim
Ao longe viu uma praia
O paraíso enfim
Com renovado vigor
Pôs-se o jovem a remar
E antes do sol se por
A praia veio alcançar.
Estendeu-se sobre a areia
Sentindo-se vitorioso
Havia enfim alcançado
O almejado mundo novo
Sentiu a vida fluir
Viveu a ressurreição
Lembrando do seu Senhor
Ali se pôs em oração.
Andando em meio à relva
Daquele solo estrangeiro
Comia fruto silvestre e
Andava o dia inteiro
Perdido andava a esmo
No meio daquela mata
Achou então uma trilha
Que a atenção lhe arrebata.
Seguia aquela trilha
Com redobrada atenção
Buscando rastros e marcas
Pra lhe servir de direção
Andando o dia todo
Desembarcou num areal
Se alegrou de espanto
Achara um arraial.
Sentou-se de fronte às casas
Debaixo de um pequizeiro
Mas fora surpreendido
Por um estranho guerreiro
Um jovem forte e robusto
Com o corpo todo pintado
Com uma lança nas mãos
Levou-o aprisionado.
Com gritos apavorantes
O jovem chama os demais
E num segundo o povoado
O olhava como chacais
Temendo e sem entender
Aquilo que estão falando
Tenta o jovem argumentar
Mas vão logo o agarrando.
Agora atado a um poste
No meio do povoado
Sente a morte a lhe abraçar
Lhe dando um beijo amargo
Aquele estranho povo
De linguajar complicado
Começa um estranha dança
Um ritual engraçado.
O jovem então entende
Que será sacrificado
Então recorre a Jesus
Com coração devotado
Diz ele em seu coração
Jesus meu bom Senhor
Já me livraste no mar
Escutai meu clamor.
Não me abandone agora
Nas mãos desses canibais
Que me atacam com fúria
Maior que a dos animais
Mandai-me o Vosso socorro
Livrai-me dessa maldade
Que eu te honrarei meu Deus
Por toda a eternidade.
Serei um homem de paz
Um homem de oração
E a minha descendência
Vos dará dedicação
Seremos pra Vossa Glória
E pra Vossa adoração
Mostrai-me Vosso poder
Dai-me Vossa salvação.
No meio da grande roda
De olhos fechados estava
Orando a Jesus Cristo
Contrito se encontrava
Mas de repente um silêncio
Se fez naquele momento
Pensou no grande martírio
Temeu aquele tormento.
Pensou por alguns instantes
Recobrando a valentia
Se tinha mesmo que morrer
Com honra então morreria
Abriu os olhos e sorriu
Não contendo a alegria
Viu ali uma figura
Que há muito tempo não via.
Era um padre Jesuíta
Que ali se encontrava
Então o jovem gritou
Como há muito não gritava
Me socorre reverendo
Salvai este pobre irmão
Sou um náufrago polonês
Sou temente, sou cristão.
Fazendo sinal pros homens
Como pedindo permissão
Aproximou-se o padre
E falou em alemão
Que fazes aqui meu jovem
Sabes que será comido?
Disse o jovem me liberte
E pra sempre será servido!
Sorriu o grisalho padre
E saiu sem dizer nada
O jovem sem entender
Sentiu perder a parada
Passou lenta a longa hora
E o padre então retornou
Um homem muito enfeitado
Ao padre acompanhou.
Chegou junto ao prisioneiro
Sorriu e o libertou
Lhe devolveram a espada
E o padre o carregou
Junto ao um imenso Ipê
O jovem se alimentou
Montou num belo corcel
Que o padre lhe indicou.
Partiram em grande silêncio
E em silêncio chegaram
Dormiram o resto da noite
E cedo se levantaram
Então perguntou o padre
De onde vens, qual teu nome?
O jovem sorriu e disse
Sou o mais grato dos homens!
Meu nome é Antonio
Sou europeu da Polônia
Venho buscando a vida
Pra não morrer na vergonha
Foi em solo polonês
Que nasci e me criei
Ando levado por Cristo
Onde parar eu não sei.
Vim fugindo de meu rei
Que me queria matar
Porque eu me recusei
Sangue inocente derramar
De mocinho a vilão
Foi fácil me transformar
Bastou aos seus exageros
Uma só vez contestar.
Assim a passo miúdo
Contou todo o ocorrido
Mostrando por quantas vezes
Jesus lhe tinha valido
Se dispôs servir ao padre
Por ele lhe ter salvado
Disse que foi Jesus Cristo
Que o tinha enviado.
O padre lhe disse filho
Jesus é nosso Senhor
E Ele se faz presente
Onde existe o amor
Socorreu-te porque crês
E a ele recorreu
Bendito e Louvado seja
O santo nome de Deus.
Eu também sou polonês
Mas sou padre alemão
Fui enviado por Roma
Pra cumprir uma missão
Mas também fui perseguido
Pelos meus próprios irmãos
Então tomei um navio
E vim pra essa Nação.
Isso é um continente
Muito rico e muito grande
E está sendo saqueado
Tomado de seus habitantes
Aqueles índios nativos
Que a ti aprisionaram
Foi por confiar em mim
Que eles te libertaram
Prometi-lhes aguardente
E uma bela viola
Comida e arma de fogo
E um pouco de roupa nova
Mas não poderei cumprir
Pois nada disso eu tenho
Por isso vamos embora
Que esse povo é ferrenho.
Se quando aqui chegarem
Nos pegarem desprovidos
Nos matam sem piedade
Por causa de eu ter mentido
Mas não havia outro meio
Pra salvar a tua vida
Que Jesus me dê o perdão
Por obra tão atrevida.
Saíram do acampamento
E fugiram pra cidade
Foram se refugiar
No meio da caboclagem
Era o porto baiano onde
Os navios chegavam
Por isso ali os nativos
Muito pouco circulavam.
De modo que já seguros
Se puseram a trabalhar
O jovem ia aprendendo
Vendo o padre a ensinar
Catequese aos nativos
Muitas missas pra rezar
E aquele valente jovem
Servia sem reclamar.
Foi quando um grande navio
Lá de Portugal chegou
Trazendo provisões e
Escravos para o labor
Foi aí que dos nativos
Padre Justo se lembrou
Conseguiu o que prometera
E à aldeia retornou.
Mesmo arriscando a vida
No meio da indiaiada
Entregou o que prometera
Em quantia redobrada
Se desculpou com o cacique
Explicando a situação
Ele cheio de aguardente
Concedeu-lhe o perdão.
Pernoitaram na aldeia
E o padre ensinava
Os índios a tocar viola
E a todos impressionava
Alguns dos índios da aldeia
Muito bem se destacaram
E professor de viola
Aqueles dois tornaram.
Todo mês eles passavam
Uma semana na aldeia
Ensinando aos nativos
Que preciso que se creia
Em um Deus uno e presente
Na vida de cada homem
É Ele quem nos dá o pão
E mata toda a fome.
Ensinavam e aprendiam
Daquela nobre cultura
Que do seu jeito nativo
Era cheia de fulguras
Índios sapienciais
Tementes embora ingênuos
Via o padre a se cumprir
O evangelho aos pequenos.
Voltando da Aldeia um dia
O velho padre caiu
O cavalo se espantou
E num pulo o sacudiu
Veio ao chão sobre o pescoço
Que na hora se quebrou
Chorando seu jovem amigo
Ali mesmo o sepultou.
Agora desconsolado
Sozinho sem seu senhor
Sentiu-se desobrigado
Daquilo que lhe jurou
Apanhou o que o padre tinha
E tudo o que dele ganhou
Jogou em cima da sela
E para seu destino marchou
Andou por dias sem fim
Desbravando esse Brasil
Chegando em Minas Gerais
Mostrou-se mui varonil
Conseguiu algum dinheiro
Trabalhando de mineiro
Mas logo seguiu viagem
Pelos sertões brasileiros.
Chegou até Pinhuí
Um povoado mineiro
Lá conheceu uma moça
De um povo hospitaleiro
Que o acolheu alegres
Mesmo sendo um estrangeiro
Deram-lhe cama e comida
E não aceitaram dinheiro.
Um povo muito devoto
Um povo muito cristão
Viviam a caridade
E o amor ao irmão
De origem polonesa
Mantinham a tradição
Achou um pedaço de casa
Nesse pedaço de chão.
Martinho era o nome
Do então anfitrião
Desbravador destemido
Dominava a região
Se afeiçoou a Antonio
Tomando-lhe simpatia
Contou-lhe sobre seus planos
Os sonhos que ele trazia.
Antonio também contou-lhe
Tudo que lhe ocorreu
De como aqui chegou e
Do padre que morreu
Queria aquele jovem
Firmar-se em algum lugar
Contrair uma família
Ter filhos para carinhar.
Em vista de nada ter
Queria então trabalhar
Pra construir seu sonho
Razão do seu respirar
Martinho criava gado
E cultivava a terra
Acolheu então Antonio
Que só sabia das guerras.
Cinco anos se passaram
Desde que ali chegou
Aprendeu cuidar da terra
Tornando-se agricultor
Aprendeu cuidar do gado
Mostrando ser bom pastor
Pela filha de Martinho
Antonio se apaixonou.
Um dia então decidiu
De Ambilina pedir a mão
Falou então com Martinho
Que mostrou satisfação
Na capela de Pinhuí
Foi bela a celebração
Ficou noivo de Ambilina
A dona do seu coração.
Porém para desposá-la
Queria ter terra sua
Por isso se empreendeu
Numa grande aventura
Se uniu a outros homens
De destemor sem igual
Saiu desbravando as terras
Rumo ao Planalto Central.
Percorreram muitas
Terras em todas as direções
Eram terras devolutas
Gigantescas extensões
Cada um se apossava
Daquilo que lhe aprovia
Firmavam suas fronteiras
E ali se estabeleciam.
Antonio se aproximando
Daquela elevação
Encontrou terras fecundas
E rica vegetação
Firmou ali os seus sonhos
Saiu fazendo picadas
Demarcou a sua posse
E seguiu sua jornada.
Ajudou seus companheiros
A firmar-se onde queriam
Depois retornou à Minas
De onde a tempos saíram
Contou então empolgado
As descobertas que fez
As terás que conquistaram
Pra onde iria de vez.
Martinho muito contente
Marcou o casório então
Logo após o casamento
Se deu a deslocação
Antonio partiu com esposa
Acompanhado do sogro
Que queria conhecer
Esse território novo.
Doou para o nobre genro
Gado, porco e galinha
Cachorro bom e caçador
Um pouco do que ele tinha
Chegando naqueles montes
Todos muito encantantes
Contemplou o raiar do dia
Uma cena radiante.
Chamou-a de fazendinha
Pela beleza do dia
Conheceu a região
Com seu genro e sua filha
Era grande a extensão
Das terras que eles teriam
Pra conhecer toda ela
Levariam muitos dias.
Então deixou o propósito
De numa outra ocasião
Voltar com sua família
Sua esposa e seus irmãos
Passar ali alguns dias
Conhecendo a região
Que paisagens naturais
Tinham em ostentação.
Aquele jovem casal
Com uns poucos empregados
Se lançaram no trabalho
Plantando e criando gado
Plantando ali seus sonhos
De verem prosperidade
Criaram grande família
Vivendo em simplicidade.
No primeiro ano ali
Veio o primeiro herdeiro
Um varão forte e bonito
Que seria fazendeiro
Orgulho do velho Antonio
Da mãe o filho amado
Pelo nome de Heitor
O bebê foi batizado.
Com espaço de um ano
Tiveram nova alegria
Aquilles filho mais moço
Com saúde ali nascia
Rebendoleng e Ambilina
Riam de satisfação
Pois a família agora
Recebe novo varão.
Do casamento de Antonio
Só dois filhos vieram à vida
Crescendo muito saudáveis
Jamais fugiam da lida
Foram educados na fé
De seu pai crente fiel
Que nunca esqueceu do pacto
Que fez com Jesus no céu.
Todo ano tinha festa
Em honra ao salvador
Também os santos da igreja
Ali ganhavam louvor
Oravam a Nossa Senhora
Também ao nosso Senhor
Ali não tinha desgraça
Pois Cristo os abençoou.
Do velho mundo Antonio
Guardava só a lembrança
A velha casa paterna
O seu sonho de criança
Quando lembrava de casa
As vezes até chorava
Mas seu amor Ambilina
Num abraço o consolava.
Da vida na Europa
Antonio muito contava
As suas muitas façanhas
A todos impressionava
Porém os seus resultados
Ninguém não imaginava
Viriam se tornar lendas
Por gerações recontadas.
Em versos bem metafóricos
Contava Antonio então
Os seus apuros no mar
A fuga de sua nação
Os naufrágios que sofrera
Na imensidão do mar
As intervenções de Deus
Que vinha pra lhe salvar.
Antonio Rebendoleng Szervinsk
Teve dois robustos filhos
O mais velho era Heitor
O mais moço era Aquiles
E foi desses dois varões
Homens fortes e capazes
Que uma multidão de gente
Povoou essas paragens.
Heitor tomando esposa
Quatro filhos recebeu
Três homens e uma menina
Presentes que Deus lhe deu
Antônio – (Totó), Manoel e José
Homens de bem
Católicos como os avós
Delfina era também.
Aquiles e sua esposa
Sete filhos viu nascer
Cresceram todos saudáveis
Sem nenhum vir a perecer
Pedro Alcides o primeiro
Delfino Joaquim e João
Paula Joana e Meloca
São estes os sete irmãos.
O velho Rebendoleng
Como era conhecido
Dividiu seu patrimônio
Com seus dois filhos queridos
O sonho do velho Antonio
O polonês desbravador
Enfim fora alcançado
Como tanto ele almejou.
Veio fugindo da morte
Aqui Deus o abençoou
Casou-se ainda jovem
Com Ambilina seu amor
Se apossou de muitas terras
Onde ele se firmou
Agora velho em idade
Se sente um vencedor.
Heitor com sua família
Herdou seu lado querido
João Paulo, Criminoso
Pontizinha e Alto Paraíso
Nomenclatura atual
Das paragens do passado
Onde o valente Heitor
Pra sempre fora instalado.
Os netos do velho Antonio
Filhos de seu filho Heitor
Cada um montou sua sede
Na parte que lhe tocou
Delfina com sua família
No Criminoso ficou
Família grande e saudável
Nesta terra ela criou.
Manoel chamou João Paulo
O pedaço que herdou
Constituiu família grande
E pro João Paulo se mudou
Nesse pedaço de chão
Vivera e fora enterrado
Hoje pertence aos herdeiros
Esse chão abençoado.
As terras que José herdou
Pontizinha ele a chamou
Lá montou a sua sede
Onde se enraizou
Nesse pedaço de chão
Sua história ele escreveu
E lá fora sepultado
Como foi desejo seu.
A antiga Veadeiros
Hoje Alto Paraíso
Fora herdada por Antonio
De Heitor caçula querido
Então Antonio Totó
Como era conhecido
Herdou com satisfação
O chão que lhe era querido.
Os filhos do velho Heitor
Formaram grandes famílias
Foram muito abençoados
Seus filhos e suas filhas
Viveram prosperidade
Em meio ao duro labor
Enfeitaram sua história
Com paixão e com amor.
Aquilles do lado oposto
Com seus sete herdeiros
Se instalou entre as Brancas
A Caristia e o Ribeiro
O velho Antonio que é
O mesmo Rebendoleng
Permaneceu na fazendinha
Com sua doce pequena.
Os descendentes de Aquilles
Que muita terra herdaram
Montaram as suas sedes
Onde então se instalaram
Joana e Pedro Alcides
No pedaço que herdaram
Fizeram as suas sedes
Montes Claros a chamaram.
Delfino que é o mesmo Deco
Se instalou na Carestia
Achou uma bela esposa
E ali constituiu família
Joaquim, João Paula e Meloca
Juntando os quatro herdeiros
Formaram uma mesma sede
E deram o nome de Rebeiro.
Por causa dos ribeirões
Que por ali existia
Rebeiro ainda é nome
Que lhe chamam hoje em dia
Do velho Rebendoleng
São estes os filhos primeiros
Mas veremos como rendeu
Os filhos desses herdeiros.
Em meio à Fazendinha
Nome que a sede ganhou
Bem acessível aos dois filhos
O velho Antonio ficou
Ali com sua Ambilina
Viveram por muitos anos
Nascendo netos e bisnetos
Viu seu povo aumentando.
Nas tardes de solidão
A família se reunia
Histórias mirabolantes
Muito atentos eles ouviam
O velho Rebendoleng
E sua esposa amada
Contavam a sua vida
Com emoção declarada.
Contavam seu grande amor
E as duras dores da vida
Falavam sobre o labor
E a luta sendo vencida
Pregavam a fé em Deus
Em Cristo o nosso Senhor
Choravam e se emocionavam
Com o tempo que passou.
Ensinavam à família
O catolicismo herdado
Pregavam um Cristo vivo
Que já haviam provado
Rezavam sempre em família
Faziam rezas e folias
Era sua devoção
Sinal de que eles criam.
Simplórios e muito místicos
Eram até supersticiosos
Mas sempre com fé em Cristo
Mostravam-se corajosos
Os padres que eram poucos
Naquela ocasião
Passavam de vez em quando
Quando saiam em missão.
Batizados e casamentos
Que eram de devoção
Quando o padre aparecia
Se fazia em mutirão
Sofriam a longa espera
Com o coração nas mãos
Mas não perdiam a fé
Que já era tradição.
Isso conta o velho Antonio
Com muita satisfação
Os seus olhos chega brilham
De saudade e emoção
Ambilina ali do lado
Tomando café quentinho
Confirma suas histórias
E acrescenta um pouquinho.
Fala de sua família
Do encontro com seu amor
Daquilo que ela sentiu
Do dia que se casou
Antonio sorri feliz
Com seus netos a derredor
Agradece ao seu Deus
Por nunca mais ficar só.
Os causos vão noite adentro
Brincadeiras vão surgindo
O que é o que é, Boca de forno
E a criançada sorrindo
É convívio de família
É uma família feliz
O velho Rebendoleng
Conseguiu o que tanto quis.
Vencidas pelo cansaço
Dominadas pelo sono
Pouco a pouco a criançada
Deixa o avô no abandono
Muito lento se levanta
Pro seu leito vai contente
Encontrar com Ambilina
Que sempre foi tão presente.
Conversam, pensam na vida
Relembram do seu passado
Nas vitórias e conquistas
Estiveram lado a lado
Se olham e se beijam
Faz silêncio prolongado
Depois os dois de envolvem
Num abraço apertado.
Das histórias que contavam
Algumas se eternizaram
Ganharam ingredientes
E um fascínio lendário
Registro algumas delas
Que ouvi com atenção
Enquanto Tia Marcela
Me contava com emoção.
Contando-me a valentia
De Antonio seu bisavô
De como empunhando a espada
O mar ele atravessou
Sozinho num escaler
Sem ter água e sem ter pão
Alcançou por um milagre
A nossa nobre nação.
De como Rebendoleng
Da perseguição fugia
De como encurralado
Sem fuga se viu um dia
Pra não morrer ali mesmo
Peripécia singular
Teve ele que fazer
Para a vida conservar
Só ele e a montaria
Pelos soldados cercados
A sacrificar o cavalo
Se viu ele obrigado
Matou o pobre animal
E seu ventre abriu
Enterrou suas entranhas
E em seu ventre se inseriu
Ajeitou o animal morto
Pra esconder a fissura
E escondido em seu ventre
Agüentou a desventura
Ouvindo seus inimigos
Rosnando bem do seu lado
Sentiu que ali a morte
O havia derrotado
Mas como sempre afirmava
Deus a ele foi fiel
Dispersou seus inimigos
Que rodeavam o corcel
Seguindo a esmo a busca
Deixou ali o procurado
Que no bucho do cavalo
Havia se entrincheirado
Agüentou esse tormento
Como outros que viriam
E por obra do Altíssimo
A todos sobreviveria
Pra trazer para o cerrado
Essas peripércias suas
Que enchem a alma de sonhos
Como ao sertão enche a lua
Pelágio também contou
Estórias aventureiras
Do velho desbravador
Em sua missão primeira
Lá no pico do estado
Onde hoje é Tocantins
Enfincada em uma palmeira
Abandonou a espada enfim.
Fez desse ato seu marco
Seu marco na região
Onde faria história
Com a sua geração
Hoje nos restam as lendas
Os contos pra imaginar
O que é fato ou crendice
Não se pode separar.
Contudo essas histórias
Que remontam um passado
Encanta e faz sonhar
Com tempos já enterrados
Descrevo a genealogia
De Antonio e Ambilina
Seus mais velhos descendentes
Com os seus sonhos e sinas.
José de Sales Monteiro
Morador da região
Casou e teve um filho
A quem chamou de João
João Damasceno Sales
Por causa da devoção
A São João Damasceno
Santo de predileção.
Damasceno Sales agora
Tornara-se sobrenome
E viria a ser herdado
Por uma multidão de homens
João gerou a Izabel
Também Damasceno Sales
Gerou também a José
Eustáquio e Leocádia.
Foi assim que lentamente
A rede fora trançada
Primo e primo se casando
Gerando a parentada
Pedro Alcides Szervinsk
Casou-se com Izabel
João Damasceno Sales
Fez gosto e fitou o céu.
José desposou Bernarda
Leocádia a um forasteiro
Eustáquio casou com a prima
Joana de Sales Monteiro
Há outros descendentes
Que se casaram na região
Mas são estes quatro ramos
Que nos chamam a atenção.
Izabel e Pedro Alcides
José e sua Bernarda
Leocádia e João da Cruz
Eustáquio e sua amada
São estes o nosso foco
Raiz de nosso existir
Por isso lavramos a história
Pra não vê-la se exaurir.
Tomamos como princípio
O filho do velho Aquilles
O nosso muito amado
O famoso Pedro Alcides
Com sua amada Izabel
Sete filhos concebeu
Dois homens, cinco mulheres
Saudáveis Graças a Deus.
José Alcides e Francisco
Emília e a Joana
Andrelina e Marcela
A também a Graciana
São estes os sete filhos
Do velho Pedro Alcides
A julgarmos pelo número
É comum que se divide.
José Alcides Szervinsk
Chamado de Zé de Pedro
Valente e trabalhador
Desconhecia o medo
Muito cedo se casou
Logo constituiu família
Oito filhos viu nascer
De sua esposa Abadia.
Anselmo, Geraldo e Paulo
Miguel Rosa e Maria
Celeste e também Laudina
Frutos da mesma família
Filhos de José Alcides
Esse autêntico lavrador
Que sempre viveu da terra
Com o fruto do seu labor.
José Alcides e esposa
Viveram em simplicidade
Sofreram mas triunfaram
Venceram as tempestades
Viu seus filhos se casando
E construindo família
Cada um seguiu seu rumo
Mas todos deram alegria.
Francisco ficou solteiro
É vizinho de Marcela
Morador de Montes Claros
É figura mui singela
Tem um sítio muito simples
E uma simples morada
Já sente o peso dos anos
Sua fronte está marcada.
Emília formou família
Com Patrocínio Nogueira
Com uma dezena de filhos
Mostrou-se uma guerreira
Siriaco, Orgencilia, João, Maria do Carmo
Cláudia, Ana, Gregório e Nicolau
Manoel e a Maria
São os filhos do casal.
Dos filhos da Tia Mila
Somente quatro casaram
Orgecília, Cláudia, Ana e Maria
Estas família formaram
Os outros ainda solteiros
Ao casório não se deu
Dos filhos de Tia Mila
Só Do Carmo é que morreu.
Joana se casou com Lázaro
E se mudou pro Ribeiro
Do fruto desse amor
Nasceram nove herdeiros
Virgílio, Joel, Cloves
Calú, Lesbão, Cecelias
Irineu e Joviano
E também Maria Luiza.
Todos eles se casaram
Exceto Irineu e Lesbão
Moradores do Rebeiro
Vivem cultivando o chão
Humildes e hospitaleiros
Não fogem à tradição
Frutos de Rebendoleng
Herdaram determinação.
Ainda hoje o Rebeiro
Pertence a essa gente
Que no século vinte e um
Vivem como antigamente
Plantam roça, criam gado
Com muita simplicidade
Vão à cidade vez ou outra
Por pura necessidade.
Graciana a poetiza
Com o Eloi se casou
Tiveram quatro filhinhos
Fruto do seu grande amor
Ana, Vicente e Domingas
E o caçula José
Pessoas trabalhadoras
Honestas de muita fé.
Ana, Vicente e Domingas
São casados e filhos têm
José nunca se casou
Porém vive muito bem
Graciana fala verso
Poetiza natural
Encanta quem a escuta
Pessoa sensacional.
A arte dos europeus
Herdara do bisavô
Homeopatia caseira
Ela sempre dominou
Pessoa de muita fé
É mesmo de encantar
Só quem conhece entende
A razão do meu falar.
Andrelina se casou
Com Calixto seu amado
Criou os seus cinco filhos
Com um cuidado danado
Benildes, José, Hermínia
Maria e Aparecida
Frutos de suas entranhas
Tesouros de sua vida.
Morrera com meia idade
Quando os netos chegava
Entrou no repouso eterno
Do jeito que almejava
Sofreu mas deixou semente
A fecundar sobre a terra.
Na glória de Jesus Cristo
Encontrá-la teu povo a espera.
Todos tiveram família
Os filhos de Andrelina
Porém alguns a largaram
Dizendo ser sua sina
Porém ainda estão vivos
E a vida é esperança
Só quem não vive não erra
Não traz consigo lembranças.
Marcela a filha mais nova
Do velho Pedro Alcides
História como a dela
Não é qualquer um que vive
Se enamorou de Pelágio
Um homem trabalhador
Que muito unido ao seu pai
Jamais fugiu do labor.
Pelágio Damasceno Sales
Sempre foi agricultor
Trabalhava com a madeira
De gado era bom criador
Sete anos de namoro
Com a bela e jovem Marcela
Por fim não mais resistiu
Àquela jovem tão bela.
Casou-se com sua amada
Tombou um palmo de chão
Fazendo roça de toco
Plantava milho e feijão
A labuta era pesada
Mas ele já traquejado
Fez casa e passou pra dentro
Com Marcela ao seu lado.
Com pouco tempo casados
Nasceu-lhes belo menino
Com genuína alegria
Lhe chamaram de Paulino
Marcela mulher fecunda
E por Deus abençoada
Foi mãe de sete rebentos
A quem foi mui devotada.
Depois que veio Paulino
Logo nasceu Deusdete
Então foi ele o segundo
Do total que foram sete
Depois destes dois varões
Viera uma menina
Maria da Cruz e Evódio
Logo após a pequenina.
Mas não parou por aí
Outra menina nasceu
Joanice então foi o nome
Que o Pelágio lhe deu
Marcela louvava a Deus
Por cada filho que vinha
Não demorou muito
Tempo nasceu-lhe Rosalina.
Agora com três casais
Seis bocas para criar
Muitas vezes o casal
Viam o aperto chegar
Muita lida e pouco fruto
Cansaço e muito sofrer
Mas criam com fé em Deus
De fome não iam morrer.
Os filhos iam crescendo
Crescia a preocupação
Roupa, calçado e estudo
Saúde e educação
Mas Deus estava com eles
Guiando-os com suas mãos
Padeceram bastante
Mas isso não foi em vão.
Os filhos benção de Deus
Não tinham se completado
Ainda viria João
Caçula dos aliançados
Assim estava completa
A prole desse casal
Que somou sete rebentos
Quando chegou ao final.
Paulino não se casou
Segue só seu caminho
Deusdete tomou esposa
E já tem três filhinhos
Maria também casou
Filhos então concebeu
Mas logo ficou viúva
Tristeza que aconteceu.
Joanice embora solteira
Tem uma linda filhinha
Seu nome é Izabela
Precisas ver que lindinha
Evódio e Rosalina
Solteiros ainda estão
O último a se casar
Foi o caçula João.
Este herdou dos seus pais
Simplicidade tamanha
É homem silencioso
Quem não conhece estranha
Artista de grande porte
Ainda no anonimato
Vou lhe dar maior destaque
Por não querer ser ingrato.
É essa a descendência
De Pedro e Izabel
Que a tanta gente gerou
Educou e foi fiel
Pedro Alcides foi feliz
Com Izabel sua amada
Viveram por longos anos
Morreram entre a parentada.
Agora vamos voltar
A José nossa atenção
Filho de João Damasceno
Viveu aqui nesse chão
Casou-se com a Bernarda
Moça bela e prendada
Que lhe deu sete herdeiros
Prole muito abençoada.
Nila, Teodora e Francisca
Eloi, Hurbano e Filipa
A mais moça era Claudinha
Que a casar não se arrisca
Todos eles se casaram
Com exceção de Claudinha
Mas talvez ainda case
Essa nossa caçulinha.
Nila logo se casou
Com o senhor Antonio do Rola
Morador da região
E contador de história
Teodora em Montes Claros
Com o João se casou
Francisca no Paranã
Encontrou seu grande amor.
Eloi tomou Graciana
Hurbano casou com Ambrosa
Filipa também casou
E se mudou para o Rola
Morando em Planaltina
Solteira só tem Claudinha
Que parece decidida
A ficar mesmo sozinha.
São estes os sete filhos
Do José com a Bernarda
Frutos de Rebendoleng
Com sua doce amada
Note como esses dois
Foram mesmo abençoados
Seus filhos a cada dia
Vão sendo multiplicados.
Passemos para Leocádia
Que com o forasteiro casou
João da Cruz era o nome
Do jovem seu grande amor
João da Cruz e Leocádia
Cinco filhos viu nascer
Todos eles se criaram
Nenhum veio a falecer.
Abadia e Pelágio
Adriana, Manoel e Felipe
Cinco rebentos robustos
Vindo de uma mesma estirpe
Somente a Adriana
Morreu ainda solteira
Se enforcou mas ninguém sabe
Qual a razão verdadeira.
Abadia teve filhos
Porém nunca se casou
Foi Domingos e José
Os filhos que ela gerou
Abadia ainda vive
Mas seus filhos faleceram
Vítimas de um triste caminho
Por onde se empreenderam
Hoje mora com Pelágio
Que a trata com carinho
Mora ao seu lado direito
Num simpático barraquinho
Morando em Montes Claros
Goza plena liberdade
Parece uma criança
Embora seja de idade.
José filho de Abadia
Na festa se embriagou
Saiu fazendo escarcéu
E o diabo aproveitou
Aleixo filho de Leolizia
Dormindo num canto estava
Mas acordou assustado
Com o José em algazarra.
Aleixo estava armado
Com um revolver na cintura
Movido pelo impulso
Lançou-se em desventura
Num ímpeto violento
Se ergueu com arma empunhada
Dois tiros à queima roupa
E uma vida encerrada.
Foi tremendo o desespero
E grande a confusão
Aleixo se vê culpado
Do sangue de seu irmão
Aleixo ganha as bucainas
Fugindo sem direção
José adentra a noite
Agonizando no chão.
Aleixo perdera a paz
E teve que se mudar
Por isso buscou refúgio
Em um distante lugar
José morreu ainda jovem
Por causa da rebeldia
Que junto com a violência
Mostrou negro aquele dia.
Abadia revoltada
Pra sempre ficou marcada
Com as marcas da violência
Que a fez traumatizada
Grande foi sua tristeza
Com tudo que se passou
Porém não fora só isso
Que a vida lhe reservou.
Depois que já era homem
Domingo pôs-se a cantar
Consumia álcool em excesso
Vivia a se embriagar
Cantava vociferante
Pelos caminhos dormia
Levando uma triste vida
Abadia padecia.
Num dia muito fortuito
Na beira da rodovia
Domingos não imaginava
Que chegara seu dia
Morrera atropelado
Por uma carreta estranha
Ficou jazendo no asfalto
Seu corpo e suas entranhas.
Mais um golpe violento
Para a pobre Abadia
Que suportou o tormento
Daquele sangrento dia
Sofreu e chorou Abadia
A morte do filho seu
Muito triste teve fim
Os filhos que Deus lhe deu.
Não sei se foi coincidência
Enquanto aqui escrevia
Chagou-me a triste notícia
Faleceu a Abadia
Já vinha muito doente
Em função de sua idade
Hoje se junta a seus filhos
Frutos de sua mocidade.
Que Deus olhe com carinho
Dela tenha piedade
Perdoe as suas faltas
E lhe dê a eternidade
Se foi tão nobre figura
Falo com sinceridade
Pra todos que conheceu
Ela vai deixar saudade.
Será ela sepultada
Junto a seus antepassados
No solo de Montes Claros
Lugar tão abençoado
Que gerou tanta gente boa
Como tenho descrevido
Só quem conhece entende
Porque estou comovido.
Louvado seja Deus Pai
Louvado seja Jesus
Que morreu pra nos salvar
Se doando numa cruz
Bendito e louvado seja
Jesus na Eucaristia
Que Ele dê a vida eterna
A nossa estimada Abadia.
De Pelágio já falamos
Se casou com Marcela
Se tornou avô recente
Da bela neném Estela
Filha de seu filho João
Com sua esposa querida
Com quem ele quer casar
E viver o resto da vida.
Manoel ainda solteiro
Em Formosa é morador
Diferente de Felipe
Que tão cedo se casou
Este mora em Brasília
Com a família que formou
São os filhos de Leocádia
Com João seu grande amor.
De Eustáquio de João Salles
Agora vamos falar
Já falei de seus irmãos
Agora pra terminar
Vou falar desse caçula
Que vai dar o que falar
Sendo ele o mais novo
Tem muito para contar.
Joana moça formosa
Eustáquio então desposou
Fê-la a sua esposa
A quem muito ele amou
Sua história é muito bela
Cheia de espinho e de flor
Chegando a encher os olhos
Daquele que me contou.
Esculasco, Petronilio
Ambrosa e Sebastiana
São estes os quatro primeiros
Filhos de Eustáquio e Joana
Rosalino e Albino
Calixto, João e Fulô
Mais filhos deste casal
Que ainda outros gerou.
Donata, Dalvina, Elisio
E a caçula Sophia
Treze filhos num total
Que com saúde crescia
Nenhum deles morreu jovem
Todos viram maturidade
Treze filhos, treze bênçãos
Vejam que felicidade.
Vivendo em grande modéstia
Esse povo se firmou
Criaram profundas raízes
Por isso não se acabou
O povo da região
De São João e Água Fria
Também Alto Paraíso
Descende dessa família.
O velho Rebendoleng
Não podia imaginar
O quanto seus descendentes
Iam se missigenar
Embora seu sobrenome
Pouca gente tenha herdado
Ele tem subsistido
E está por todos os lados.
Szervinsk se fundiu
Com outras assinaturas
Formando novas famílias
Frutos da mesma cultura
O velho Rebendoleng
Que a Deus foi devotado
Onde quer que se encontre
É homem realizado.
O velho Rebendoleng
Pai de Aquilles e Heitor
Morrera em Tocantins
Para onde ele viajou
Em busca de sua espada
Que há anos fora deixada
No tronco de uma palmeira
Por ele mesmo cravada.
Nunca mais tinha voltado
Naquele dito lugar
Faziam-se quarenta anos
Que estivera por lá
Fora uma única vez
No tempo do desbravar
Abandonou sua espada
Sem nunca mais retornar.
Agora em plena idade
Desejou-se aventurar
Sua espada de outrora
Desejou reencontrar
O ponto onde a deixou
Não sabe se encontrará
Mas movido pelo ímpeto
Decidiu-se a marchar.
O seu amor Ambilina
Que sempre lhe acompanhou
Faleceu há alguns anos
Sozinho Antonio ficou
Sentindo muita saudade
Muitas vezes ele chorou
Mas sabe que é o destino
É ordem do criador.
Por isso segue com fé
O que pede o coração
Vai subir o grande Planalto
Andando sem direção
Buscando seu relicário
Baú de recordações
Vai viver uma aventura
Relembrar as emoções.
O velho Rebendoleng
Já muito velho em idade
Foi buscar a sua espada
Pra entrar na eternidade
Sua espada era um marco
Signo de sua valentia
Com ela vencera o mar
E a maldita covardia.
Eles foram companheiros
Desde a mocidade
Por isso ele a guardou
Com tanta austeridade
Mas sentindo a morte vindo
Em solo estranho adentrar
Sentiu-se um desbravador
E sua espada foi buscar.
Acompanhado de Heitor
E de Aquilles filhos seus
Subiu o grande Planalto
Montando um belo corcel
Cavalgaram muitos dias
Mas chegaram ao destino
Os maus tratos do caminho
O velho chegou sentindo.
Agradeceu aos seus filhos
Por lhe ter acompanhado
Arrancou sua espada
Sentindo-se naufragado
Uma cena muito bela
De deixar impressionado
A palmeira estava morta
Mas seu tronco conservado.
A natureza guardou
Com cuidado redobrado
A encomenda que Antonio
Ali havia deixado
O tronco ainda estava verde
Onde a espada estava
Pegando ali sol e chuva
Não oxidou a espada.
Os filhos ficaram perplexos
Com o que ali se passou
Com a força de um jovem
Antonio a espada empunhou
A puxava lentamente até que arrancou
Então a palmeira morta
Que seu verde conservou
Quando a espada saiu
Num instante ela secou.
O velho Rebendoleng
Com a espada nas mãos
Sentindo a morte chegar
Fez ali sua oração
Implorou a Jesus Cristo
Que pegasse em sua mão
Então se ajoelhou
Fincando a espada no chão.
Chorou e pediu perdão
Seus filhos abençoou
Com a espada nas mãos
Penitente ele expirou
Três dias de grande pranto
Seus filhos ali passou
Bem junto à velha palmeira
O velho ali ficou.
Enterrado por seus filhos
Que pra casa então marchou
O velho Rebendoleng
Sua história terminou
Sofreu, chorou e sorriu
Muitos filhos educou
Sua marca na história
Para sempre ele deixou.
Agora que concluiu
As ordens do seu Senhor
Do pó um dia saiu
Para o pó retornou
Viveu bela vida
Cumpriu toda sua sina
Novamente se juntou
Ao seu amor Ambilina.
Após morrer Ambilina
Pouco tempo ele viveu
Agora chegou seu tempo
Também ele feneceu
Sua história não tem fim
Ganhara continuidade
Se tornará imortal
Em sua posteridade.
Chegando em suas casas
O Aquilles e o Heitor
O restante da família
Logo se conciliou
Chorou a morte de Antonio
E a Deus o confiou
Seguiram o seu destino
Com fé em seu Salvador.
O velho Rebendoleng
Se fez como o grão de milho
Morreu pra gerar outros grãos
Uma multidão de filhos
Seus descendentes fecundos
Não cessam de aumentar
São muitos que já nasceram
Que não se pode contar.
Casando e missigenando-se
Mudaram o nome civil
Porém carregam nas veias
De Antonio o sangue febril
É uma história tão bela
Que muita gente não viu
Pedacinho da Polônia
No coração do Brasil.
Também sou dessa estirpe
Falo com contentação
Lhe mostro a minha árvore
Cheio de fascinação
Sou Joaquim, filho de Joaquina
Filha de Izabel e Bazílio
Izabel, filha de Antonio
Que de Delfina era filho.
Delfina, neta de Rebendoleng
Filha de seu filho Heitor
Teve um filho e seu irmão
Manoel foi quem criou
Antonio Sobrinho foi o nome
Que o menino ganhou
Por causa de Antonio Totó
Um filho do se avô.
Mané Velho do João Paulo
Manoel então se tornou
Batizou a Antonio Sobrinho
E a ele também criou
Quando enfim se tornou homem
Antonio Sobrinho se casou
Com Arvilina Vieira Fernandes
Família então formou.
Estes são galhos da árvore
Que Rebendoleng e Ambilina
Não são raiz, mas são o tronco
E ao resto determina
Gente de todos os credos
Toda classe, toda cor
Extensão do velho Rebendoleng
Que aqui se eternizou.
A mão do tempo passou
E os tempos foram mudando
Chegou o novo milênio
De quem sou contemporâneo
Sou a oitava geração
Que de Rebendoleng descende
Narrador desse evento
Que a tantos compreende.
Faço pausa e apuro às vistas
Chamando vossa atenção
Para alguns personagens
Dessa nobre narração
Pessoas ímpares e distintas
Que no mínimo são lendárias
Gente humilde e anônima
Pelo tempo e sua mortalha.
Quero falar de João
Tetraneto de Rebendoleng
Filho de Marcela e Pelágio
Pessoa simples e perene
João Damasceno Sales
É o nome desse homem
Artista de alma sensível
Não há quem não se impressione.
O ciclo de sua vida
Gira em torno do pintar
De São João a Montes Claros
Leva a vida a sonhar
Cristão temente que é
Tem na família um paradigma
Vive a labuta na fé
Entre o cansaço e a fadiga.
Sua alma de artista
Sensibiliza e impressiona
Os rastros de seus pincéis
Seduz, encanta e apaixona
Se mantém com sua arte
E a graça do Senhor
Busca o reconhecimento
De tão sublime labor.
Reproduzindo na tela
Seus sonhos e a criação
Dá vida e cores pra vida
Sonhando com a redenção
Como o seu tetravô
É homem de muita fé
E Deus o prova com força
Pra ver que vaso ele é.
Não nasceu em berço de ouro
Riqueza não conheceu
Educação, boa índole
Foi o que seu pai lhe deu
Da mãe herdou humildade
E o coração sonhador
A sensibilidade e a fé
Herdou de seu tetravô.
Quando ainda era criança
Em tempo de estudar
Conheceu padre Bernardo
Missionário no lugar
Europeu mui perspicaz
Artista plástico sem igual
Fez de João seu discípulo
Que lhe honraria ao final.
João com padre Bernardo
Aprendeu a contemplar
As obras da criação
Reproduzir sem falhar
Rezar, crer em Jesus Cristo
Em seu amor esperar
Teve em padre Bernardo
Um mestre, um pai pra lembrar.
Crescera itinerante
Entre Montes Claros e São João
Ouvindo modas e catiras
Nas rezas da região
No meio da parentela
Com grande satisfação
Crescia como artista
Como homem e cristão.
Passada a primeira fase
Daquele aprendizado
Antes que todo o ofício
Lhe fosse ministrado
O padre foi removido
A outro campo enviado
Então ficou João sozinho
Sem seu mestre Bernardo.
Padre Bernardo nasceu
Na Holanda e se criou
Quando então foi ordenado
E sacerdote se tornou
Veio junto com outros padres
Cuidar da evangelização
Ensinando o amor de Deus
Por toda essa nação.
Dom Victor primeiro Bispo
Dessa então prelazia
À paróquia São João Batista
Enviou Bernardo com alegria
Porém muitas confusões
Com Bernardo aconteceria
Por temer por sua vida
Dom Victor interveria.
Depois de meia dezena
De anos em São João
Padre Bernardo havia
Transformado a região
Ensinando horticultura
A toda população
Pegava o povo na unha
Pra ensinar religião.
Como sempre se mostrou
Valente e destemido
A ele se afeiçoou
Esse meu povo sofrido
Água Fria e São João
Com suas comunidades
Encontrou em padre Bernardo
Um sacerdote de verdade.
Não calava na injustiça
Com veemência exortava
Por onde ele passava
Todo o povo se encantava
Porém havia exceção
Dos mais privilegiados
Que com sua pregação
Se sentiam atacados.
Por causa desses sujeitos
Muito padre Bernardo sofrera
Pois por serem influentes
Ao bispo estes recorreram
Mesmo sofrendo repressão
Por parte da prelazia
Padre Bernardo era o mesmo
Vivendo o seu dia-a-dia.
Porém tudo complicou-se
Quando em certa ocasião
Fatos estranhos surgiram
Em uma comunidade de São João
Pedra de Amolar é o nome
Dessa tal comunidade
Onde vinha acontecendo
Tamanha barbaridade.
Os grandes proprietários
De terra da região
Movidos por avareza
Logo entraram em ação
Para subtraírem as terras
Dos seus autênticos herdeiros
Queimavam as suas casas
E matavam os fazendeiros.
O povo muito humilde
E dado à superstição
Logo foram atribuindo
Ao Diabo essa ação
Achavam que aquilo era
Nada mais que maldição
Que era o próprio demônio
Que queimava a região.
Movido pelo seu jeito
De europeu destemido
Descobrindo a verdade
Se viu de armas munido
Aproveitando o momento
Que era de eleições
Padre Bernardo denuncia
Um por um os figurões.
Cita nomes, mostra provas
Defende a população
Sela de vez seu destino
Que será a remoção
Em pouco tempo o padre
De São João foi removido
Mandado pra Cabeceiras
Longe de seu povo querido.
Deixou para trás João
E o povo a quem se apegou
Depois que dali partiu
Nunca mais ele voltou
Deixando muitas saudades
Com o tempo adoeceu
Em virtude da idade
Sua visão se perdeu.
Perdendo os movimentos
E já muito enfraquecido
Por causa da enfermidade
Pra Holanda foi removido
Ficou num lar católico
Para os padres inativos
Escreveu-nos uma carta
Sinal de que estava vivo.
Na carta com nostalgia
Falava com emoção
Do tempo que fora pároco
Da paróquia de São João
A memória vacilante
Confunde as recordações
Mas ainda guarda muito
Pra inflamar as emoções.
Passa o tempo e morre então
O nosso padre Bernardo
João chora em silêncio
O seu mestre muito amado
A quem desejava
Com ardor ter visitado
Pra lhe ver mais uma vez
Antes que fosse enterrado.
São tantos fatos marcantes
Que envolveu o João
Mas aqui quero narrar
Alguns com mais atenção
Como este episódio
Que agora vou contar
João diante de Deus
Antes da morte chegar.
Tudo isso começou
Quando João foi contratado
Pra pintar o letreiro
Em local arriscado
Em cima de uma escada
João se desequilibrou
Numa corrente elétrica
Sua mão se encostou.
Foi quase uma tragédia
Aquilo que aconteceu
Treze mil volts na hora
O seu corpo percorreu
Caiu de uma grande altura
Com o corpo muito queimado
Com muitas fraturas na queda
João ficou acamado.
Muitos meses sobre a cama
Sem renda e sem saúde
Sua prece era constante
Que Deus do céu me ajude
Sentiu naqueles dias
As trevas lhe envolver
Sentia o cheiro da morte
Sem nada poder fazer.
Remédios, muitas consultas
Muita dor, muito sofrer
João pensava a vida
Sonhando com o renascer
Revia a sua história
Tudo que havia vivido
Seus erros e seus acertos
O quanto havia se perdido.
Então tomou consciência
Dos caminhos onde andara
Decidiu se redimir
Voltar a quem lhe criara
Naquele mesmo instante
Um foco de luz nasceu
E as trevas que eram espessas
Logo se empalideceu.
João naquele abismo
De dor e muito penar
Percebeu que era Deus
Ali a lhe visitar
Sem ver forma, rosto ou nome
Orou e com Deus falou
Sentiu a vida voltando
Por obra do seu Senhor.
Ali jogado no chão
Não podia imaginar
Os tormentos e angústias
Que iriam o provar
Sem saúde e solitário
Em crise existencial
Rosto triste e penumbrado
Era retrato do tal.
Revivendo o vivido
Contestando os dogmas seus
Obra a obra analisava
Com o olhar firme de Deus
Descobriu-se um covarde
Medroso e desconfiante
Sofreu com tal provação
Moldando um novo semblante.
Se aproximou mais de Deus
Vivendo a oração
Recebendo a eucaristia
E a visita dos irmãos
Sentiu a mão do Senhor
Da cama o levantar
Pintou na tela o fato
De Deus o ressuscitar.
Viveu a ressurreição
Saindo da sepultura
Vencendo a enfermidade
Vencia a amargura
No seio de grandes trevas
Muito tempo permaneceu
Enfim ao terceiro dia
Jesus lhe apareceu.
Tomando-o pela mão
O levantando do escuro
Brilhou a luz do senhor
Naquele jovem maduro
A cura foi proclamada
João então se ergueu
Triunfando sobre a prova
Com a ajuda de Deus.
Vencida a adversidade
A saúde ia voltando
E logo as suas obras
Estava efetuando
O mundo com novos olhos
João então enxergava
Suas obras que eram belas
Agora mais encantava.
João enquanto enfermo
Na vida muito pensou
Chorou e fitou o céu
O que sentiu anotou
Relatos e orações
Poemas e reflexões
Diário de sua vida
Eis algumas anotações.
Oração de João Damasceno Sales Durante a Enfermidade
O Senhor dos exércitos
Guardai os vossos filhos,
Não deixais que as mãos do inimigo os sufoquem
Não permita que pereçamos não vos canseis de procurar por, uma só, obra do Vosso filho.
É possível que esse Vosso filho tenha feito uma boa ação.
Perdoai-nos a pretenciosidade, ó Deus todo poderoso.
Se procurardes e não achares nem um vestígio de uma pequenina obra nessa minha vida desenfreada, de tanto pecado, permita-me lembra-lo ó Senhor, que sois misericordioso, és realmente bom.
Julgai-me não segundo minhas obras, mas segundo o Vosso amor e a Vossa divina misericórdia. Perdoai-me!
Defronte à casa paterna
De João em Montes Claros
Existe um pé de paineira
Um arvoredo lendário
Nas horas de sua angústia
Dele João se lembrou
Num momento tão sensível
Poeta ele se tornou.
Poesia de João para o Pé da Paineira
Paineira Velha
Quando me entendi por gente
Você já estava ai...
Nesse altinho da frente de casa
Com toda sua beleza
Chamo-te meu... Não por ser seu dono
É que aprendi a te amar, no entanto não és meu...
Cresci... Tornei-me adulto
Você continua igualzinho ao que era antigamente, belo e imponente.
Paineira, você é para mim, como um velho amigo...
O tempo passa e permaneces sempre fiel...
Foi também durante esse tempo
Que o coração de João
Lembrou do padre Bernardo
E redigiu com emoção
Este simplório bilhete
Carregado de sentimento
Que registro neste texto
Pra não sumir com o tempo.
Dá-me uma novidade...
Me dá vontade de chorar...
E às vezes choro por não
Poder vê-lo e por talvez
Não vê-lo nunca mais.
Ainda que não mais te veja...
Iremos sempre lembrar de você
Como pastor
Como amigo
Eu e meus pais
Sempre seremos gratos
Padre Bernardo...
Desejo-lhe saúde
O conforto e muita paz
Lembranças de Montes Claros
Sonho que ficou longe
Sonho que está perto
Sonho que é incerto
De um dia poder revê-lo
Meu caro, meu amigo
Meu mestre padre Bernardo.
Isso é um pouco de João
E seu coração criança
Seu jeito meio simplista
E cheio de esperança
Seus sonhos e seus medos
Seus amores e seus credos
Suas raízes e costumes
Suas buscas e segredos.
João sonha em ser feliz
E é feliz a sonhar
Com sua esposa Cristina
Tem Estela pra educar
Contempla a sua descendência
Cheia de encantos mil
Se orgulha de ser filho
Do Polonês varonil.
Traz vivo dentro do peito
A fé e a devoção
Não esquece um só instante
O tempo da provação
Que o pegou como um tiro
Lançando-o em pleno chão
Mas que também foi caminho
Pra sua renovação.
Agora chamo a atenção
Para alguém muito especial
Seu nome é Graciana
Pessoal sensacional
Gente humilde e hospitaleira
Tia de João Damasceno
Fala verso e impressiona
Aquele rosto pequeno.
Dentre muitas outras histórias
Que ela conta rimando
Venho narrar a mais bela
Que eu a ouvi contando
Não é ela a autora
E desconhece o autor
Mas foi aos seus quinze anos
Que ela então a escutou.
Aos oitenta anos de idade
Tem memória afiada
Verso a verso recitou
Com emoção declarada
Enquanto ela recitava
Tomamos café quentinho
Sentado em banco rústico
Feito pelo seu sobrinho.
Conto do Papagaio
Houve uma grande fome entre
Aquela humanidade
O pessoal, sem recurso
Sofrendo mais da metade
E aquele pobre velho
Na maior necessidade.
Jobão disse ao diabo
De fome nós vai morrer
Vou procurar um lugar
Em que se ganhe o que comer
Quem for tolo aqui se lixe
Espere pra sofrer
Botou chapéu na cabeça
Nas costas um matulão
Saiu sem despedir-se dos
Pais e dos seus irmãos
Ficaram ambos chorando sem
Ter consolação
O velho pai suplicava a Divina Majestade
Que tivesse compaixão
Como pai de piedade
Em vez de castigar
Tivesse dele piedade
Jobão então foi morar num
País de estrangeiro
Empregou-se no comércio
Ganhando muito dinheiro
Em pouco tempo já tinha
Fortuna de um banqueiro.
Casou-se com uma rica
Que lhe sobrava riqueza
Possuía uma fortuna igual
De uma princesa
Tendo grande fidalguia desconhecia pobreza.
Jobão com esta riqueza
Tornava-se mais avarento
Esqueceu dos velhos pais
Que deixou em sofrimento
Não alembrava de quem não
Lhe esquecia um só momento.
Numa noite ele sonhou
Que viu seu pai suspirando
A mãe com uma mochila pelas portas mendigando
Pedindo uma esmola
Aflita quase chorando.
Não! Ele murmurou
Sai-te daqui nego azaro
Quando eu estava com
Vocês nunca pude prosperar
Agora como estou rico
Já veio me atormentar.
A mãe mostrou-lhe o seio
Que a ele amamentou
Porém ele horrorizado nem
Atenção lhe mostrou
Vai embora azar nego
Nessa face acordou.
Despertando o avarento
A meditar o passado
Dizendo em pensamento
Meu pai é velho alazado
Quando eu vivia com ele
Só vivia encabojado.
Vivia morrendo de fome
Sem possuir um tostão
Parecia haver ali uma falta de benção
O azar é o meu pai, minha mãe, meus irmãos
Temia que o pai chegasse
Naquela grande pobreza
Para não sofrer de vergonha
E explorar-lhe a riqueza
Seria o maior desgosto
Que lhe fazia a surpresa.
Na casa do velho pai
Ajudou um estrangeiro
O velho deu-lhe pousada
Pois era hospitaleiro
Foi quem do filho
Ingrato deu o seguinte roteiro
O velho então perguntou
Áquele desconhecido
Se conhecia Jobão o seu
Filho querido
Por causa de sua ausência
Se muito tinha sofrido.
Disse ele eu conheço
O Coronel Jobão
Era pobre como Jó não
Possuía um tostão
Casou-se com uma rica
Hoje é senhor de milhão.
Navio no oceano ele
Possuía mais de cem
Em riqueza e fidalguia
No mundo só ele é quem tem
Forante o imperador
Como ele mais ninguém.
Deu todos os sinais que
O filho possuía
O velho quase morreu
Somente de alegria
Mas a grande saudade
Do coração não saía.
Disse Alvino suspirando
Se me derem permissão
Se acaso for possível
Que haja satisfação
Amanhã logo cedinho
Vou atrás do meu irmão.
Disse o velho chorando
Queres também me deixar?
Disse ele
Não senhor vou meu
Irmão procurar
Vou pedir ele um recurso
Para te sustentar.
A mãe matou-lhe um frango
Para comer na viagem
Deu a ele um rosário bento
Tendo de Cristo uma imagem
Foi embora Alvino
Porém quase sem coragem.
Chegou então no estrangeiro
Onde morava o irmão
Indagou aonde era a morada de Jobão
Lhe mostraram um palácio
Como o do Rei Salomão.
Alvino se arrependeu quando
Avistou o sobrado
Sentia seu coração
Batendo muito avechado
Porém a fome horrorosa
O fazia dominado.
Ao chegar no sobrado
Encontrou um capitão
Com a força da polícia
Que estava de prontidão
Guarnecendo o sobrado
Com a ordem de Jobão.
Pediu licença dizendo
Que desejava falar
Com o coronel Jobão
Porém não quiseram dar
Disse ele é proibido
Gente pobre aqui entrar.
Senhor eu sou irmão dele
Disse o pobre Alvino
É irmão do coronel e
Anda como peregrino?
Disse ele é prova da sorte e
Um capricho do destino.
Disse ele não admira
Um ser rico e outro pobre
São conseqüências da vida
Um na miséria e outro nobre
Em sangue somos iguais
Nem que a riqueza dobre.
Ordenou o capitão que as
Praças reparasse
Se ele estava armado com
Cuidado examinasse
Se estivesse armado para cadeia levasse.
Examinaram Alvino mas
Estava desarmado
Só encontraram o rosário
Que sua mãe tinha lhe dado
Mandou que ele entrasse
Com a ordem do delegado.
Alvino quando entrou
Encontrou a baronesa
Sentada muito orgulhosa
Na mais soberba riqueza
Na cadeira de balanço
Parecendo uma princesa.
Ela quando viu Alvino
Interrogou-lhe então
O senhor o que deseja
Qual é sua intenção?
Disse ele eu desejo
É falar com meu irmão.
Quem é seu irmão aqui
Lhe perguntou sem carinho
Disse ele: é Jobão
Meu estimado irmãozinho
Disse ela vai-te azaro
É por ali o caminho.
Deu uma grande risada
Que estrondou no salão
Zombando do miserável
Chamou o coronel Jobão
Aqui tem um miserável
Dizendo ser teu irmão.
Veio chegando o avarento
Com as presenças gresses
Perguntando escarnecendo
De onde saiu essa peste
Que anda espalhando o azar
De qual inferno vieste?
Disse ele: não me conheces
Sou seu irmão Alvino
Fui criado em seus braços
Desde muito pequenino
Vim aqui te visitar
Com a ordem do destino.
Nossos pais vivem aflitos
Só a apensar em seu nome
Mandou te pedir esmola
Que estão passando fome
Se não tiver piedade
As misérias te consomem.
Vai embora miserável
Retire-se do meu salão
Vai azarar o diabo
Com a sua maldição
Senão o mando para a cadeia
Levando muito facão.
Alvino se retirou que
Mal podia falar
Mais adiante caiu
Pôs-se a lastimar
A grande fome outrora
Não podia suportar.
Quando a gente anda mole
A sorte muda de clima
Vem a negra desventura
Extrai da fartura a mina
Quando urubu anda avechado
O de baixo suja o de cima.
Alvino se lastimava
Que causava compaixão
Naquela terra estrangeira
Sem parente nem irmão
Aquelas maledicências chamou
Do rei atenção.
O rei não podia dormir
Ouvindo se lastimar
Mandou um dos seus soldados
O peregrino chamar
Para em sua presença
Aquela estória contar.
Quando ele chegou lá
Fez a interrogação
Dizendo a grosseria que tinha
Feito ao irmão
Enfim respondeu o rei
Não prática como cristão.
O rei chamou a criada
Mandou chamar o jantar
O rei carinhosamente
Sempre a consolá-lo
Justo são os que sofrem
Coma até se fartar.
O rei notou em Alvino
Força de moralidade
No rosto dele notava-se
Senhor de honestidade
Esplendor de pureza
E também da santidade.
O rei sentou-lhe à mesa
Lhe fazendo cortesia
Como amigo fiel
De copeiro lhe servia
Oferecendo de tudo
Do que na mesa havia.
Alvino agradeceu depois da refeição
Com toda reverência de
Joelhos beijou-lhe a mão
O rei ficou abismado
De ver tanta educação.
Então o rei lhe perguntou
Queres ser meu jardineiro?
Ficar morando comigo
Ganhando muito dinheiro
Enquanto você estuda
Para ser meu conselheiro.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Quero que vossa alteza
Me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que passam necessidade.
O rei entregou-lhe um quarto
No trono onde vivia
Ele então se lembrou
Do que o pai lhe dizia
Faltando a terra de Deus
Chega a da Virgem Maria.
Os conselhos de seus pais
Nunca ousou botar fora
O justo quando é constante
O bom exemplo decora
Faltando a terra de Deus
Chega a de Nossa Senhora.
Ficou ele com o rei
Sendo o seu jardineiro
O rei lhe queria bem
Por ser um fiel companheiro
Oferecia do trono
O que tivesse em dinheiro.
Ficou por enquanto Alvino
Servindo o imperador
Vamos falar na princesa
Uma excelentíssima flor
Que vivia no deserto
Sem sofrer mágoa de amor.
Quando a princesa nasceu
Mandou ver a sua sina
Havia de ser casada
Em família peregrina
Então o rei protestou
E contra a vontade divina.
Mandou fazer um palácio
Onde internou a princesa
Junto com uma criada
Que tinha muita firmeza
Ali não ia ninguém
Sem ordem de sua alteza.
Criou logo uma lei
Em todo aquele reinado
Quem fosse sem sua ordem
Seria então degolado
Quem não quisesse morrer
Que guardasse com cuidado.
Ali não ia um cristão
Ninguém queria morrer
Ela não aparecia
Só pra ninguém lhe ver
Fazendo todo possível
Para a sina desfazer.
As moças daquele tempo
Eram as mais gentilíssimas
De formosura divina
De presença suavíssima
Por causa da grande beleza
Da mais excelentíssima.
Deixemos aqui a princesa
Vamos falar de Alvino
Dominado pela sorte
Levado pelo destino
Para cumprir a missão
Que ordenou o destino.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Que quero que vossa
Alteza me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que sofrem necessidade.
Enfim respondeu o rei
Eu não te posso privar
Só mesmo na condição
De chegar lá e voltar
Porque me faltando tu
Como poderei passar.
O rei destrancou o tesouro
Tirou enorme quantia
Deu-lhe de mão beijada
Rejubilado de alegria
Deu-lhe mais para a fiança
Um passaporte de guia.
Depois tirou outro tanto
O bondoso imperador
Disse esse você leve
E entregue por favor
Um presente que eu mando
Para os seus progenitores.
Se despediu pesaroso
Por deixar sua alteza
Foi socorrer os seus pais
Que ficaram na pobreza
Porém errou o caminho
Segue em busca da princesa.
Quando chegou no palácio
Que avistou na janela
Ficando ele encantado
Com a formosura dela
Porque nunca tinha visto
Uma jovem como aquela.
Quando ela viu Alvino
Criou nos lábios um sorriso
Então disse para a criada
Vem ver do que eu preciso
O anjo que vem ali
Parece do paraíso.
Murmurou então a criada
Nós vamos fechar o portão
Nós não sabemos quem é
Pois pode ser um ladrão
Disse ela não senhora
Chama minha ordem então.
Afinal logo o portão
A criada destrancou
Dando aquele recado
Que a senhora mandou
Ele com todo respeito
A ela se apresentou.
A princesa lhe perguntou
Quem tinha lhe permitido
Vir àquele palácio é
Severamente proibido
Respondeu ele ninguém
Ando por aqui perdido.
A princesa admirada
Prestando toda atenção
Mandou que ele entrasse
Tomando pela mão
Porém ele não sabia
Que era filha do patrão.
A princesa ordenou
À sua fiel criada
Que preparasse um jantar
E não usasse massada
Ficando junto com ele
Pelo amor dominada.
Pergunta ela de onde vens
Responde ele da capital
Lá eu era jardineiro
De sua alteza real
Jardineiro de papai
Admirou-se afinal.
Para onde vais assim
Insistiu logo a princesa
Vou para minha terra
Disse com toda certeza
Quando a criada disse
O jantar estar na mesa.
Ela chamou o rapaz
Saiu com ele e disse
Vou lhe servir
Na copeira a nobre imperatriz
Que junto aquele anjo
Se julgava a mais feliz.
Pergunta ela feliz
Provém de família nobre
Disse ele não senhora
Toda a minha raça é pobre
Meu pai talvez não possua
Nem meia pataca de cobre.
Conversaram até a tarde
Alvino com a princesa
Ela chamou ele para a cama
Porque era uma beleza
Alvino então foi dormir
Sobre os braços da princesa.
Eram mesmo como anjos
Cada qual mais inocente
O vício negro e maldade
Não tinham em suas mentes
Aquelas almas fiéis
Seguiam Deus fielmente.
Com o carinho da moça
Ele no sono pegou
Porém a pobre princesa
Nem um instante adornou
Admirada com ele a noite
Em claro passou.
Embriagada de amor
Punha-se a meditar
Quando ele fosse embora
Como poderia ficar
Sorria ali jubilada
Depois se punha a chorar.
Soltando ternos suspiros
Com aquele amor sem fim
Dizendo em pensamento
Como é tão belo assim
Deus me fez só pra ti
E te fez só pra mim.
O sol já era alto
E ele ainda dormindo
Ela deu-lhe um beijo
E levantou-se sorrindo
O amor era um punhal
Que lhe estava ferindo.
Quando ele despertou
Levantou nesta hora
Pediu licença à princesa
Que queria ir embora
Ela lhe deu um punhal
E disse me mata agora.
Porque sem tua imagem
Como poderei viver
Antes prefiro a morte
Que termina meu sofrer
Respondeu ele sorrindo
Mas o que há de fazer.
Sua alteza é uma princesa
É filha do imperador
Eu sou um probrezinho
Filho de agricultor
Está perdendo seu tempo
Em me expor seu amor.
Quando seu pai souber disso
Manda a minha vida tirar
Agarra o meu cadáver
Sacode dentro do mar
Isso não me convêm
É melhor se sossegar.
Você é pra se casar
Com os filhos do imperador
Um herdeiro de coroa
Que lhe dê honra e valor
Queres casar-se comigo
Um criado inferior.
Então você não me ama
Porque eu sou rica e nobre
Disse ele não senhora
É porque sou pequeno e pobre
Mas teu amor para mim
Tua nobreza encobre.
Amo-te mais que a vida
Como no mundo a ninguém
Peço por caridade se fores
Me leve também
Respondeu ele sua alteza
Não vai se dar muito bem.
Então Alvino tu juras
Como me tens amizade
Disse ele sabeis que juro
Perante a divindade
Enquanto eu existir
Não te farei falsidade.
Sua alteza jura também
Como me tem firme amor
Disse ela eu já jurei
Perante o meu Salvador
Hei de honrar-te até a morte
Como marido e senhor.
Como posso te levar
Para não ser descoberto
Disse ela estudo já um plano
Que seja certo
Para isso eu tenho jeito
Carreguo os olhos abertos.
Antes de chegar na rua
Tu me pões dentro de um saco
Para não morrer sem fôlego
Faça nele um buraco
Me leve em suas costas
Deixe o povo dar cavaco.
Se perguntar o que leva
Diga é uma cavala
Se eles falarem compro
Querendo negocia-la
Diga ela eu não vendo
Pois deu trabalho mata-la.
Então disse para a criada
Sua fiel companheira
Se não guardasse segredo
A vida lhe custaria
Mandou que fosse embora
Com a carta de alforria.
Foi embora o jardineiro
E fez como ela ensinou
Perto da grande cidade
Dentro do caso a botou
Quando chegou lá na rua
Todo o povo se agitou.
O que levas aí
Perguntou um sentinela
Disse ele uma cavala
Me venda um pedaço dela
Disse ele não senhor
É só pra minha panela.
Mais adiante encontrou
O chefe da mesa de renda
Queres me vender o peixe
Não já vai de encomenda
O peixe é muito pequeno
Só dá pra minha merenda.
Mais adiante encontrou
O caixeiro do balcão
Queres me vender o peixe
Respondeu ele que não
Esse peixe que eu levo
É só para o meu fogão.
Mais adiante encontrou-se
Com o rei, pai da princesa
Quero que me faças um pedido
Respondeu-lhe sua alteza
Eu lhe farei o possível
Era com toda certeza.
O pedido é o seguinte
Que eu quero me casar
Sem ninguém ver minha noiva
E o meu anjo tutelar
Para não ser conhecida
E alguém a cobiçar.
Disse o rei não é nada
Logo o bispo casou
A moça dentro do saco
Nem a mão fora botou
O rei mandou fazer festa
Três dias a festa rolou.
Disse então o jardineiro
Agora estou casado
Mas porém não tenho casa
Mas sem dinheiro quebrado
Vossa alteza me valha
Senão estou desgraçado.
O rei tinha um palacete
Logo mandou abri-lo
Deu-lhe de mãos beijadas
Para no mesmo dormir
Dizendo este é teu
Enquanto você existir.
Foram a princesa e Alvino
Morar naquele sobrado
Desfrutar o seu amor
De casal sacramentado
O sangue procura o corpo
É muito certo o ditado.
O rei deu-lhe mais dinheiro
Para sua precisão
Ele escreveu para os pais
E mandou-lhe rendição
Cento e vinte e cinco contos
Foi o que mandou então.
Agora então no estrangeiro
Havia um príncipe pagão
Mandou ao rei uma carta
Pedindo da filha a mão
O rei não lhe respondeu
Não lhe prestou atenção.
Então o príncipe pagão
Ao outro propôs uma guerra
Pretendendo então deixar
Em desgraça aquela terra
Disse o rei cristão
Sendo assim você erra.
Armou todo o exército
E mandou sem compaixão
Os navios encouraçados
Atacaram o rei cristão
Entrou o país em guerra
Em defesa da nação.
Porém o rei inimigo
Tendo maior resistência
Ele está bem armado
Sobrava ali competência
Se não fossem os milagres
Da Divina providência.
O rei se vendo perdido
Chamou seu jardineiro
Contou-lhe os resultados
Do seu povo traiçoeiro
Que estava se vendendo
Ao rei pagão do estrangeiro.
Repite o imperador
Queres ser meu general
Disse ele pois não sou
Sua alteza real
Eu darei a minha vida
Na luta ao reino do tal.
O exército do país
Por você será criado
Eis de ser minha pessoa
Na corte desse reinado
Eis de mandar em todos
E nunca serás mandado.
Entregou ao general
Aquela grande patente
Entregou uma medalha
Que valia francamente
Os trinta contos de reis
Brilhante de ouro somente.
Entregou-lhe a espada
A farda com o galão
Deu-lhe plenos poderes
Para resolver a questão
Foi então o general
Combater o rei pagão.
Chamou a jovem esposa
Contou-lhe o resultado
Ficou ela muito aflita
Com o coração agitado
Disse ele é meu dever
Ir defender o reinado.
Se despediu da esposa
E para a guerra marchou
Logo ao chegar no porto
Com uma criança encontrou
Vendendo um papagaio
Que assim ele falou.
Me compre esse papagaio
Que desejo lhe vender
Ele é muito falador
E tudo sabe dizer
Conhece segredo ocultos
Que ninguém pode saber.
Disse então o general
Eu até posso compra-lo
Porém já vou para a guerra
Não tenho quem vá deixa-lo
Disse o menino eu vou
A sua esposa entregar.
Por quanto queres vender
O general perguntou
Lhe dou por quatro vinténs
Mas ele se admirou
Dizendo que dava dez
Mas ele não aceitou.
O papagaio começou a falar
Com o general
Dizendo quem vai pra guerra
É um amigo leal
Deus te leva e te traz em paz
E te defende do mal.
O general espantou
De ver tanta sapiência
Um ente tão pequenino
Ter tanta inteligência
Pagou o menino e disse
Vá deixa-lo com urgência.
Disse ao papagaio Adeus
Não vá viver com tristeza
Meu senhor vai feliz
Isso eu digo com certeza
O senhor vai e eu fico
Mais sua nobre princesa.
O general espantou
Quando falou na princesa
O que o menino disse
Reconheceu a certeza
Dizendo ele conhece
Os feitos da natureza.
Quando o menino chegou
Lá na casa da senhora
Ele disse Ô de casa
Disse ela Ô de fora
O papagaio perguntou
Porque é que tanto choras.
Disse ela ô meu louro
Vem então me consolar
Disse ele sim senhora
Vim teu pranto enxugar
Estarei sempre disposto
A fazer o que precisar
Perguntou quer almoçar
Disse ele que não queria
As comidas dessa terra
Ao papagaio não servia
Quem quisesse dar-lhe um almoço
Rezasse uma Ave-Maria.
A princesa então vivia
Com sua casa fechada
Para servir a ela
Possuía uma criada
Para não ser conhecida
Vivia ali internada.
Um dia abriu a janela
Para olhar a cidade
Lá ia passando Jobão
Alma cheia de maldade
Avistando-a tentou fazer
Logo a falsidade.
Ficou ele enfeitiçado
Quando avistou a princesa
Disse tu há de ser minha
Isso eu tenho por certeza
Poderei não te gozar
Se não valer a riqueza.
A princesa pressentindo
O bandido lhe olhando
Avechou-se fechou a porta
Foi logo se arretirando
Então o papagaio disse
O diabo está tentando.
Princesa minha senhora
Será agora perseguida
Reza se encomenda a Deus
Tenha cuidado na vida
Que aquele sedutor
Quer te fazer prostituída.
Amanhã logo cedinho
Vem aqui te perseguir
Cochilada do demônio
Deseja lhe iludir
A senhora não se avexe
Deixe que eu vou agir.
Quando foi de manhãzinha
Chegou o perseguidor
Então disse o papagaio
Aí está o traidor
Foi logo lhe perguntando
O que deseja o senhor.
Disse enfim o inimigo
Tenho um negócio a tratar
Com a dona dessa casa
Que desejo conversar
Meu negócio é urgente
Eu não posso demorar.
Respondeu o papagaio
Vá embora seu bandido
Eu conheço a sua trama
Pois já li o seu sentido
Veio iludir minha senhora
Pra ser falsa ao marido.
Jobão olhou pra dentro
Avistou o papagaio
Que bichinho danado
É pior que um raio
Leu todo meu pensamento
Não arrumou uma falha.
Disse então o papagaio
É uma alma sem critério
Tu gostaria de ver
Tua esposa em adultério
Deixe o mundo e segue
A Deus isso não é um mistério.
Minha senhora jurou
Perante o Deus da verdade
De guardar até a morte
A sua fidelidade
Tu queres manchar
Agora a sua santa castidade.
Jobão saiu por ali
Oprimido da tristeza
Imaginando a mulher
E sua grande beleza
E aquele papagaio
Que o fez perder a empresa.
Debaixo de uma árvore
Sentou-se quase chorando
Quando avistou uma velha
Que andava manquejando
Escorada em uma vara
Fingia andar mendigando.
A velha era o diabo
Que a pecar o tentou
Como vai o meu netinho
Dessa forma perguntou
Mas ele estava zangado
Nem atenção lhe prestou.
Fala e diga meu neto
O que sofre pra velhinha
Eu tenho eficiência
Pra domar a rainha
A força inquebrantável
Não existe igual a minha.
Eu sou a mãe do feitiço
Ninguém me pode vencer
Para me subjugar
Só existe um poder
Fora esse eu garanto
Faço o que quero fazer.
Entro nos lugares ocultos
Mesmo na escuridão
Tenho subjugado duros
Da mais alta posição
Todos a mim obedecem
Conforme a ocasião.
Ai respondeu Jobão
Te digo com a certeza
Se arrumares o que quero
Te darei grande riqueza
Durante a sua vida
Nunca mais terá pobreza.
Disse a velha a Jobão
Basta teu sangue me dar
Pois se assim o me der
Melhor poderei passar
Dinheiro eu tenho de sobra
Tanto se possa gastar.
Disse Jobão é uma jovem
Que tenho no pensamento
Desde a hora que a vi
Que vivo em sofrimento
Minha paixão é tão forte
Não esqueço um só momento.
Disse ela estou ciente
Da tua grande amizade
Isto é coisa mais simples
Faço com facilidade
Basta me dar o que quero
Que farei tua vontade.
Disse Jobão acho difícil
O plano ser executado
Lá tem um papagaio
Que só sendo endiabrado
Adivinhou os intentos
Que eu havia planejado.
Que papagaio que nada
Não haverá embaraço
Para isso eu sou disposta
E tenho força no braço
Basta me dar o que pedi
O que prometo eu faço.
Jobão furou o braço
Tirou o sangue e entregou
Logo sem perda de tempo
A bruxa velha marchou
Para a casa da princesa
Porém nada ela arranjou.
Chegou dizendo ô de casa
Sem ninguém nada falar
Pergunta enfim a princesa
Quem é que está a chamar
Disse o louro é o diabo
Que pretende te levar.
Ave Maria meu Deus
Murmurou ela cismada
Caiu ela de joelho
Rezando muito avexada
Ô de casa ô de casa
Insistia a malvada.
O papagaio perguntou
Quem é que chama aí fora
Disse a velha sou eu
Disse ele vá embora
Eu sei qual o seu negócio
Veio iludir minha senhora.
Não vim iludir a ela
Mas apenas conversar
Quero faze-la feliz
A porta quero entrar
Se não abrir entro a força
Você não pode privar-me.
Vai embora cuviteira
Deixa de ser insistente
A força você não entra
Aqui absolutamente
Eu lhe esmago a cabeça
Como a Virgem à serpente.
A velha meteu a mão
E logo a porta quebrou
O papagaio irado
Logo o diabo agarrou
Dentro do palacete
Grande luta se travou.
Agarrou-a com o bico
Bateu com ela no chão
Era mesmo que um pinto
Nas unhas de um gavião
Revirou todos os móveis
O papagaio e o cão.
A feia velha gritou aflita
Você me mata meu louro
É pelo seu desaforo
Só sai daqui ensinada
Quando levar muito couro.
Deu mais de duzentas quedas
O olho dela arrancou
Rasgou-lhe a roupa toda
E uma perna quebrou
Depois de muito surrá-la
O papagaio a soltou.
Assim que ele a soltou
Ela saiu dizendo
Ai quase que morro agora
Nas unhas do sorancaio
Quem não conhece Miguel
Chama aquilo papagaio.
O papagaio gritou ainda
Vais resmungando
Não meu louro disse ela
Parece que comigo
Ainda está se incomodando.
Chegou lá e disse a Jobão
Estou quase desgraçada
O marvado papagaio
Me deu uma surra danada
Tirou-me um olho
Deixou minha perna quebrada.
Eu não disse
Que você não tirava resultado
Bichinho como aquele
Só parece endiabrado
Sei que não posso vencê-lo
Vamos dar como acabado.
Disse a velha faz pena
Outro homem a gozar
Mas eu te ensino
Um meio para dela se vingar
Levanta um falso a ela
Que assim pode te pagar.
Disse Jobão como fazer
Para ser bem empregado
Disse eu te ensino e fica bem ensinado
Preste me bem atenção
Pra ficar certificado.
Ela tem no peito esquerdo
Um sinal como uma rosa
Que parece um desenho
Feito por mãos caprichosas
Tem um cachinho de cabelo
Feito uma trança formosa.
Você dando esse sinal
Ela está desgraçada
Pode ficar na certeza
Que vai morrer enforcada
E a surra do papagaio
Em breve será vingada.
Se despediu de Jobão
E logo se arretirou
Então aquele malvado
No mundo aquilo espalhou
Que a mulher do general
Com ele se adulterou.
Foi aonde estava o rei
Aquele infame malvado
Jurou que a princesa
Tinha o esposo atraiçoado
Disse o rei até nem posso
Perdoar esse pecado.
Com quem ela o traiu
Disse ele foi comigo
A mulher do general
É meu maior inimigo
Ambos irão morrer
Sofrendo assim o castigo.
Você também vai morrer
Para não escandalizar
A mulher estava quieta
O que tinha que incomoda-la
Rei, foi ela a culpada
Seduziu-me com o olhar.
O rei anunciou
A morte do general
E a morte da esposa
Porque fora desleal
Pôs em luto dobrado
Quase em toda a capital.
A princesa inocente
De nada disso sabia
O papagaio calado
Nem cantava nem sorria
Pudor dela manchado
A mais santa que havia.
O general foi à guerra
Matou e desbaratou
O orgulhoso pagão
Prendeu e sub-julgou
Perdeu mais de 20 mil
Mas a pátria libertou.
Quando chegou encontrou
De luto todo o reinado
Sentia tais convulsões
Quase morreu assombrado
Ao saber que a esposa
O tinha atraiçoado.
Disse ele não acredito
Na infame traição
Minha esposa é uma santa
Não tem esse coração
Eu juro perante Deus
Foi outra ela não.
Disse o rei ao general
O senhor vai ser degolado
Respondeu o general
Senhor muito obrigado
Com isso queres pagar
Quem o fez libertado.
Foi preso o general
Trancado numa prisão
Então disse o papagaio
Já chegou meu patrão
Vai morrer enforcado
Sem a menor rendição.
Minha senhora não sabe
Que a dias foi traída
Tão santa tão inocente
Porém na rua é vendida
Vamos logo sem demora
Senão ele perde a vida.
A princesa quis correr
Descalça de pés no chão
Disse o papagaio calma
Tenha fé no Deus cristão
Que não desampara o justo
Com a sua proteção.
Saíram ambos avexados
O papagaio e a princesa
Sendo que era o guia
Sempre a guiar sua alteza.
Para onde estava o marido
Pois ela não tinha certeza.
Quando a princesa chegou
Que avistou o marido
Disse a Deus meu esposo
Meu belo anjo querido
Não calcule a saudade
Que por ti tenho sofrido.
Eu dou por vista meu anjo
Meu amor meu sumo bem
As que eu também sofri
Quando estive muito além
Eu vou morrer enforcado
Vieste morrer também?
Disse então o papagaio
A Deus meu belo senhor
Está preso inocente
Ia passar pela dor
Se não tivesse a teu lado
O mais justo defensor.
Disse o papagaio ao rei
Sua real majestade
Estas almas inocentes
Ignoram a maldade
Eu provo que é calúnia
É a maior falsidade.
Jobão irmão de Alvino
Esse falso levantou
Contra a sua cunhada
Dizendo que maculou
Jurou falso testemunho
E sua alteza acreditou.
O diabo dos infernos
Depois de ter atentado
Fez ele ver minha senhora
Na janela do sobrado
Por ser ela muito linda
Ficou ele enfeitiçado.
Foi ver se a iludia
Porém nada encontrou
Porque repeli a ele
Desenganado voltou
Por sua infelicidade
Com o diabo encontrou.
Esse o iludiu
Em troca do sangue dele
Porém não arrumou nada
Porque a ele repeli
Então o povo disse
Que papagaio é aquele.
O que eu digo eu sustento
Ninguém queira acreditar
Mas vou buscar o diabo
Para a história contar
Sub-julgado por mim
Ele não pode negar.
Pediu licença ao rei
Bateu asas e voou
Em menos de dez minutos
Com a velha ele chegou
Contar toda a história
O papagaio a obrigou.
Conta a história direito
Não quero ver covardia
Senão leva outra surra
Pior que a daquele dia
Eu te esmago a cabeça
Como esmagou Maria.
O diabo quis negar
Porém ele temeu
Contou amiudamente
Todo o fato que se deu
Quando surgiu a verdade
Logo a mentira morreu.
Disse então o papagaio
Entrega o sangue alheio
Perde esse mal costume
Pois ele é muito feio
Não vá mais caluniar
Senão te corto ao meio.
Aí o rei perdoou
O seu amigo leal
Logo no dia seguinte
Promoveu o general
Ofereceu de presente
A coroa imperial.
Disse Alvino obrigado
A mão do rei beijou
O papagaio nesta hora
Cantou sorriu e falou
Fez um discurso eloqüente
Que o povo se admirou.
Eu conheço o meu senhor
Quando ele foi batizado
No dia em que ele nasceu
Eu me achava encostado
A parteira que o pegou
Chamava Ana Machado.
Deste dia em diante
Dele não me separei
Sou testemunha ocular
Se precisar jurarei
Se já pecou contra Deus
Eu ainda não notei.
Os seus pais eram pobres
Gemiam falta de pão
Mas sempre resignados
Com o dever de cristão
Nunca usou indolência
Na hora da oração.
Minha nobre senhora
Eu vi quando nasceu
A sina que ela trouxe
Que o pai repreendeu
Sendo ela uma fidalga
Casar-se com um plebeu.
Mas aquilo que Deus faz
Ninguém pode desmanchar
Sendo sorte boa ou não
O homem tem que aceitar
Deus é quem nos domina
Ninguém o pode dominar.
Disse o papagaio ao rei
Reconheceu sua alteza
Deus só é que tem poder
No mais tudo é fraqueza
Mandou que o imperador
Pusesse a benção na princesa.
A princesa tomou a benção
E o rei se assustou
Logo reconheceu a filha
A ela abençoou
A rainha igualmente
Muito alegre ficou.
O rei abraçou o genro
Com a maior alegria
Quem chorava noutra
Naquela hora sorria
Só Jobão naquela hora
Arrependido gemia.
Disse o papagaio ao rei
Sua alteza real
Fez bem entregar a coroa
Ao seu genro marechal
Pois fará melhor justiça
Porque tem melhor moral.
O rei entregou a corte
Foi este ser imperador
Disse o papagaio manda
Chamar seus progenitores
Que choram todos os dias
Com saudade do senhor.
Olha eu não sou papagaio
Sou um anjo tutelar
O anjo de sua guarda
Que Deus mandou te livrar
Receba os quatro vinténs
Foi ao senhor entregar.
Até o dia do juízo
O papagaio murmurou
Dando um beijo na princesa
Bateu asas e voou
Foi grande a comoção
Que todo povo chorou.
Quando ele ia voando
Ia soltando muitas flores
E as flores só caiam
Sobre o colo dos senhores
Cantando um hino angélico
Oferecendo a Deus louvores.
Viram que o céu se abriu
Quando ele entrou
A princesa de saudade
Muitas lágrimas derramou
A saudade do papagaio
Nunca mais se acabou.
Graciana aos 16 anos leu um livro sem capa. Declarou hoje desconhece o autor, mas sempre se inspirou nestas histórias para valer seu olhar simplório para Jesus Cristo, o Deus de toda glória. Ensinou sempre aos mais jovens. Que embora gostem muito de as ouvir, nunca as aprenderam.
Graciana hoje com 79 anos de idade tem uma memória invejável, guarda na cabeça centenas de versos, orações e contos. Indiscutivelmente encantadora.
Essa história é aclamada
Por Graciana a contar
Mas quem da vida à história
É ela ao declamar
A pureza e o encanto
De tão singular figura
Encanta e impressiona
À mais bruta criatura.
Oito décadas de vida
E uma história sem igual
É um encanto com seus olhos
Pessoa fenomenal
Tia de João Damasceno
E avó de sua Cristina
É bisavó de Stela
Aquela doce menina.
Quanto encanto em Montes Claros
Quanta gente quanta história
Quantos sonhos aqui nasceram
Voaram buscando a glória
Quantos séculos desde a origem
Quanto tempo se passou
Foram quase quatro séculos
Desde seu desbravador.
O lento passo do tempo
Que ninguém pode alterar
É testemunha de tudo
Que aqui me ponho a contar
Desde Antonio e Ambilina
Até a presente data
Caminhando nessa história
Que cativa e arrebata.
No folclore desse povo
De uma vasta região
Água Fria, Alto Paraíso
E também em São João
São comuns as mesmas lendas
Cheias de fascinação
Personagens encantados
Feitiços e devoção.
Minha mãe ainda conta
Meus avós também contavam
Eventos misteriosos
Que muito impressionavam
Espectros sobrenaturais
Que fazendo traquinadas
Assustavam os moradores
Que não podiam fazer nada.
Segundo a tradição
Não eram eles fantasmas
Mas índios aqui nativos
Que com feitiços se encantavam
Tornavam-se invisíveis
Quando bem lhes aprouviam
Fantásticos e muito ágeis
Mais que um corcel corriam.
Antes da monocultura
Com seu império arruinante
As roças eram de toco
O equilíbrio constante
Cansativo era o cultivo
O fruto era abundante
Não se perdiam em depósitos
De um mercado oscilante.
Plantavam para se comer
E viver dignamente
Não como avaros mercenários
Num comércio indecente
Era uma era simples
De fartura e de labor
De alegria e pranto
Felicidade e dor.
Os índios eram chamados
Compadres pelos fazendeiros
Embora muito traquinos
Não eram muito encrenqueiros
Pois não buscavam a briga
Queriam se divertir
Assustando aquela gente
Que residia ali.
Das práticas desses espectros
Algumas vou destacar
Enchiam as estradas de árvores
Dificultando o passar
Nas trilhas em meio ao mato
Com o capim faziam laçadas
Que serviam de tropeço
Pra aqueles que as usavam.
Nos ranchos em meio à roça
Na hora de laborar
Alguém ficava cuidado
Pros índios não aprontar
Pois eles apagavam o fogo
Enchiam de cinzas as panelas
Faziam grande algazarra
Mas não causavam mazelas.
Nos pastos e nos currais
Os animais padeciam
Orelhas, crinas e rabos
Em tudo eles mexiam
Cortavam e amarravam
Depois soltavam distante
Deixando os donos dos bichos
A campear como errantes.
Gostavam de ser cortejados
E de receber presentes
Gostavam de leite e queijo
De fumo e de aguardente
Quem assim os tratava
Tornavam-se seus parentes
Recebiam seus agrados
E as artes eram ausentes.
Se enamoravam das moças
E as vezes as raptavam
Existe algumas estórias
De moças que não voltaram
Do mesmo modo que existe
Contos dizendo o contrário
De índias que eram raptadas
Já com um destinatário.
Entre muitas que existem
Há um caso nesta família
Que capturou uma índia
Com tamanha valentia
Usando de cão caçador
E muita determinação
Conseguiu pegar a índia
Que mordia como um cão.
Levou-se muitos anos
Pra conseguir amansa-la
Era ainda uma criança
Quando foi capturada
Com média de doze anos
Como bicho foi criada
Quando se tornou mulher
Já estava adaptada.
Os índios muito tentaram
A indiazinha resgatar
Não obtendo sucesso
Resolveram se vingar
Raptaram duas meninas
Dos moradores do lugar
Foi grande então a tristeza
O povo pôs-se a lamentar.
Episódios como esse
Por aqui são naturais
Diferem em alguns pontos
Mas na essência são iguais
Narram essa convivência
Entre os índios e o povo
Figuras que estão presentes
Na mente do velho e do novo.
Se são crendices ou fatos
É difícil se saber
Tem gente aqui que afirma
Que é verdade pra se crer
Afirmam serem descendentes
De índias capturadas
A avó de minha mãe
É uma destas citadas.
Entre os contos mais comuns
Estão a mula sem cabeça
E também o lobisomem
Monstros que aqui são homens
A mula sem cabeça
É um monstro que espanta
Ela sempre aparece
Durante a semana santa.
Ela é uma mula preta
Sem cabeça no pescoço
Onde era pra ter cabeça
Tem uma tocha de fogo
São as mulheres que em vida
Com os padres se enamoraram
Quando morrem não descansam
Mula sem cabeça se tornam.
O lobisomem aqui
É fruto de encantamento
É só aprender a oração
Pra se meter no tormento
Depois de achar um ninho de égua
Onde a pouco ela estava
Se espojar naquele ninho
E orar com fé declarada.
Mas tem que ser sexta-feira
Em noite de lua cheia
Pra cumprir o ritual
Tem que ter sangue nas veias
Porque é à meia-noite
Que a coisa se desencadeia
Corte os pulsos e beba o sangue
Completando a coisa feia.
É assim que qualquer homem
Pode virar lobisomem
Mas pra se manter vivo
Tem de matar sua fome
Sangue humano bem quente
Pra poder se saciar
Por isso o lobisomem
Necessita de matar.
Pois se ele deixar vivo
A presa que ele pegou
Este vira lobisomem
Pra matar seu criador
Pra matar um lobisomem
Lobisomem tem que ser
Ou então punhal benzido
Isso se o cabra crer.
Mas se saíres por aí
E um lobisomem encontrar
Enfie um punhal virgem
No seio do seu olhar
Isso não o matará
Mas muito o fará sofrer
Pois com esse simples golpe
Homem ele volta a ser.
Há também outros encantos
Bem comuns na região
São tesouros encantados
Guardados por assombração
Mané Veio do João Paulo
Filho de nosso Heitor
Antes que viesse à morte
Um tesouro encantou.
No João Paulo referido
Então sede de Mané
Ele fez esse encanto
Que eu conto como é
Ajuntou um grande tacho
Feito de ouro batido
Todo ouro, prata e bronze
Que trazia escondido.
Moedas e medalhões
Colares também anéis
Jogou tudo dentro do tacho
Mais de dez milhões de reis
Fortuna mui grandiosa
Que ele havia ajuntado
Trabalhando em sua terra
Que do pai tinha herdado.
Cavou na beira da cerca
Ao lado de um murundu
Enterrou sua fortuna
E encima plantou bambu
Passou o tempo e Mané
Ficou velho e faleceu
Quis guardar sua fortuna
Veja o que aconteceu.
Reza a crendice do povo
Que o dinheiro é amaldiçoado
E quem enterra dinheiro
Nele fica aprisionado
Não encontrando descanso
Nem aqui nem do outro lado
Vira uma assombração
Vivendo atormentado.
Pra se livrar do encanto
Só existe uma saída
É achar um homem valente
Que tenha a fé exigida
Pra encarar a assombração
E quebrar-lhe o encanto
Mas tem que ser corajoso
Pra não fugir de espanto.
Pois a assombração aparece
Nas mais distintas figuras
Que vêm sempre violentas
Sobre a tal criatura
Se ele lhes resistir
E for vencido por temor
Esse se torna herdeiro
Daquele que desencantou.
Mas se ele fugir com medo
Nada então herdará
E a pobre alma penada
Ainda mais vai esperar
Mané Véio enterrou
O tesouro que herdou
Por isso no seu tesouro
Aprisionado ficou.
Quem passa só no João Paulo
Em frente ao bambuzal
Vê a assombração do velho
Pedindo auxílio ao tal
Contudo se isso é verdade
Mané Véio é prisioneiro
Pois o bambu que plantou
É um gigantesco bambuzeiro.
Tem gente aqui que garante
Que lá já foi assombrado
Por figuras aterradoras
Correndo para o seu lado
Contudo faltou coragem
Pra esperar e herdar
Saíram apavorados
E não mais passou por lá.
São touros, lobos ferozes
Dragões, figuras pesadas
Quem vêm para assustar
Afim de ser libertada
Todos trazem a mensagem
Das almas aprisionadas
Que moram junto à fortuna
Que ali foi enterrada.
São estórias do folclore
Que alguns com segurança
Afirmam serem verdadeiras
Pra adultos e crianças
Só quem ouviu me entende
Só quem viveu acredita
Tudo isso é nossa gente
Essa geração bendita.
São João Batista aqui
É muito privilegiado
Patrono desta paróquia
É santo muito honrado
Quando chega o mês de junho
Já se tem a tradição
Tem quermesse tem novena
Em honra a São João.
Barracas em palha de coqueiro
Bandeiras, papel picado
Pipoca, quentão, canjica
Quadrilha e forró arrojado
Fogueiras, batata doce
Licores, milho assado
É assim que nossa gente
Festeja o santo adotado.
Quase todas as fazendas
Têm aí sua capela
Onde vivem sua fé
E ao seu Deus se revela
Os filhos de Rebendoleng
Mantêm-se fiéis à Jesus
Mesmo que alguns o traiam
Negando a sua cruz.
Em cada casa e família
Fagulha do polonês
Existe um homem de fé
Pra cumprir o pacto que ele fez
De honrar a Deus do céu
Pai de Jesus Salvador
Por isso em cada família
Tem ele um embaixador.
Que aos poucos vai se abrindo
Deixando o Cristo crescer
Tornando-se sal e luz
Para que todos possam crer
Católicos na maioria
Em minoria protestante
Há também os desgarrados
Que não se fazem orantes.
Vivem de outros credos
Que lhes são convenientes
Mas trazem em si a sede de Deus
Mesmo sendo negligentes
O Deus do céu tem poder
Ele vai nos ajudar
Um dia toda essa gente
Pra Jesus irá voltar.
Herdado dos primitivos
Antigos donos do chão
Os índios que aqui moravam
Antes da colonização
Costumes supersticiosos
Palavras, ritos pagãos
Mesclaram-se à fé
Dos filhos dessa nação.
Porém a religião
Está viva e segue bem
É fator determinante
Que toda a estirpe tem
Ainda que vacilantes
São tementes e de oração
Esperam em Jesus Cristo
Com amor e devoção.
Em louvor aos nossos santos
Exemplos que nos seduz
A viver a fé em Deus
E ser fiel a Jesus
Por todas as comunidades
Nos mais distintos dias
Têm rezas, festas e banquetes
Folias, muita alegria.
Uns devotam-se a Maria
Senhora da Conceição
Outros a Aparecida
Lourenço e Sebastião
Nossa Senhora do Livramento
De Fátima, de Abadia
Do Desterro e Rosa Mística
Santa Rita e Santa Luzia.
São José, pai de Jesus
Antonio e o Espírito Santo
São Francisco de Assis
Também tem aqui um canto
São Pedro e Paulo apóstolo
Agostinho e André
São santos aqui honrados
Exemplos de amor e fé.
O povo muito singelo
Traz a fé no coração
Sofrem as dores do dia-a-dia
Agarrados à religião
Têm nos santos intercessores
Um apoio na provação
Por isso eles são honrados
Com tanta admiração.
Com o lento passar do tempo
O mundo se transformou
Mudaram-se os pensamentos
Mudaram até o amor
Só deus ainda é o mesmo
Não se pode contestar
Por ser o grão criador
Ninguém o pode mudar.
Mudou o sonho do homem
Mudou o seu sentimento
Mudou o seu vestuário
Mudaram seus alimentos
Mudou seu coração
Mudou seu jeito de ver
Mudaram a religião
Mudou o jeito de crer.
O bonito ficou feio
O feio tornou-se belo
O sol hoje é cor de sangue
Já não é mais amarelo
Rompeu-se o limite humano
Com o deificar do homem
Mataram a tiro a amizade
E a verdade de fome.
O objeto virou gente
Gente virou objeto
Banalizaram o sexo
Extinguiram o afeto
Destruíram o carinho
E a sensibilidade
E moldaram a bel prazer
Nova sexualidade.
Sujaram o conhecimento
Insultaram a sabedoria
Exaltaram a insensatez
Com amor e idolatria
Pegaram todos os sábios
Passaram ao fio da espada
Sentaram no trono um tolo
A confusão foi armada.
Só se pode resistir
Que não temer o martírio
Ser fiel ao criador
E a Cristo seu único filho
Nem mesmo a natureza
Recebeu a anistia
A coitada e estuprada
Com total selvageria.
Mas Deus ainda é Deus
E espera com paciência
Dá tempo a seus vis herdeiros
Agindo com sapiência
Contudo o tempo é curto
A noite alta está
Temos que estar preparados
Pra hora que o sol raiar.
No mundo em que vivemos
Quem crê é discriminado
Quem espera em Jesus Cristo
De idiota é tachado
Não há espaço para a fé
Se ela é verdadeira
Mas se for de conveniência
A aclamam de primeira.
Mas nós que cremos em Cristo
Por vontade do Senhor
Não seremos confundidos
Viveremos no amor
Ainda que vacilantes
Entre tristeza e dor
Jamais estaremos só
É promessa do Senhor.
O amor que era a expressão
Do belo e também do bom
Sinônimos de Deus do céu
Agora mudou de tom
A qualquer futilidade
Desgraçantes porcarias
Dão o nome de amor
Com tamanha covardia.
Não conhecem o amor
Não sabem que ele é Deus
Por isso sempre é perene
Não muda como ao seus
Ele é sempre o mesmo
Genuíno em todas as expressões
Não é como são os homens
Doutores em confusões.
Termino aqui meu relato
Que não termina aqui
Como a vida segue o curso
Também ele vai seguir
Porém caberá a outro
Continuar a narração
Pra não deixar se perder
Nossa peregrinação.
A noite vai indo alta
O dia já vai raiando
Sinto o tempo mudar
O novo se aproximando
O universo terreno
Está em reorganização
Há conflitos efervescentes
Em cada palmo de chão.
O cheiro do novo dia
Exala por toda a Terra
A sede de um novo tempo
A todos os homens encerra
A humanidade em dores
Espera o parto vindouro
Onde a paz e a amizade
Sejam os mais nobres tesouros.
As trevas se empalidece
Diante da luz da vida
Que renasce em cada homem
Após ser tão agredida
Quem espera sempre sofre
Sempre sofre mas alcança
Quem viver verá feliz
Um tempo de bonança.
O amor que é ressureto
Agora faz ressurgir
No coração dos seus filhos
A sede de ser feliz
Os homens sentem saudade
Do tempo em que eram humanos
Mortais tementes e crentes
Em um Senhor soberano.
Já vejo o renascimento
Da fé da religião
Vejo o homem aprendendo
O valor que tem o perdão
Vejo o jovem a sonhar
Com o amor verdadeiro
E lutar pra ser bem mais
Que um objeto passageiro.
Vejo o ter perdendo força
Vejo o ser a reagir
Vejo nova ordem mundial
Lentamente emergir
Não me engano sei é lento
O processo é demorado
Sei que o joio é imponente
E não será arrancado.
Mas sei que joio e trigo
Podem juntos conviver
Porém o trigo não pode
Em joio se converter
Por isso vejo o que vejo
A ressurreição do ser
Que a tanto fora morto
Pelo domínio do ter.
Ouço um canto a ecoar
Em meio à sonora poluição
Que tornou o homem surdo
E cegou seu coração
São ainda em minoria
E assim sempre serão
Mas farão grandes mudanças
Cantando a mesma canção.
Canção que fala de vida
De amor e ressurreição
Canção que fala a verdade
Sem ódio nem pretensão
Canção que leva a amar
Sem nunca fazer distinção
De raça, credo ou cor
Costumes ou posição.
É esse o cântico novo
Da nova população
Que vem proclamar ao mundo
O tempo da redenção
Quem tiver ouvidos, ouça
Com carinho e atenção
A fé entra pelo ouvido
E habita no coração.
Já é tempo de amar
No rosto por um sorriso
Baixar as armas de guerra
Abrir-se a fazer amigos
Juntar-se aos novos homens
Na construção do novo mundo
Ainda que seja um sonho
E dure só um segundo.
Pois um segundo é o bastante
Pra quem crê na eternidade
Pois por ser ela o que é
É um segundo na verdade
Desejo a ti meu leitor
Amigo e meu irmão
Uma leitura feliz
E uma feliz redenção.
Deixo a estória em aberto
Pra se dar continuação
Pois pra glória de Jesus
De Rebendoleng satisfação
Daremos ao mundo o brilho
Ao homem nova direção
E como Deus não tem fim
Não terá fim essa geração.
Há de se imortalizar
Nas mãos do Senhor Jesus
Esta estirpe abençoada
A quem Ele ama e conduz
Ao velho Rebendoleng
Haveremos de nos juntar
E a glória de Jesus Cristo
Pra sempre iremos cantar.
Quer no céu ou quer na Terra
Deus sabe e o fará
Já disse e agora repito
Quem viver então verá
Saúde à humanidade
Pois somos todos irmãos
Entremos no novo dia
Cantando a mesma canção...
Apresentação
Não quero aqui lavrar a história como o dono da verdade. O intuito dessa obra é centralizar e explicitar ao leitor, a beleza, o encanto, a mística, a poética, os medos, os sonhos, os credos, as crendices e lendas de um povo simples e humilde, com sua vida fantasiosa e sofrida. Povo que é o resultado da miscigenação entre poloneses e mineiros do século dezoito.
No período pré-bandeirantes no Planalto Central, um grupo de desbravadores invadiu o nordeste de Goiás, se instalando nestas terras, Aí, se firmaram e construíram uma história.
Queremos de maneira despretensiosa, com a finalidade única de registrar a cultura local e edificar a árvore genealógica de uma família que descende de um dos mais antigos personagens da região, o desbravador polonês, Antonio Rebendoleng Szervinsk. O que é história se mistura com as lendas. E a insuficiência de subsídios, torna o apurar dos fatos uma utopia e o historiar científico, um desafio impossível.
Contudo o nosso intuito é de modo simples e laico tornar imortal, ou pelo menos prolongar a memória desse povo, de modo que a voraz mão do tempo não dê fim a todos esses séculos de sonhos e história, como tem feito até agora.
A cultura de um povo é: sua face, sua memória, sua raiz e sua força.
Joaquim Teles de Faria
Introdução
Tudo que aqui contém, é fruto de pesquisas baseadas em conversas com os cidadãos mais velhos que descendem de Antonio Rebendoleng Szervinsk e sua esposa Ambilina, adicionado ao meu fiel desejo de recriar a história de um povo, que é nada mais que minha família.
Usando o sistema de rimas, que é próprio na região, rica em cantadores de modas, cantorias e catiras, narro em forma de versos, a vida de um povo que é uma verdadeira poesia. Adiciono à história familiar ingredientes regionais que enriquece o texto, conferindo-lhe um hilário caráter folclórico.
Desfrutem bem o texto, e tenho certeza que irão se encontrar nessa história, onde o real e o fictício não se fazem distintos.
Meu conto em forma de canto
É canto em forma de conto.
Que vem contar como eu conto
O conto que me ensinaram.
Não canto porque não canto
Não por não querer cantar
Mas pra vocês vou contar
O fato que me contaram.
Nas terras do velho mundo
Num mundo sempre a mudar
As guerras e os pensamentos
O mundo a dominar
Guerreando em pensamentos
Sem a espada empunhar
Ou empunhando a espada
Sem parar para pensar.
O romanismo acabou
Deixando o mundo em caos
O seu império passou
Não sei se foi bem ou mal
Os poderosos da Terra
Cada qual com seu sinal
Buscaram construir seu reino
Com barbarismo total.
Para obter prestígio
E se apossarem da Terra
Lançaram-se na guerrilha
Lutando como as feras
Os gigantescos reinados
Não tinham hegemonia
E a guerra era constante
Por causa da tirania.
Os Avaros Reis da Terra
Querendo sempre ter mais
Fizeram do mundo um covil
De violentos chacais
Fera engolindo fera
Era o retrato de então
Parecia não ter fim
Tamanha desolação.
Até a religião
Que é fator tão inerente
Lançou-se em consternação
Numa contenda indecente
Era credo contra credo
Era crente contra crente
Ganharam assim combustível
Os choques já existentes.
Os senhores pensadores
Com suas filosofias
Declararam-se contrários
À régia teologia
Então as religiões
Caíram em contradição
Apregoavam o amor
Mas massacravam o irmão.
Até o catolicismo
Religião dos cristãos
Atropelaram o Cristo
Em nome da dissensão
Partindo pra ignorância
Foi grande a desolação
Irredutíveis pra sempre
Fixaram a divisão.
Dos existentes conflitos
Conflitos novos surgiam
Pensamentos e doutrinas
Em número e gênero cresciam
E as massas já existentes
Quanto mais se conciliavam
Expressavam-se e se explicavam
Tanto menos se entendiam.
Ásia, África e Europa
Oriente e Ocidente
Nações pouco populosas
Mas bastante divergentes
Farinha de um mesmo saco
Que agora se estranhavam
Comiam no mesmo prato
Depois se digladiavam.
Assim foi por muito tempo
Passou-se séculos demais
E as soluções que surgiam
Não se faziam eficazes
Mas existiam exceções
De algumas poucas famílias
Que pereciam em tortura
Porém não se corrompiam.
Do seio dessas famílias
Em tempo de desesperança
Onde estavam em conflito
A Inglaterra e a França
Entrou na guerra a Polônia
Por causa de uma aliança
E os varonis poloneses
Se acharam em desventurança.
O sangue humano na terra
Corria em grandes torrentes
Fruto robusto dos atos
Dos homens inconseqüentes
Com causas pra lá de fúteis
Avaros e egoístas
Matavam a humanidade
Pra alcançar a conquista.
Foi no século dezoito
A data exata eu não sei
Um valoroso guerreiro
Desobedeceu a seu rei
Não aprovando a guerra
E o massacre do seu povo
Esse jovem polonês
Tomou o caminho novo.
Dissidente destemido
Reuniu os seus soldados
Explicando seu propósito
Conquistando aliados
Mas se achou em apuros
Com seu rei revoltado
Que queria seu escalpo
Por ter sido ignorado.
Os tementes aliados
Preferindo obedecer
Desistiram da dissensão
Com medo de perecer
Ficou o jovem guerreiro
Sem terra pra se apoiar
Se não morresse na guerra
O rei iria matar.
O guerreiro dissidente
Pra não cair em perdição
Sendo ele muito crente
Recorreu à religião
Orou com fé e esperança
Pedindo ao seu defensor
Que lhe mostrasse um destino
E o levasse com amor.
Se recusara a matar
E agora a morte o queria
Só lhe restava fugir
Quer de noite ou de dia
Mas ao Deus que ele orou
Sua oração chegou
E pra esse peregrino
Jesus Cristo então olhou.
Estando o jovem guerreiro
Perambulando sozinho
Encontrou-se com um velho
Que há tempos foi seu vizinho
Era um velho marinheiro
Desbravador destemido
Que sairia em viagem
À rumos desconhecidos.
Beberam numa taberna
E o jovem foi convidado
Pra se fazer desbravante
Com o velho entusiasmado
Ele tentou exitar
Porém tudo conspirou
Sem tempo para pensar
Com o velho ao mar se lançou.
Nem bem haviam partido
O velho e seu novo amigo
Chegou à taberna o exército
Que o jovem havia seguido
Escapou por um milagre
O destemido varão
Não despediu de seus pais
Nem lhes pediu suas bênçãos.
Naquele velho navio
Achou acomodação
Rezou e deitou-se exausto
Sentindo o seu coração
Pensou na família
Os seus pais e seus irmãos
Temeu e chorou sozinho
Em meio à tripulação.
Muitos meses de passaram
E o navio a singrar
Fortes ventos o levava
A deslizar sobre o mar
Quanta água e silêncio
Naquele mar infinito
O céu em azul profundo
No mar era mais bonito.
Aquele jovem singrando
Aprendia sobre o mar
Esperava a terra firme
Com a ânsia de chegar
Não sabendo que o destino
O queria experimentar
Preparava-lhe um tropeço
Que iria lhe provar.
Noite alta em pleno mar
Céu azul-negro estrelado
Numa cadeira singela
O jovem ia sentado
Contemplando a visão
Que num instante mudou
Tempestade violenta
Sobre o mar se formou.
O mar sereno de outrora
Converteu-se em confusão
Ondas fortes e violentas
Rugiam como leão
Sacudindo o velho barco
Aquele vento apressado
Causava grande transtorno
Deixando o jovem assustado.
O velho lobo no leme
Com o velho barco dançava
Sentindo os braços do vento
Em tom profundo gritava
Avante homens lutemos
Que o mar está furioso
Tantas vezes o vencemos
O venceremos de novo.
Uma rajada de vento
Um raio e um trovão
O mastro partiu-se ao meio
Quando veio o clarão
Descendo com violência
Fez no convés uma fissura
Três horas de tempestade
Três horas de amargura.
A tempestade passou
O mar foi se acalmando
Nisso o sol radiante
Já ia se levantando
A aurora o anunciava
Com seu tom avermelhado
E o velho barco estava
Totalmente arruinado.
Quando o sol iluminou
Toda extensão do mar
Se fez visível a ruína
Que era de impressionar
O velho estava no leme
E os dois estavam no chão
O velho havia morrido
Com o leme em suas mãos
O barco muito quebrado
Não dava pra ser consertado
Sem velas não se movia
Os homens estavam ilhados
Tantos dias estagnados
Com a comida acabando
Esperavam um socorro
E o medo ia aumentando
Começaram a brigar
Por água e por comida
Em meio ao desespero
Muitos perderam a vida
Alguns queriam remar
Buscando retroceder
Alguns queriam esperar
O socorro aparecer.
O jovem quis opinar
Mas a briga foi armada
Brigavam a punho livre
E também com a espada
O jovem se aproveitou
Lutando pra não morrer
Lançou-se sozinho ao mar
Remando num escaler.
Levou consigo a água
A comida e uma espada
Se pôs a remar com afinco
Sem rumo para a jornada
Quinze dias de passaram
Acabou-se a provisão
Restou um barril de água
E a espada em suas mãos.
Mais quinze dias de mar
Tomando água apenas
Parecia a eternidade
Aquela simples quinzena
A água era regrada
Um dia sim o outro não
Era quase um suplício, essa tal situação.
Mas o Deus a quem recorrera
Aquele jovem soldado
Embora aparente ausência
Estava ali do seu lado
Veio lhe impondo à prova
Sem nunca o abandonar
Pois bem próximo a
Uma ilha ele veio naufragar.
Na ilha havia um navio
Que ali estava em missão
Buscando madeira boa
Pra fazer embarcação
Levado pela maré
Na praia fora deixado
Os homens desse navio acharam
O jovem soldado.
A filha do capitão
Que ao náufrago encontrou
Chamando os homens depressa
Para uma tenda o levou
Por sorte estava com vida
E dele ela então tratou
Três dias de muita febre
No quarto a febre passou.
Recobrando a consciência
O jovem nada entendeu
Achava que estava morto
Aquilo ali era o céu
Porém aquela donzela
Que logo lhe apareceu
Com triunfante sorriso
Narrou-lhe o que aconteceu.
Embora muito abatido
Pelos maus tratos do mar
O jovem cheio de vida
Logo quis ajudar
Por ordens do capitão
A pedido da menina
Teve ele que aceitar
Os serviços da cantina.
Quando a obra se cumpriu
Foi falar-lhe o capitão
Deixou-lhe a par das coisas
E deu-lhe uma direção
O navio estava indo
Para Europa Central
Era a chance perfeita
De voltar ao chão natal.
Porém aquele soldado
Não desejava voltar
Queria o novo mundo
Do qual ouvira falar
Por sorte aquele navio
Estava vindo de lá
América é seu nome
Disse o velho a gargalhar.
Lançando mão de um escaler
E de muita provisão
Se dirigiu ao rapaz
O generoso capitão
Falou com entusiasmo
Lhe indicando a direção
Disse é um longo percurso
Haja determinação.
O jovem com um sorriso
Agradeceu a cortesia
Lançou-se no mar
Alegre e com tamanha euforia
Sonhando com o novo mundo
Partiu remando sozinho
Menosprezando os perigos
Que houvesse pelo caminho.
Após semanas de remos
E de cansaço sem fim
Ao longe viu uma praia
O paraíso enfim
Com renovado vigor
Pôs-se o jovem a remar
E antes do sol se por
A praia veio alcançar.
Estendeu-se sobre a areia
Sentindo-se vitorioso
Havia enfim alcançado
O almejado mundo novo
Sentiu a vida fluir
Viveu a ressurreição
Lembrando do seu Senhor
Ali se pôs em oração.
Andando em meio à relva
Daquele solo estrangeiro
Comia fruto silvestre e
Andava o dia inteiro
Perdido andava a esmo
No meio daquela mata
Achou então uma trilha
Que a atenção lhe arrebata.
Seguia aquela trilha
Com redobrada atenção
Buscando rastros e marcas
Pra lhe servir de direção
Andando o dia todo
Desembarcou num areal
Se alegrou de espanto
Achara um arraial.
Sentou-se de fronte às casas
Debaixo de um pequizeiro
Mas fora surpreendido
Por um estranho guerreiro
Um jovem forte e robusto
Com o corpo todo pintado
Com uma lança nas mãos
Levou-o aprisionado.
Com gritos apavorantes
O jovem chama os demais
E num segundo o povoado
O olhava como chacais
Temendo e sem entender
Aquilo que estão falando
Tenta o jovem argumentar
Mas vão logo o agarrando.
Agora atado a um poste
No meio do povoado
Sente a morte a lhe abraçar
Lhe dando um beijo amargo
Aquele estranho povo
De linguajar complicado
Começa um estranha dança
Um ritual engraçado.
O jovem então entende
Que será sacrificado
Então recorre a Jesus
Com coração devotado
Diz ele em seu coração
Jesus meu bom Senhor
Já me livraste no mar
Escutai meu clamor.
Não me abandone agora
Nas mãos desses canibais
Que me atacam com fúria
Maior que a dos animais
Mandai-me o Vosso socorro
Livrai-me dessa maldade
Que eu te honrarei meu Deus
Por toda a eternidade.
Serei um homem de paz
Um homem de oração
E a minha descendência
Vos dará dedicação
Seremos pra Vossa Glória
E pra Vossa adoração
Mostrai-me Vosso poder
Dai-me Vossa salvação.
No meio da grande roda
De olhos fechados estava
Orando a Jesus Cristo
Contrito se encontrava
Mas de repente um silêncio
Se fez naquele momento
Pensou no grande martírio
Temeu aquele tormento.
Pensou por alguns instantes
Recobrando a valentia
Se tinha mesmo que morrer
Com honra então morreria
Abriu os olhos e sorriu
Não contendo a alegria
Viu ali uma figura
Que há muito tempo não via.
Era um padre Jesuíta
Que ali se encontrava
Então o jovem gritou
Como há muito não gritava
Me socorre reverendo
Salvai este pobre irmão
Sou um náufrago polonês
Sou temente, sou cristão.
Fazendo sinal pros homens
Como pedindo permissão
Aproximou-se o padre
E falou em alemão
Que fazes aqui meu jovem
Sabes que será comido?
Disse o jovem me liberte
E pra sempre será servido!
Sorriu o grisalho padre
E saiu sem dizer nada
O jovem sem entender
Sentiu perder a parada
Passou lenta a longa hora
E o padre então retornou
Um homem muito enfeitado
Ao padre acompanhou.
Chegou junto ao prisioneiro
Sorriu e o libertou
Lhe devolveram a espada
E o padre o carregou
Junto ao um imenso Ipê
O jovem se alimentou
Montou num belo corcel
Que o padre lhe indicou.
Partiram em grande silêncio
E em silêncio chegaram
Dormiram o resto da noite
E cedo se levantaram
Então perguntou o padre
De onde vens, qual teu nome?
O jovem sorriu e disse
Sou o mais grato dos homens!
Meu nome é Antonio
Sou europeu da Polônia
Venho buscando a vida
Pra não morrer na vergonha
Foi em solo polonês
Que nasci e me criei
Ando levado por Cristo
Onde parar eu não sei.
Vim fugindo de meu rei
Que me queria matar
Porque eu me recusei
Sangue inocente derramar
De mocinho a vilão
Foi fácil me transformar
Bastou aos seus exageros
Uma só vez contestar.
Assim a passo miúdo
Contou todo o ocorrido
Mostrando por quantas vezes
Jesus lhe tinha valido
Se dispôs servir ao padre
Por ele lhe ter salvado
Disse que foi Jesus Cristo
Que o tinha enviado.
O padre lhe disse filho
Jesus é nosso Senhor
E Ele se faz presente
Onde existe o amor
Socorreu-te porque crês
E a ele recorreu
Bendito e Louvado seja
O santo nome de Deus.
Eu também sou polonês
Mas sou padre alemão
Fui enviado por Roma
Pra cumprir uma missão
Mas também fui perseguido
Pelos meus próprios irmãos
Então tomei um navio
E vim pra essa Nação.
Isso é um continente
Muito rico e muito grande
E está sendo saqueado
Tomado de seus habitantes
Aqueles índios nativos
Que a ti aprisionaram
Foi por confiar em mim
Que eles te libertaram
Prometi-lhes aguardente
E uma bela viola
Comida e arma de fogo
E um pouco de roupa nova
Mas não poderei cumprir
Pois nada disso eu tenho
Por isso vamos embora
Que esse povo é ferrenho.
Se quando aqui chegarem
Nos pegarem desprovidos
Nos matam sem piedade
Por causa de eu ter mentido
Mas não havia outro meio
Pra salvar a tua vida
Que Jesus me dê o perdão
Por obra tão atrevida.
Saíram do acampamento
E fugiram pra cidade
Foram se refugiar
No meio da caboclagem
Era o porto baiano onde
Os navios chegavam
Por isso ali os nativos
Muito pouco circulavam.
De modo que já seguros
Se puseram a trabalhar
O jovem ia aprendendo
Vendo o padre a ensinar
Catequese aos nativos
Muitas missas pra rezar
E aquele valente jovem
Servia sem reclamar.
Foi quando um grande navio
Lá de Portugal chegou
Trazendo provisões e
Escravos para o labor
Foi aí que dos nativos
Padre Justo se lembrou
Conseguiu o que prometera
E à aldeia retornou.
Mesmo arriscando a vida
No meio da indiaiada
Entregou o que prometera
Em quantia redobrada
Se desculpou com o cacique
Explicando a situação
Ele cheio de aguardente
Concedeu-lhe o perdão.
Pernoitaram na aldeia
E o padre ensinava
Os índios a tocar viola
E a todos impressionava
Alguns dos índios da aldeia
Muito bem se destacaram
E professor de viola
Aqueles dois tornaram.
Todo mês eles passavam
Uma semana na aldeia
Ensinando aos nativos
Que preciso que se creia
Em um Deus uno e presente
Na vida de cada homem
É Ele quem nos dá o pão
E mata toda a fome.
Ensinavam e aprendiam
Daquela nobre cultura
Que do seu jeito nativo
Era cheia de fulguras
Índios sapienciais
Tementes embora ingênuos
Via o padre a se cumprir
O evangelho aos pequenos.
Voltando da Aldeia um dia
O velho padre caiu
O cavalo se espantou
E num pulo o sacudiu
Veio ao chão sobre o pescoço
Que na hora se quebrou
Chorando seu jovem amigo
Ali mesmo o sepultou.
Agora desconsolado
Sozinho sem seu senhor
Sentiu-se desobrigado
Daquilo que lhe jurou
Apanhou o que o padre tinha
E tudo o que dele ganhou
Jogou em cima da sela
E para seu destino marchou
Andou por dias sem fim
Desbravando esse Brasil
Chegando em Minas Gerais
Mostrou-se mui varonil
Conseguiu algum dinheiro
Trabalhando de mineiro
Mas logo seguiu viagem
Pelos sertões brasileiros.
Chegou até Pinhuí
Um povoado mineiro
Lá conheceu uma moça
De um povo hospitaleiro
Que o acolheu alegres
Mesmo sendo um estrangeiro
Deram-lhe cama e comida
E não aceitaram dinheiro.
Um povo muito devoto
Um povo muito cristão
Viviam a caridade
E o amor ao irmão
De origem polonesa
Mantinham a tradição
Achou um pedaço de casa
Nesse pedaço de chão.
Martinho era o nome
Do então anfitrião
Desbravador destemido
Dominava a região
Se afeiçoou a Antonio
Tomando-lhe simpatia
Contou-lhe sobre seus planos
Os sonhos que ele trazia.
Antonio também contou-lhe
Tudo que lhe ocorreu
De como aqui chegou e
Do padre que morreu
Queria aquele jovem
Firmar-se em algum lugar
Contrair uma família
Ter filhos para carinhar.
Em vista de nada ter
Queria então trabalhar
Pra construir seu sonho
Razão do seu respirar
Martinho criava gado
E cultivava a terra
Acolheu então Antonio
Que só sabia das guerras.
Cinco anos se passaram
Desde que ali chegou
Aprendeu cuidar da terra
Tornando-se agricultor
Aprendeu cuidar do gado
Mostrando ser bom pastor
Pela filha de Martinho
Antonio se apaixonou.
Um dia então decidiu
De Ambilina pedir a mão
Falou então com Martinho
Que mostrou satisfação
Na capela de Pinhuí
Foi bela a celebração
Ficou noivo de Ambilina
A dona do seu coração.
Porém para desposá-la
Queria ter terra sua
Por isso se empreendeu
Numa grande aventura
Se uniu a outros homens
De destemor sem igual
Saiu desbravando as terras
Rumo ao Planalto Central.
Percorreram muitas
Terras em todas as direções
Eram terras devolutas
Gigantescas extensões
Cada um se apossava
Daquilo que lhe aprovia
Firmavam suas fronteiras
E ali se estabeleciam.
Antonio se aproximando
Daquela elevação
Encontrou terras fecundas
E rica vegetação
Firmou ali os seus sonhos
Saiu fazendo picadas
Demarcou a sua posse
E seguiu sua jornada.
Ajudou seus companheiros
A firmar-se onde queriam
Depois retornou à Minas
De onde a tempos saíram
Contou então empolgado
As descobertas que fez
As terás que conquistaram
Pra onde iria de vez.
Martinho muito contente
Marcou o casório então
Logo após o casamento
Se deu a deslocação
Antonio partiu com esposa
Acompanhado do sogro
Que queria conhecer
Esse território novo.
Doou para o nobre genro
Gado, porco e galinha
Cachorro bom e caçador
Um pouco do que ele tinha
Chegando naqueles montes
Todos muito encantantes
Contemplou o raiar do dia
Uma cena radiante.
Chamou-a de fazendinha
Pela beleza do dia
Conheceu a região
Com seu genro e sua filha
Era grande a extensão
Das terras que eles teriam
Pra conhecer toda ela
Levariam muitos dias.
Então deixou o propósito
De numa outra ocasião
Voltar com sua família
Sua esposa e seus irmãos
Passar ali alguns dias
Conhecendo a região
Que paisagens naturais
Tinham em ostentação.
Aquele jovem casal
Com uns poucos empregados
Se lançaram no trabalho
Plantando e criando gado
Plantando ali seus sonhos
De verem prosperidade
Criaram grande família
Vivendo em simplicidade.
No primeiro ano ali
Veio o primeiro herdeiro
Um varão forte e bonito
Que seria fazendeiro
Orgulho do velho Antonio
Da mãe o filho amado
Pelo nome de Heitor
O bebê foi batizado.
Com espaço de um ano
Tiveram nova alegria
Aquilles filho mais moço
Com saúde ali nascia
Rebendoleng e Ambilina
Riam de satisfação
Pois a família agora
Recebe novo varão.
Do casamento de Antonio
Só dois filhos vieram à vida
Crescendo muito saudáveis
Jamais fugiam da lida
Foram educados na fé
De seu pai crente fiel
Que nunca esqueceu do pacto
Que fez com Jesus no céu.
Todo ano tinha festa
Em honra ao salvador
Também os santos da igreja
Ali ganhavam louvor
Oravam a Nossa Senhora
Também ao nosso Senhor
Ali não tinha desgraça
Pois Cristo os abençoou.
Do velho mundo Antonio
Guardava só a lembrança
A velha casa paterna
O seu sonho de criança
Quando lembrava de casa
As vezes até chorava
Mas seu amor Ambilina
Num abraço o consolava.
Da vida na Europa
Antonio muito contava
As suas muitas façanhas
A todos impressionava
Porém os seus resultados
Ninguém não imaginava
Viriam se tornar lendas
Por gerações recontadas.
Em versos bem metafóricos
Contava Antonio então
Os seus apuros no mar
A fuga de sua nação
Os naufrágios que sofrera
Na imensidão do mar
As intervenções de Deus
Que vinha pra lhe salvar.
Antonio Rebendoleng Szervinsk
Teve dois robustos filhos
O mais velho era Heitor
O mais moço era Aquiles
E foi desses dois varões
Homens fortes e capazes
Que uma multidão de gente
Povoou essas paragens.
Heitor tomando esposa
Quatro filhos recebeu
Três homens e uma menina
Presentes que Deus lhe deu
Antônio – (Totó), Manoel e José
Homens de bem
Católicos como os avós
Delfina era também.
Aquiles e sua esposa
Sete filhos viu nascer
Cresceram todos saudáveis
Sem nenhum vir a perecer
Pedro Alcides o primeiro
Delfino Joaquim e João
Paula Joana e Meloca
São estes os sete irmãos.
O velho Rebendoleng
Como era conhecido
Dividiu seu patrimônio
Com seus dois filhos queridos
O sonho do velho Antonio
O polonês desbravador
Enfim fora alcançado
Como tanto ele almejou.
Veio fugindo da morte
Aqui Deus o abençoou
Casou-se ainda jovem
Com Ambilina seu amor
Se apossou de muitas terras
Onde ele se firmou
Agora velho em idade
Se sente um vencedor.
Heitor com sua família
Herdou seu lado querido
João Paulo, Criminoso
Pontizinha e Alto Paraíso
Nomenclatura atual
Das paragens do passado
Onde o valente Heitor
Pra sempre fora instalado.
Os netos do velho Antonio
Filhos de seu filho Heitor
Cada um montou sua sede
Na parte que lhe tocou
Delfina com sua família
No Criminoso ficou
Família grande e saudável
Nesta terra ela criou.
Manoel chamou João Paulo
O pedaço que herdou
Constituiu família grande
E pro João Paulo se mudou
Nesse pedaço de chão
Vivera e fora enterrado
Hoje pertence aos herdeiros
Esse chão abençoado.
As terras que José herdou
Pontizinha ele a chamou
Lá montou a sua sede
Onde se enraizou
Nesse pedaço de chão
Sua história ele escreveu
E lá fora sepultado
Como foi desejo seu.
A antiga Veadeiros
Hoje Alto Paraíso
Fora herdada por Antonio
De Heitor caçula querido
Então Antonio Totó
Como era conhecido
Herdou com satisfação
O chão que lhe era querido.
Os filhos do velho Heitor
Formaram grandes famílias
Foram muito abençoados
Seus filhos e suas filhas
Viveram prosperidade
Em meio ao duro labor
Enfeitaram sua história
Com paixão e com amor.
Aquilles do lado oposto
Com seus sete herdeiros
Se instalou entre as Brancas
A Caristia e o Ribeiro
O velho Antonio que é
O mesmo Rebendoleng
Permaneceu na fazendinha
Com sua doce pequena.
Os descendentes de Aquilles
Que muita terra herdaram
Montaram as suas sedes
Onde então se instalaram
Joana e Pedro Alcides
No pedaço que herdaram
Fizeram as suas sedes
Montes Claros a chamaram.
Delfino que é o mesmo Deco
Se instalou na Carestia
Achou uma bela esposa
E ali constituiu família
Joaquim, João Paula e Meloca
Juntando os quatro herdeiros
Formaram uma mesma sede
E deram o nome de Rebeiro.
Por causa dos ribeirões
Que por ali existia
Rebeiro ainda é nome
Que lhe chamam hoje em dia
Do velho Rebendoleng
São estes os filhos primeiros
Mas veremos como rendeu
Os filhos desses herdeiros.
Em meio à Fazendinha
Nome que a sede ganhou
Bem acessível aos dois filhos
O velho Antonio ficou
Ali com sua Ambilina
Viveram por muitos anos
Nascendo netos e bisnetos
Viu seu povo aumentando.
Nas tardes de solidão
A família se reunia
Histórias mirabolantes
Muito atentos eles ouviam
O velho Rebendoleng
E sua esposa amada
Contavam a sua vida
Com emoção declarada.
Contavam seu grande amor
E as duras dores da vida
Falavam sobre o labor
E a luta sendo vencida
Pregavam a fé em Deus
Em Cristo o nosso Senhor
Choravam e se emocionavam
Com o tempo que passou.
Ensinavam à família
O catolicismo herdado
Pregavam um Cristo vivo
Que já haviam provado
Rezavam sempre em família
Faziam rezas e folias
Era sua devoção
Sinal de que eles criam.
Simplórios e muito místicos
Eram até supersticiosos
Mas sempre com fé em Cristo
Mostravam-se corajosos
Os padres que eram poucos
Naquela ocasião
Passavam de vez em quando
Quando saiam em missão.
Batizados e casamentos
Que eram de devoção
Quando o padre aparecia
Se fazia em mutirão
Sofriam a longa espera
Com o coração nas mãos
Mas não perdiam a fé
Que já era tradição.
Isso conta o velho Antonio
Com muita satisfação
Os seus olhos chega brilham
De saudade e emoção
Ambilina ali do lado
Tomando café quentinho
Confirma suas histórias
E acrescenta um pouquinho.
Fala de sua família
Do encontro com seu amor
Daquilo que ela sentiu
Do dia que se casou
Antonio sorri feliz
Com seus netos a derredor
Agradece ao seu Deus
Por nunca mais ficar só.
Os causos vão noite adentro
Brincadeiras vão surgindo
O que é o que é, Boca de forno
E a criançada sorrindo
É convívio de família
É uma família feliz
O velho Rebendoleng
Conseguiu o que tanto quis.
Vencidas pelo cansaço
Dominadas pelo sono
Pouco a pouco a criançada
Deixa o avô no abandono
Muito lento se levanta
Pro seu leito vai contente
Encontrar com Ambilina
Que sempre foi tão presente.
Conversam, pensam na vida
Relembram do seu passado
Nas vitórias e conquistas
Estiveram lado a lado
Se olham e se beijam
Faz silêncio prolongado
Depois os dois de envolvem
Num abraço apertado.
Das histórias que contavam
Algumas se eternizaram
Ganharam ingredientes
E um fascínio lendário
Registro algumas delas
Que ouvi com atenção
Enquanto Tia Marcela
Me contava com emoção.
Contando-me a valentia
De Antonio seu bisavô
De como empunhando a espada
O mar ele atravessou
Sozinho num escaler
Sem ter água e sem ter pão
Alcançou por um milagre
A nossa nobre nação.
De como Rebendoleng
Da perseguição fugia
De como encurralado
Sem fuga se viu um dia
Pra não morrer ali mesmo
Peripécia singular
Teve ele que fazer
Para a vida conservar
Só ele e a montaria
Pelos soldados cercados
A sacrificar o cavalo
Se viu ele obrigado
Matou o pobre animal
E seu ventre abriu
Enterrou suas entranhas
E em seu ventre se inseriu
Ajeitou o animal morto
Pra esconder a fissura
E escondido em seu ventre
Agüentou a desventura
Ouvindo seus inimigos
Rosnando bem do seu lado
Sentiu que ali a morte
O havia derrotado
Mas como sempre afirmava
Deus a ele foi fiel
Dispersou seus inimigos
Que rodeavam o corcel
Seguindo a esmo a busca
Deixou ali o procurado
Que no bucho do cavalo
Havia se entrincheirado
Agüentou esse tormento
Como outros que viriam
E por obra do Altíssimo
A todos sobreviveria
Pra trazer para o cerrado
Essas peripércias suas
Que enchem a alma de sonhos
Como ao sertão enche a lua
Pelágio também contou
Estórias aventureiras
Do velho desbravador
Em sua missão primeira
Lá no pico do estado
Onde hoje é Tocantins
Enfincada em uma palmeira
Abandonou a espada enfim.
Fez desse ato seu marco
Seu marco na região
Onde faria história
Com a sua geração
Hoje nos restam as lendas
Os contos pra imaginar
O que é fato ou crendice
Não se pode separar.
Contudo essas histórias
Que remontam um passado
Encanta e faz sonhar
Com tempos já enterrados
Descrevo a genealogia
De Antonio e Ambilina
Seus mais velhos descendentes
Com os seus sonhos e sinas.
José de Sales Monteiro
Morador da região
Casou e teve um filho
A quem chamou de João
João Damasceno Sales
Por causa da devoção
A São João Damasceno
Santo de predileção.
Damasceno Sales agora
Tornara-se sobrenome
E viria a ser herdado
Por uma multidão de homens
João gerou a Izabel
Também Damasceno Sales
Gerou também a José
Eustáquio e Leocádia.
Foi assim que lentamente
A rede fora trançada
Primo e primo se casando
Gerando a parentada
Pedro Alcides Szervinsk
Casou-se com Izabel
João Damasceno Sales
Fez gosto e fitou o céu.
José desposou Bernarda
Leocádia a um forasteiro
Eustáquio casou com a prima
Joana de Sales Monteiro
Há outros descendentes
Que se casaram na região
Mas são estes quatro ramos
Que nos chamam a atenção.
Izabel e Pedro Alcides
José e sua Bernarda
Leocádia e João da Cruz
Eustáquio e sua amada
São estes o nosso foco
Raiz de nosso existir
Por isso lavramos a história
Pra não vê-la se exaurir.
Tomamos como princípio
O filho do velho Aquilles
O nosso muito amado
O famoso Pedro Alcides
Com sua amada Izabel
Sete filhos concebeu
Dois homens, cinco mulheres
Saudáveis Graças a Deus.
José Alcides e Francisco
Emília e a Joana
Andrelina e Marcela
A também a Graciana
São estes os sete filhos
Do velho Pedro Alcides
A julgarmos pelo número
É comum que se divide.
José Alcides Szervinsk
Chamado de Zé de Pedro
Valente e trabalhador
Desconhecia o medo
Muito cedo se casou
Logo constituiu família
Oito filhos viu nascer
De sua esposa Abadia.
Anselmo, Geraldo e Paulo
Miguel Rosa e Maria
Celeste e também Laudina
Frutos da mesma família
Filhos de José Alcides
Esse autêntico lavrador
Que sempre viveu da terra
Com o fruto do seu labor.
José Alcides e esposa
Viveram em simplicidade
Sofreram mas triunfaram
Venceram as tempestades
Viu seus filhos se casando
E construindo família
Cada um seguiu seu rumo
Mas todos deram alegria.
Francisco ficou solteiro
É vizinho de Marcela
Morador de Montes Claros
É figura mui singela
Tem um sítio muito simples
E uma simples morada
Já sente o peso dos anos
Sua fronte está marcada.
Emília formou família
Com Patrocínio Nogueira
Com uma dezena de filhos
Mostrou-se uma guerreira
Siriaco, Orgencilia, João, Maria do Carmo
Cláudia, Ana, Gregório e Nicolau
Manoel e a Maria
São os filhos do casal.
Dos filhos da Tia Mila
Somente quatro casaram
Orgecília, Cláudia, Ana e Maria
Estas família formaram
Os outros ainda solteiros
Ao casório não se deu
Dos filhos de Tia Mila
Só Do Carmo é que morreu.
Joana se casou com Lázaro
E se mudou pro Ribeiro
Do fruto desse amor
Nasceram nove herdeiros
Virgílio, Joel, Cloves
Calú, Lesbão, Cecelias
Irineu e Joviano
E também Maria Luiza.
Todos eles se casaram
Exceto Irineu e Lesbão
Moradores do Rebeiro
Vivem cultivando o chão
Humildes e hospitaleiros
Não fogem à tradição
Frutos de Rebendoleng
Herdaram determinação.
Ainda hoje o Rebeiro
Pertence a essa gente
Que no século vinte e um
Vivem como antigamente
Plantam roça, criam gado
Com muita simplicidade
Vão à cidade vez ou outra
Por pura necessidade.
Graciana a poetiza
Com o Eloi se casou
Tiveram quatro filhinhos
Fruto do seu grande amor
Ana, Vicente e Domingas
E o caçula José
Pessoas trabalhadoras
Honestas de muita fé.
Ana, Vicente e Domingas
São casados e filhos têm
José nunca se casou
Porém vive muito bem
Graciana fala verso
Poetiza natural
Encanta quem a escuta
Pessoa sensacional.
A arte dos europeus
Herdara do bisavô
Homeopatia caseira
Ela sempre dominou
Pessoa de muita fé
É mesmo de encantar
Só quem conhece entende
A razão do meu falar.
Andrelina se casou
Com Calixto seu amado
Criou os seus cinco filhos
Com um cuidado danado
Benildes, José, Hermínia
Maria e Aparecida
Frutos de suas entranhas
Tesouros de sua vida.
Morrera com meia idade
Quando os netos chegava
Entrou no repouso eterno
Do jeito que almejava
Sofreu mas deixou semente
A fecundar sobre a terra.
Na glória de Jesus Cristo
Encontrá-la teu povo a espera.
Todos tiveram família
Os filhos de Andrelina
Porém alguns a largaram
Dizendo ser sua sina
Porém ainda estão vivos
E a vida é esperança
Só quem não vive não erra
Não traz consigo lembranças.
Marcela a filha mais nova
Do velho Pedro Alcides
História como a dela
Não é qualquer um que vive
Se enamorou de Pelágio
Um homem trabalhador
Que muito unido ao seu pai
Jamais fugiu do labor.
Pelágio Damasceno Sales
Sempre foi agricultor
Trabalhava com a madeira
De gado era bom criador
Sete anos de namoro
Com a bela e jovem Marcela
Por fim não mais resistiu
Àquela jovem tão bela.
Casou-se com sua amada
Tombou um palmo de chão
Fazendo roça de toco
Plantava milho e feijão
A labuta era pesada
Mas ele já traquejado
Fez casa e passou pra dentro
Com Marcela ao seu lado.
Com pouco tempo casados
Nasceu-lhes belo menino
Com genuína alegria
Lhe chamaram de Paulino
Marcela mulher fecunda
E por Deus abençoada
Foi mãe de sete rebentos
A quem foi mui devotada.
Depois que veio Paulino
Logo nasceu Deusdete
Então foi ele o segundo
Do total que foram sete
Depois destes dois varões
Viera uma menina
Maria da Cruz e Evódio
Logo após a pequenina.
Mas não parou por aí
Outra menina nasceu
Joanice então foi o nome
Que o Pelágio lhe deu
Marcela louvava a Deus
Por cada filho que vinha
Não demorou muito
Tempo nasceu-lhe Rosalina.
Agora com três casais
Seis bocas para criar
Muitas vezes o casal
Viam o aperto chegar
Muita lida e pouco fruto
Cansaço e muito sofrer
Mas criam com fé em Deus
De fome não iam morrer.
Os filhos iam crescendo
Crescia a preocupação
Roupa, calçado e estudo
Saúde e educação
Mas Deus estava com eles
Guiando-os com suas mãos
Padeceram bastante
Mas isso não foi em vão.
Os filhos benção de Deus
Não tinham se completado
Ainda viria João
Caçula dos aliançados
Assim estava completa
A prole desse casal
Que somou sete rebentos
Quando chegou ao final.
Paulino não se casou
Segue só seu caminho
Deusdete tomou esposa
E já tem três filhinhos
Maria também casou
Filhos então concebeu
Mas logo ficou viúva
Tristeza que aconteceu.
Joanice embora solteira
Tem uma linda filhinha
Seu nome é Izabela
Precisas ver que lindinha
Evódio e Rosalina
Solteiros ainda estão
O último a se casar
Foi o caçula João.
Este herdou dos seus pais
Simplicidade tamanha
É homem silencioso
Quem não conhece estranha
Artista de grande porte
Ainda no anonimato
Vou lhe dar maior destaque
Por não querer ser ingrato.
É essa a descendência
De Pedro e Izabel
Que a tanta gente gerou
Educou e foi fiel
Pedro Alcides foi feliz
Com Izabel sua amada
Viveram por longos anos
Morreram entre a parentada.
Agora vamos voltar
A José nossa atenção
Filho de João Damasceno
Viveu aqui nesse chão
Casou-se com a Bernarda
Moça bela e prendada
Que lhe deu sete herdeiros
Prole muito abençoada.
Nila, Teodora e Francisca
Eloi, Hurbano e Filipa
A mais moça era Claudinha
Que a casar não se arrisca
Todos eles se casaram
Com exceção de Claudinha
Mas talvez ainda case
Essa nossa caçulinha.
Nila logo se casou
Com o senhor Antonio do Rola
Morador da região
E contador de história
Teodora em Montes Claros
Com o João se casou
Francisca no Paranã
Encontrou seu grande amor.
Eloi tomou Graciana
Hurbano casou com Ambrosa
Filipa também casou
E se mudou para o Rola
Morando em Planaltina
Solteira só tem Claudinha
Que parece decidida
A ficar mesmo sozinha.
São estes os sete filhos
Do José com a Bernarda
Frutos de Rebendoleng
Com sua doce amada
Note como esses dois
Foram mesmo abençoados
Seus filhos a cada dia
Vão sendo multiplicados.
Passemos para Leocádia
Que com o forasteiro casou
João da Cruz era o nome
Do jovem seu grande amor
João da Cruz e Leocádia
Cinco filhos viu nascer
Todos eles se criaram
Nenhum veio a falecer.
Abadia e Pelágio
Adriana, Manoel e Felipe
Cinco rebentos robustos
Vindo de uma mesma estirpe
Somente a Adriana
Morreu ainda solteira
Se enforcou mas ninguém sabe
Qual a razão verdadeira.
Abadia teve filhos
Porém nunca se casou
Foi Domingos e José
Os filhos que ela gerou
Abadia ainda vive
Mas seus filhos faleceram
Vítimas de um triste caminho
Por onde se empreenderam
Hoje mora com Pelágio
Que a trata com carinho
Mora ao seu lado direito
Num simpático barraquinho
Morando em Montes Claros
Goza plena liberdade
Parece uma criança
Embora seja de idade.
José filho de Abadia
Na festa se embriagou
Saiu fazendo escarcéu
E o diabo aproveitou
Aleixo filho de Leolizia
Dormindo num canto estava
Mas acordou assustado
Com o José em algazarra.
Aleixo estava armado
Com um revolver na cintura
Movido pelo impulso
Lançou-se em desventura
Num ímpeto violento
Se ergueu com arma empunhada
Dois tiros à queima roupa
E uma vida encerrada.
Foi tremendo o desespero
E grande a confusão
Aleixo se vê culpado
Do sangue de seu irmão
Aleixo ganha as bucainas
Fugindo sem direção
José adentra a noite
Agonizando no chão.
Aleixo perdera a paz
E teve que se mudar
Por isso buscou refúgio
Em um distante lugar
José morreu ainda jovem
Por causa da rebeldia
Que junto com a violência
Mostrou negro aquele dia.
Abadia revoltada
Pra sempre ficou marcada
Com as marcas da violência
Que a fez traumatizada
Grande foi sua tristeza
Com tudo que se passou
Porém não fora só isso
Que a vida lhe reservou.
Depois que já era homem
Domingo pôs-se a cantar
Consumia álcool em excesso
Vivia a se embriagar
Cantava vociferante
Pelos caminhos dormia
Levando uma triste vida
Abadia padecia.
Num dia muito fortuito
Na beira da rodovia
Domingos não imaginava
Que chegara seu dia
Morrera atropelado
Por uma carreta estranha
Ficou jazendo no asfalto
Seu corpo e suas entranhas.
Mais um golpe violento
Para a pobre Abadia
Que suportou o tormento
Daquele sangrento dia
Sofreu e chorou Abadia
A morte do filho seu
Muito triste teve fim
Os filhos que Deus lhe deu.
Não sei se foi coincidência
Enquanto aqui escrevia
Chagou-me a triste notícia
Faleceu a Abadia
Já vinha muito doente
Em função de sua idade
Hoje se junta a seus filhos
Frutos de sua mocidade.
Que Deus olhe com carinho
Dela tenha piedade
Perdoe as suas faltas
E lhe dê a eternidade
Se foi tão nobre figura
Falo com sinceridade
Pra todos que conheceu
Ela vai deixar saudade.
Será ela sepultada
Junto a seus antepassados
No solo de Montes Claros
Lugar tão abençoado
Que gerou tanta gente boa
Como tenho descrevido
Só quem conhece entende
Porque estou comovido.
Louvado seja Deus Pai
Louvado seja Jesus
Que morreu pra nos salvar
Se doando numa cruz
Bendito e louvado seja
Jesus na Eucaristia
Que Ele dê a vida eterna
A nossa estimada Abadia.
De Pelágio já falamos
Se casou com Marcela
Se tornou avô recente
Da bela neném Estela
Filha de seu filho João
Com sua esposa querida
Com quem ele quer casar
E viver o resto da vida.
Manoel ainda solteiro
Em Formosa é morador
Diferente de Felipe
Que tão cedo se casou
Este mora em Brasília
Com a família que formou
São os filhos de Leocádia
Com João seu grande amor.
De Eustáquio de João Salles
Agora vamos falar
Já falei de seus irmãos
Agora pra terminar
Vou falar desse caçula
Que vai dar o que falar
Sendo ele o mais novo
Tem muito para contar.
Joana moça formosa
Eustáquio então desposou
Fê-la a sua esposa
A quem muito ele amou
Sua história é muito bela
Cheia de espinho e de flor
Chegando a encher os olhos
Daquele que me contou.
Esculasco, Petronilio
Ambrosa e Sebastiana
São estes os quatro primeiros
Filhos de Eustáquio e Joana
Rosalino e Albino
Calixto, João e Fulô
Mais filhos deste casal
Que ainda outros gerou.
Donata, Dalvina, Elisio
E a caçula Sophia
Treze filhos num total
Que com saúde crescia
Nenhum deles morreu jovem
Todos viram maturidade
Treze filhos, treze bênçãos
Vejam que felicidade.
Vivendo em grande modéstia
Esse povo se firmou
Criaram profundas raízes
Por isso não se acabou
O povo da região
De São João e Água Fria
Também Alto Paraíso
Descende dessa família.
O velho Rebendoleng
Não podia imaginar
O quanto seus descendentes
Iam se missigenar
Embora seu sobrenome
Pouca gente tenha herdado
Ele tem subsistido
E está por todos os lados.
Szervinsk se fundiu
Com outras assinaturas
Formando novas famílias
Frutos da mesma cultura
O velho Rebendoleng
Que a Deus foi devotado
Onde quer que se encontre
É homem realizado.
O velho Rebendoleng
Pai de Aquilles e Heitor
Morrera em Tocantins
Para onde ele viajou
Em busca de sua espada
Que há anos fora deixada
No tronco de uma palmeira
Por ele mesmo cravada.
Nunca mais tinha voltado
Naquele dito lugar
Faziam-se quarenta anos
Que estivera por lá
Fora uma única vez
No tempo do desbravar
Abandonou sua espada
Sem nunca mais retornar.
Agora em plena idade
Desejou-se aventurar
Sua espada de outrora
Desejou reencontrar
O ponto onde a deixou
Não sabe se encontrará
Mas movido pelo ímpeto
Decidiu-se a marchar.
O seu amor Ambilina
Que sempre lhe acompanhou
Faleceu há alguns anos
Sozinho Antonio ficou
Sentindo muita saudade
Muitas vezes ele chorou
Mas sabe que é o destino
É ordem do criador.
Por isso segue com fé
O que pede o coração
Vai subir o grande Planalto
Andando sem direção
Buscando seu relicário
Baú de recordações
Vai viver uma aventura
Relembrar as emoções.
O velho Rebendoleng
Já muito velho em idade
Foi buscar a sua espada
Pra entrar na eternidade
Sua espada era um marco
Signo de sua valentia
Com ela vencera o mar
E a maldita covardia.
Eles foram companheiros
Desde a mocidade
Por isso ele a guardou
Com tanta austeridade
Mas sentindo a morte vindo
Em solo estranho adentrar
Sentiu-se um desbravador
E sua espada foi buscar.
Acompanhado de Heitor
E de Aquilles filhos seus
Subiu o grande Planalto
Montando um belo corcel
Cavalgaram muitos dias
Mas chegaram ao destino
Os maus tratos do caminho
O velho chegou sentindo.
Agradeceu aos seus filhos
Por lhe ter acompanhado
Arrancou sua espada
Sentindo-se naufragado
Uma cena muito bela
De deixar impressionado
A palmeira estava morta
Mas seu tronco conservado.
A natureza guardou
Com cuidado redobrado
A encomenda que Antonio
Ali havia deixado
O tronco ainda estava verde
Onde a espada estava
Pegando ali sol e chuva
Não oxidou a espada.
Os filhos ficaram perplexos
Com o que ali se passou
Com a força de um jovem
Antonio a espada empunhou
A puxava lentamente até que arrancou
Então a palmeira morta
Que seu verde conservou
Quando a espada saiu
Num instante ela secou.
O velho Rebendoleng
Com a espada nas mãos
Sentindo a morte chegar
Fez ali sua oração
Implorou a Jesus Cristo
Que pegasse em sua mão
Então se ajoelhou
Fincando a espada no chão.
Chorou e pediu perdão
Seus filhos abençoou
Com a espada nas mãos
Penitente ele expirou
Três dias de grande pranto
Seus filhos ali passou
Bem junto à velha palmeira
O velho ali ficou.
Enterrado por seus filhos
Que pra casa então marchou
O velho Rebendoleng
Sua história terminou
Sofreu, chorou e sorriu
Muitos filhos educou
Sua marca na história
Para sempre ele deixou.
Agora que concluiu
As ordens do seu Senhor
Do pó um dia saiu
Para o pó retornou
Viveu bela vida
Cumpriu toda sua sina
Novamente se juntou
Ao seu amor Ambilina.
Após morrer Ambilina
Pouco tempo ele viveu
Agora chegou seu tempo
Também ele feneceu
Sua história não tem fim
Ganhara continuidade
Se tornará imortal
Em sua posteridade.
Chegando em suas casas
O Aquilles e o Heitor
O restante da família
Logo se conciliou
Chorou a morte de Antonio
E a Deus o confiou
Seguiram o seu destino
Com fé em seu Salvador.
O velho Rebendoleng
Se fez como o grão de milho
Morreu pra gerar outros grãos
Uma multidão de filhos
Seus descendentes fecundos
Não cessam de aumentar
São muitos que já nasceram
Que não se pode contar.
Casando e missigenando-se
Mudaram o nome civil
Porém carregam nas veias
De Antonio o sangue febril
É uma história tão bela
Que muita gente não viu
Pedacinho da Polônia
No coração do Brasil.
Também sou dessa estirpe
Falo com contentação
Lhe mostro a minha árvore
Cheio de fascinação
Sou Joaquim, filho de Joaquina
Filha de Izabel e Bazílio
Izabel, filha de Antonio
Que de Delfina era filho.
Delfina, neta de Rebendoleng
Filha de seu filho Heitor
Teve um filho e seu irmão
Manoel foi quem criou
Antonio Sobrinho foi o nome
Que o menino ganhou
Por causa de Antonio Totó
Um filho do se avô.
Mané Velho do João Paulo
Manoel então se tornou
Batizou a Antonio Sobrinho
E a ele também criou
Quando enfim se tornou homem
Antonio Sobrinho se casou
Com Arvilina Vieira Fernandes
Família então formou.
Estes são galhos da árvore
Que Rebendoleng e Ambilina
Não são raiz, mas são o tronco
E ao resto determina
Gente de todos os credos
Toda classe, toda cor
Extensão do velho Rebendoleng
Que aqui se eternizou.
A mão do tempo passou
E os tempos foram mudando
Chegou o novo milênio
De quem sou contemporâneo
Sou a oitava geração
Que de Rebendoleng descende
Narrador desse evento
Que a tantos compreende.
Faço pausa e apuro às vistas
Chamando vossa atenção
Para alguns personagens
Dessa nobre narração
Pessoas ímpares e distintas
Que no mínimo são lendárias
Gente humilde e anônima
Pelo tempo e sua mortalha.
Quero falar de João
Tetraneto de Rebendoleng
Filho de Marcela e Pelágio
Pessoa simples e perene
João Damasceno Sales
É o nome desse homem
Artista de alma sensível
Não há quem não se impressione.
O ciclo de sua vida
Gira em torno do pintar
De São João a Montes Claros
Leva a vida a sonhar
Cristão temente que é
Tem na família um paradigma
Vive a labuta na fé
Entre o cansaço e a fadiga.
Sua alma de artista
Sensibiliza e impressiona
Os rastros de seus pincéis
Seduz, encanta e apaixona
Se mantém com sua arte
E a graça do Senhor
Busca o reconhecimento
De tão sublime labor.
Reproduzindo na tela
Seus sonhos e a criação
Dá vida e cores pra vida
Sonhando com a redenção
Como o seu tetravô
É homem de muita fé
E Deus o prova com força
Pra ver que vaso ele é.
Não nasceu em berço de ouro
Riqueza não conheceu
Educação, boa índole
Foi o que seu pai lhe deu
Da mãe herdou humildade
E o coração sonhador
A sensibilidade e a fé
Herdou de seu tetravô.
Quando ainda era criança
Em tempo de estudar
Conheceu padre Bernardo
Missionário no lugar
Europeu mui perspicaz
Artista plástico sem igual
Fez de João seu discípulo
Que lhe honraria ao final.
João com padre Bernardo
Aprendeu a contemplar
As obras da criação
Reproduzir sem falhar
Rezar, crer em Jesus Cristo
Em seu amor esperar
Teve em padre Bernardo
Um mestre, um pai pra lembrar.
Crescera itinerante
Entre Montes Claros e São João
Ouvindo modas e catiras
Nas rezas da região
No meio da parentela
Com grande satisfação
Crescia como artista
Como homem e cristão.
Passada a primeira fase
Daquele aprendizado
Antes que todo o ofício
Lhe fosse ministrado
O padre foi removido
A outro campo enviado
Então ficou João sozinho
Sem seu mestre Bernardo.
Padre Bernardo nasceu
Na Holanda e se criou
Quando então foi ordenado
E sacerdote se tornou
Veio junto com outros padres
Cuidar da evangelização
Ensinando o amor de Deus
Por toda essa nação.
Dom Victor primeiro Bispo
Dessa então prelazia
À paróquia São João Batista
Enviou Bernardo com alegria
Porém muitas confusões
Com Bernardo aconteceria
Por temer por sua vida
Dom Victor interveria.
Depois de meia dezena
De anos em São João
Padre Bernardo havia
Transformado a região
Ensinando horticultura
A toda população
Pegava o povo na unha
Pra ensinar religião.
Como sempre se mostrou
Valente e destemido
A ele se afeiçoou
Esse meu povo sofrido
Água Fria e São João
Com suas comunidades
Encontrou em padre Bernardo
Um sacerdote de verdade.
Não calava na injustiça
Com veemência exortava
Por onde ele passava
Todo o povo se encantava
Porém havia exceção
Dos mais privilegiados
Que com sua pregação
Se sentiam atacados.
Por causa desses sujeitos
Muito padre Bernardo sofrera
Pois por serem influentes
Ao bispo estes recorreram
Mesmo sofrendo repressão
Por parte da prelazia
Padre Bernardo era o mesmo
Vivendo o seu dia-a-dia.
Porém tudo complicou-se
Quando em certa ocasião
Fatos estranhos surgiram
Em uma comunidade de São João
Pedra de Amolar é o nome
Dessa tal comunidade
Onde vinha acontecendo
Tamanha barbaridade.
Os grandes proprietários
De terra da região
Movidos por avareza
Logo entraram em ação
Para subtraírem as terras
Dos seus autênticos herdeiros
Queimavam as suas casas
E matavam os fazendeiros.
O povo muito humilde
E dado à superstição
Logo foram atribuindo
Ao Diabo essa ação
Achavam que aquilo era
Nada mais que maldição
Que era o próprio demônio
Que queimava a região.
Movido pelo seu jeito
De europeu destemido
Descobrindo a verdade
Se viu de armas munido
Aproveitando o momento
Que era de eleições
Padre Bernardo denuncia
Um por um os figurões.
Cita nomes, mostra provas
Defende a população
Sela de vez seu destino
Que será a remoção
Em pouco tempo o padre
De São João foi removido
Mandado pra Cabeceiras
Longe de seu povo querido.
Deixou para trás João
E o povo a quem se apegou
Depois que dali partiu
Nunca mais ele voltou
Deixando muitas saudades
Com o tempo adoeceu
Em virtude da idade
Sua visão se perdeu.
Perdendo os movimentos
E já muito enfraquecido
Por causa da enfermidade
Pra Holanda foi removido
Ficou num lar católico
Para os padres inativos
Escreveu-nos uma carta
Sinal de que estava vivo.
Na carta com nostalgia
Falava com emoção
Do tempo que fora pároco
Da paróquia de São João
A memória vacilante
Confunde as recordações
Mas ainda guarda muito
Pra inflamar as emoções.
Passa o tempo e morre então
O nosso padre Bernardo
João chora em silêncio
O seu mestre muito amado
A quem desejava
Com ardor ter visitado
Pra lhe ver mais uma vez
Antes que fosse enterrado.
São tantos fatos marcantes
Que envolveu o João
Mas aqui quero narrar
Alguns com mais atenção
Como este episódio
Que agora vou contar
João diante de Deus
Antes da morte chegar.
Tudo isso começou
Quando João foi contratado
Pra pintar o letreiro
Em local arriscado
Em cima de uma escada
João se desequilibrou
Numa corrente elétrica
Sua mão se encostou.
Foi quase uma tragédia
Aquilo que aconteceu
Treze mil volts na hora
O seu corpo percorreu
Caiu de uma grande altura
Com o corpo muito queimado
Com muitas fraturas na queda
João ficou acamado.
Muitos meses sobre a cama
Sem renda e sem saúde
Sua prece era constante
Que Deus do céu me ajude
Sentiu naqueles dias
As trevas lhe envolver
Sentia o cheiro da morte
Sem nada poder fazer.
Remédios, muitas consultas
Muita dor, muito sofrer
João pensava a vida
Sonhando com o renascer
Revia a sua história
Tudo que havia vivido
Seus erros e seus acertos
O quanto havia se perdido.
Então tomou consciência
Dos caminhos onde andara
Decidiu se redimir
Voltar a quem lhe criara
Naquele mesmo instante
Um foco de luz nasceu
E as trevas que eram espessas
Logo se empalideceu.
João naquele abismo
De dor e muito penar
Percebeu que era Deus
Ali a lhe visitar
Sem ver forma, rosto ou nome
Orou e com Deus falou
Sentiu a vida voltando
Por obra do seu Senhor.
Ali jogado no chão
Não podia imaginar
Os tormentos e angústias
Que iriam o provar
Sem saúde e solitário
Em crise existencial
Rosto triste e penumbrado
Era retrato do tal.
Revivendo o vivido
Contestando os dogmas seus
Obra a obra analisava
Com o olhar firme de Deus
Descobriu-se um covarde
Medroso e desconfiante
Sofreu com tal provação
Moldando um novo semblante.
Se aproximou mais de Deus
Vivendo a oração
Recebendo a eucaristia
E a visita dos irmãos
Sentiu a mão do Senhor
Da cama o levantar
Pintou na tela o fato
De Deus o ressuscitar.
Viveu a ressurreição
Saindo da sepultura
Vencendo a enfermidade
Vencia a amargura
No seio de grandes trevas
Muito tempo permaneceu
Enfim ao terceiro dia
Jesus lhe apareceu.
Tomando-o pela mão
O levantando do escuro
Brilhou a luz do senhor
Naquele jovem maduro
A cura foi proclamada
João então se ergueu
Triunfando sobre a prova
Com a ajuda de Deus.
Vencida a adversidade
A saúde ia voltando
E logo as suas obras
Estava efetuando
O mundo com novos olhos
João então enxergava
Suas obras que eram belas
Agora mais encantava.
João enquanto enfermo
Na vida muito pensou
Chorou e fitou o céu
O que sentiu anotou
Relatos e orações
Poemas e reflexões
Diário de sua vida
Eis algumas anotações.
Oração de João Damasceno Sales Durante a Enfermidade
O Senhor dos exércitos
Guardai os vossos filhos,
Não deixais que as mãos do inimigo os sufoquem
Não permita que pereçamos não vos canseis de procurar por, uma só, obra do Vosso filho.
É possível que esse Vosso filho tenha feito uma boa ação.
Perdoai-nos a pretenciosidade, ó Deus todo poderoso.
Se procurardes e não achares nem um vestígio de uma pequenina obra nessa minha vida desenfreada, de tanto pecado, permita-me lembra-lo ó Senhor, que sois misericordioso, és realmente bom.
Julgai-me não segundo minhas obras, mas segundo o Vosso amor e a Vossa divina misericórdia. Perdoai-me!
Defronte à casa paterna
De João em Montes Claros
Existe um pé de paineira
Um arvoredo lendário
Nas horas de sua angústia
Dele João se lembrou
Num momento tão sensível
Poeta ele se tornou.
Poesia de João para o Pé da Paineira
Paineira Velha
Quando me entendi por gente
Você já estava ai...
Nesse altinho da frente de casa
Com toda sua beleza
Chamo-te meu... Não por ser seu dono
É que aprendi a te amar, no entanto não és meu...
Cresci... Tornei-me adulto
Você continua igualzinho ao que era antigamente, belo e imponente.
Paineira, você é para mim, como um velho amigo...
O tempo passa e permaneces sempre fiel...
Foi também durante esse tempo
Que o coração de João
Lembrou do padre Bernardo
E redigiu com emoção
Este simplório bilhete
Carregado de sentimento
Que registro neste texto
Pra não sumir com o tempo.
Dá-me uma novidade...
Me dá vontade de chorar...
E às vezes choro por não
Poder vê-lo e por talvez
Não vê-lo nunca mais.
Ainda que não mais te veja...
Iremos sempre lembrar de você
Como pastor
Como amigo
Eu e meus pais
Sempre seremos gratos
Padre Bernardo...
Desejo-lhe saúde
O conforto e muita paz
Lembranças de Montes Claros
Sonho que ficou longe
Sonho que está perto
Sonho que é incerto
De um dia poder revê-lo
Meu caro, meu amigo
Meu mestre padre Bernardo.
Isso é um pouco de João
E seu coração criança
Seu jeito meio simplista
E cheio de esperança
Seus sonhos e seus medos
Seus amores e seus credos
Suas raízes e costumes
Suas buscas e segredos.
João sonha em ser feliz
E é feliz a sonhar
Com sua esposa Cristina
Tem Estela pra educar
Contempla a sua descendência
Cheia de encantos mil
Se orgulha de ser filho
Do Polonês varonil.
Traz vivo dentro do peito
A fé e a devoção
Não esquece um só instante
O tempo da provação
Que o pegou como um tiro
Lançando-o em pleno chão
Mas que também foi caminho
Pra sua renovação.
Agora chamo a atenção
Para alguém muito especial
Seu nome é Graciana
Pessoal sensacional
Gente humilde e hospitaleira
Tia de João Damasceno
Fala verso e impressiona
Aquele rosto pequeno.
Dentre muitas outras histórias
Que ela conta rimando
Venho narrar a mais bela
Que eu a ouvi contando
Não é ela a autora
E desconhece o autor
Mas foi aos seus quinze anos
Que ela então a escutou.
Aos oitenta anos de idade
Tem memória afiada
Verso a verso recitou
Com emoção declarada
Enquanto ela recitava
Tomamos café quentinho
Sentado em banco rústico
Feito pelo seu sobrinho.
Conto do Papagaio
Houve uma grande fome entre
Aquela humanidade
O pessoal, sem recurso
Sofrendo mais da metade
E aquele pobre velho
Na maior necessidade.
Jobão disse ao diabo
De fome nós vai morrer
Vou procurar um lugar
Em que se ganhe o que comer
Quem for tolo aqui se lixe
Espere pra sofrer
Botou chapéu na cabeça
Nas costas um matulão
Saiu sem despedir-se dos
Pais e dos seus irmãos
Ficaram ambos chorando sem
Ter consolação
O velho pai suplicava a Divina Majestade
Que tivesse compaixão
Como pai de piedade
Em vez de castigar
Tivesse dele piedade
Jobão então foi morar num
País de estrangeiro
Empregou-se no comércio
Ganhando muito dinheiro
Em pouco tempo já tinha
Fortuna de um banqueiro.
Casou-se com uma rica
Que lhe sobrava riqueza
Possuía uma fortuna igual
De uma princesa
Tendo grande fidalguia desconhecia pobreza.
Jobão com esta riqueza
Tornava-se mais avarento
Esqueceu dos velhos pais
Que deixou em sofrimento
Não alembrava de quem não
Lhe esquecia um só momento.
Numa noite ele sonhou
Que viu seu pai suspirando
A mãe com uma mochila pelas portas mendigando
Pedindo uma esmola
Aflita quase chorando.
Não! Ele murmurou
Sai-te daqui nego azaro
Quando eu estava com
Vocês nunca pude prosperar
Agora como estou rico
Já veio me atormentar.
A mãe mostrou-lhe o seio
Que a ele amamentou
Porém ele horrorizado nem
Atenção lhe mostrou
Vai embora azar nego
Nessa face acordou.
Despertando o avarento
A meditar o passado
Dizendo em pensamento
Meu pai é velho alazado
Quando eu vivia com ele
Só vivia encabojado.
Vivia morrendo de fome
Sem possuir um tostão
Parecia haver ali uma falta de benção
O azar é o meu pai, minha mãe, meus irmãos
Temia que o pai chegasse
Naquela grande pobreza
Para não sofrer de vergonha
E explorar-lhe a riqueza
Seria o maior desgosto
Que lhe fazia a surpresa.
Na casa do velho pai
Ajudou um estrangeiro
O velho deu-lhe pousada
Pois era hospitaleiro
Foi quem do filho
Ingrato deu o seguinte roteiro
O velho então perguntou
Áquele desconhecido
Se conhecia Jobão o seu
Filho querido
Por causa de sua ausência
Se muito tinha sofrido.
Disse ele eu conheço
O Coronel Jobão
Era pobre como Jó não
Possuía um tostão
Casou-se com uma rica
Hoje é senhor de milhão.
Navio no oceano ele
Possuía mais de cem
Em riqueza e fidalguia
No mundo só ele é quem tem
Forante o imperador
Como ele mais ninguém.
Deu todos os sinais que
O filho possuía
O velho quase morreu
Somente de alegria
Mas a grande saudade
Do coração não saía.
Disse Alvino suspirando
Se me derem permissão
Se acaso for possível
Que haja satisfação
Amanhã logo cedinho
Vou atrás do meu irmão.
Disse o velho chorando
Queres também me deixar?
Disse ele
Não senhor vou meu
Irmão procurar
Vou pedir ele um recurso
Para te sustentar.
A mãe matou-lhe um frango
Para comer na viagem
Deu a ele um rosário bento
Tendo de Cristo uma imagem
Foi embora Alvino
Porém quase sem coragem.
Chegou então no estrangeiro
Onde morava o irmão
Indagou aonde era a morada de Jobão
Lhe mostraram um palácio
Como o do Rei Salomão.
Alvino se arrependeu quando
Avistou o sobrado
Sentia seu coração
Batendo muito avechado
Porém a fome horrorosa
O fazia dominado.
Ao chegar no sobrado
Encontrou um capitão
Com a força da polícia
Que estava de prontidão
Guarnecendo o sobrado
Com a ordem de Jobão.
Pediu licença dizendo
Que desejava falar
Com o coronel Jobão
Porém não quiseram dar
Disse ele é proibido
Gente pobre aqui entrar.
Senhor eu sou irmão dele
Disse o pobre Alvino
É irmão do coronel e
Anda como peregrino?
Disse ele é prova da sorte e
Um capricho do destino.
Disse ele não admira
Um ser rico e outro pobre
São conseqüências da vida
Um na miséria e outro nobre
Em sangue somos iguais
Nem que a riqueza dobre.
Ordenou o capitão que as
Praças reparasse
Se ele estava armado com
Cuidado examinasse
Se estivesse armado para cadeia levasse.
Examinaram Alvino mas
Estava desarmado
Só encontraram o rosário
Que sua mãe tinha lhe dado
Mandou que ele entrasse
Com a ordem do delegado.
Alvino quando entrou
Encontrou a baronesa
Sentada muito orgulhosa
Na mais soberba riqueza
Na cadeira de balanço
Parecendo uma princesa.
Ela quando viu Alvino
Interrogou-lhe então
O senhor o que deseja
Qual é sua intenção?
Disse ele eu desejo
É falar com meu irmão.
Quem é seu irmão aqui
Lhe perguntou sem carinho
Disse ele: é Jobão
Meu estimado irmãozinho
Disse ela vai-te azaro
É por ali o caminho.
Deu uma grande risada
Que estrondou no salão
Zombando do miserável
Chamou o coronel Jobão
Aqui tem um miserável
Dizendo ser teu irmão.
Veio chegando o avarento
Com as presenças gresses
Perguntando escarnecendo
De onde saiu essa peste
Que anda espalhando o azar
De qual inferno vieste?
Disse ele: não me conheces
Sou seu irmão Alvino
Fui criado em seus braços
Desde muito pequenino
Vim aqui te visitar
Com a ordem do destino.
Nossos pais vivem aflitos
Só a apensar em seu nome
Mandou te pedir esmola
Que estão passando fome
Se não tiver piedade
As misérias te consomem.
Vai embora miserável
Retire-se do meu salão
Vai azarar o diabo
Com a sua maldição
Senão o mando para a cadeia
Levando muito facão.
Alvino se retirou que
Mal podia falar
Mais adiante caiu
Pôs-se a lastimar
A grande fome outrora
Não podia suportar.
Quando a gente anda mole
A sorte muda de clima
Vem a negra desventura
Extrai da fartura a mina
Quando urubu anda avechado
O de baixo suja o de cima.
Alvino se lastimava
Que causava compaixão
Naquela terra estrangeira
Sem parente nem irmão
Aquelas maledicências chamou
Do rei atenção.
O rei não podia dormir
Ouvindo se lastimar
Mandou um dos seus soldados
O peregrino chamar
Para em sua presença
Aquela estória contar.
Quando ele chegou lá
Fez a interrogação
Dizendo a grosseria que tinha
Feito ao irmão
Enfim respondeu o rei
Não prática como cristão.
O rei chamou a criada
Mandou chamar o jantar
O rei carinhosamente
Sempre a consolá-lo
Justo são os que sofrem
Coma até se fartar.
O rei notou em Alvino
Força de moralidade
No rosto dele notava-se
Senhor de honestidade
Esplendor de pureza
E também da santidade.
O rei sentou-lhe à mesa
Lhe fazendo cortesia
Como amigo fiel
De copeiro lhe servia
Oferecendo de tudo
Do que na mesa havia.
Alvino agradeceu depois da refeição
Com toda reverência de
Joelhos beijou-lhe a mão
O rei ficou abismado
De ver tanta educação.
Então o rei lhe perguntou
Queres ser meu jardineiro?
Ficar morando comigo
Ganhando muito dinheiro
Enquanto você estuda
Para ser meu conselheiro.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Quero que vossa alteza
Me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que passam necessidade.
O rei entregou-lhe um quarto
No trono onde vivia
Ele então se lembrou
Do que o pai lhe dizia
Faltando a terra de Deus
Chega a da Virgem Maria.
Os conselhos de seus pais
Nunca ousou botar fora
O justo quando é constante
O bom exemplo decora
Faltando a terra de Deus
Chega a de Nossa Senhora.
Ficou ele com o rei
Sendo o seu jardineiro
O rei lhe queria bem
Por ser um fiel companheiro
Oferecia do trono
O que tivesse em dinheiro.
Ficou por enquanto Alvino
Servindo o imperador
Vamos falar na princesa
Uma excelentíssima flor
Que vivia no deserto
Sem sofrer mágoa de amor.
Quando a princesa nasceu
Mandou ver a sua sina
Havia de ser casada
Em família peregrina
Então o rei protestou
E contra a vontade divina.
Mandou fazer um palácio
Onde internou a princesa
Junto com uma criada
Que tinha muita firmeza
Ali não ia ninguém
Sem ordem de sua alteza.
Criou logo uma lei
Em todo aquele reinado
Quem fosse sem sua ordem
Seria então degolado
Quem não quisesse morrer
Que guardasse com cuidado.
Ali não ia um cristão
Ninguém queria morrer
Ela não aparecia
Só pra ninguém lhe ver
Fazendo todo possível
Para a sina desfazer.
As moças daquele tempo
Eram as mais gentilíssimas
De formosura divina
De presença suavíssima
Por causa da grande beleza
Da mais excelentíssima.
Deixemos aqui a princesa
Vamos falar de Alvino
Dominado pela sorte
Levado pelo destino
Para cumprir a missão
Que ordenou o destino.
Disse Alvino ao rei
Sua real majestade
Que quero que vossa
Alteza me conceda faculdade
Para socorrer meus pais
Que sofrem necessidade.
Enfim respondeu o rei
Eu não te posso privar
Só mesmo na condição
De chegar lá e voltar
Porque me faltando tu
Como poderei passar.
O rei destrancou o tesouro
Tirou enorme quantia
Deu-lhe de mão beijada
Rejubilado de alegria
Deu-lhe mais para a fiança
Um passaporte de guia.
Depois tirou outro tanto
O bondoso imperador
Disse esse você leve
E entregue por favor
Um presente que eu mando
Para os seus progenitores.
Se despediu pesaroso
Por deixar sua alteza
Foi socorrer os seus pais
Que ficaram na pobreza
Porém errou o caminho
Segue em busca da princesa.
Quando chegou no palácio
Que avistou na janela
Ficando ele encantado
Com a formosura dela
Porque nunca tinha visto
Uma jovem como aquela.
Quando ela viu Alvino
Criou nos lábios um sorriso
Então disse para a criada
Vem ver do que eu preciso
O anjo que vem ali
Parece do paraíso.
Murmurou então a criada
Nós vamos fechar o portão
Nós não sabemos quem é
Pois pode ser um ladrão
Disse ela não senhora
Chama minha ordem então.
Afinal logo o portão
A criada destrancou
Dando aquele recado
Que a senhora mandou
Ele com todo respeito
A ela se apresentou.
A princesa lhe perguntou
Quem tinha lhe permitido
Vir àquele palácio é
Severamente proibido
Respondeu ele ninguém
Ando por aqui perdido.
A princesa admirada
Prestando toda atenção
Mandou que ele entrasse
Tomando pela mão
Porém ele não sabia
Que era filha do patrão.
A princesa ordenou
À sua fiel criada
Que preparasse um jantar
E não usasse massada
Ficando junto com ele
Pelo amor dominada.
Pergunta ela de onde vens
Responde ele da capital
Lá eu era jardineiro
De sua alteza real
Jardineiro de papai
Admirou-se afinal.
Para onde vais assim
Insistiu logo a princesa
Vou para minha terra
Disse com toda certeza
Quando a criada disse
O jantar estar na mesa.
Ela chamou o rapaz
Saiu com ele e disse
Vou lhe servir
Na copeira a nobre imperatriz
Que junto aquele anjo
Se julgava a mais feliz.
Pergunta ela feliz
Provém de família nobre
Disse ele não senhora
Toda a minha raça é pobre
Meu pai talvez não possua
Nem meia pataca de cobre.
Conversaram até a tarde
Alvino com a princesa
Ela chamou ele para a cama
Porque era uma beleza
Alvino então foi dormir
Sobre os braços da princesa.
Eram mesmo como anjos
Cada qual mais inocente
O vício negro e maldade
Não tinham em suas mentes
Aquelas almas fiéis
Seguiam Deus fielmente.
Com o carinho da moça
Ele no sono pegou
Porém a pobre princesa
Nem um instante adornou
Admirada com ele a noite
Em claro passou.
Embriagada de amor
Punha-se a meditar
Quando ele fosse embora
Como poderia ficar
Sorria ali jubilada
Depois se punha a chorar.
Soltando ternos suspiros
Com aquele amor sem fim
Dizendo em pensamento
Como é tão belo assim
Deus me fez só pra ti
E te fez só pra mim.
O sol já era alto
E ele ainda dormindo
Ela deu-lhe um beijo
E levantou-se sorrindo
O amor era um punhal
Que lhe estava ferindo.
Quando ele despertou
Levantou nesta hora
Pediu licença à princesa
Que queria ir embora
Ela lhe deu um punhal
E disse me mata agora.
Porque sem tua imagem
Como poderei viver
Antes prefiro a morte
Que termina meu sofrer
Respondeu ele sorrindo
Mas o que há de fazer.
Sua alteza é uma princesa
É filha do imperador
Eu sou um probrezinho
Filho de agricultor
Está perdendo seu tempo
Em me expor seu amor.
Quando seu pai souber disso
Manda a minha vida tirar
Agarra o meu cadáver
Sacode dentro do mar
Isso não me convêm
É melhor se sossegar.
Você é pra se casar
Com os filhos do imperador
Um herdeiro de coroa
Que lhe dê honra e valor
Queres casar-se comigo
Um criado inferior.
Então você não me ama
Porque eu sou rica e nobre
Disse ele não senhora
É porque sou pequeno e pobre
Mas teu amor para mim
Tua nobreza encobre.
Amo-te mais que a vida
Como no mundo a ninguém
Peço por caridade se fores
Me leve também
Respondeu ele sua alteza
Não vai se dar muito bem.
Então Alvino tu juras
Como me tens amizade
Disse ele sabeis que juro
Perante a divindade
Enquanto eu existir
Não te farei falsidade.
Sua alteza jura também
Como me tem firme amor
Disse ela eu já jurei
Perante o meu Salvador
Hei de honrar-te até a morte
Como marido e senhor.
Como posso te levar
Para não ser descoberto
Disse ela estudo já um plano
Que seja certo
Para isso eu tenho jeito
Carreguo os olhos abertos.
Antes de chegar na rua
Tu me pões dentro de um saco
Para não morrer sem fôlego
Faça nele um buraco
Me leve em suas costas
Deixe o povo dar cavaco.
Se perguntar o que leva
Diga é uma cavala
Se eles falarem compro
Querendo negocia-la
Diga ela eu não vendo
Pois deu trabalho mata-la.
Então disse para a criada
Sua fiel companheira
Se não guardasse segredo
A vida lhe custaria
Mandou que fosse embora
Com a carta de alforria.
Foi embora o jardineiro
E fez como ela ensinou
Perto da grande cidade
Dentro do caso a botou
Quando chegou lá na rua
Todo o povo se agitou.
O que levas aí
Perguntou um sentinela
Disse ele uma cavala
Me venda um pedaço dela
Disse ele não senhor
É só pra minha panela.
Mais adiante encontrou
O chefe da mesa de renda
Queres me vender o peixe
Não já vai de encomenda
O peixe é muito pequeno
Só dá pra minha merenda.
Mais adiante encontrou
O caixeiro do balcão
Queres me vender o peixe
Respondeu ele que não
Esse peixe que eu levo
É só para o meu fogão.
Mais adiante encontrou-se
Com o rei, pai da princesa
Quero que me faças um pedido
Respondeu-lhe sua alteza
Eu lhe farei o possível
Era com toda certeza.
O pedido é o seguinte
Que eu quero me casar
Sem ninguém ver minha noiva
E o meu anjo tutelar
Para não ser conhecida
E alguém a cobiçar.
Disse o rei não é nada
Logo o bispo casou
A moça dentro do saco
Nem a mão fora botou
O rei mandou fazer festa
Três dias a festa rolou.
Disse então o jardineiro
Agora estou casado
Mas porém não tenho casa
Mas sem dinheiro quebrado
Vossa alteza me valha
Senão estou desgraçado.
O rei tinha um palacete
Logo mandou abri-lo
Deu-lhe de mãos beijadas
Para no mesmo dormir
Dizendo este é teu
Enquanto você existir.
Foram a princesa e Alvino
Morar naquele sobrado
Desfrutar o seu amor
De casal sacramentado
O sangue procura o corpo
É muito certo o ditado.
O rei deu-lhe mais dinheiro
Para sua precisão
Ele escreveu para os pais
E mandou-lhe rendição
Cento e vinte e cinco contos
Foi o que mandou então.
Agora então no estrangeiro
Havia um príncipe pagão
Mandou ao rei uma carta
Pedindo da filha a mão
O rei não lhe respondeu
Não lhe prestou atenção.
Então o príncipe pagão
Ao outro propôs uma guerra
Pretendendo então deixar
Em desgraça aquela terra
Disse o rei cristão
Sendo assim você erra.
Armou todo o exército
E mandou sem compaixão
Os navios encouraçados
Atacaram o rei cristão
Entrou o país em guerra
Em defesa da nação.
Porém o rei inimigo
Tendo maior resistência
Ele está bem armado
Sobrava ali competência
Se não fossem os milagres
Da Divina providência.
O rei se vendo perdido
Chamou seu jardineiro
Contou-lhe os resultados
Do seu povo traiçoeiro
Que estava se vendendo
Ao rei pagão do estrangeiro.
Repite o imperador
Queres ser meu general
Disse ele pois não sou
Sua alteza real
Eu darei a minha vida
Na luta ao reino do tal.
O exército do país
Por você será criado
Eis de ser minha pessoa
Na corte desse reinado
Eis de mandar em todos
E nunca serás mandado.
Entregou ao general
Aquela grande patente
Entregou uma medalha
Que valia francamente
Os trinta contos de reis
Brilhante de ouro somente.
Entregou-lhe a espada
A farda com o galão
Deu-lhe plenos poderes
Para resolver a questão
Foi então o general
Combater o rei pagão.
Chamou a jovem esposa
Contou-lhe o resultado
Ficou ela muito aflita
Com o coração agitado
Disse ele é meu dever
Ir defender o reinado.
Se despediu da esposa
E para a guerra marchou
Logo ao chegar no porto
Com uma criança encontrou
Vendendo um papagaio
Que assim ele falou.
Me compre esse papagaio
Que desejo lhe vender
Ele é muito falador
E tudo sabe dizer
Conhece segredo ocultos
Que ninguém pode saber.
Disse então o general
Eu até posso compra-lo
Porém já vou para a guerra
Não tenho quem vá deixa-lo
Disse o menino eu vou
A sua esposa entregar.
Por quanto queres vender
O general perguntou
Lhe dou por quatro vinténs
Mas ele se admirou
Dizendo que dava dez
Mas ele não aceitou.
O papagaio começou a falar
Com o general
Dizendo quem vai pra guerra
É um amigo leal
Deus te leva e te traz em paz
E te defende do mal.
O general espantou
De ver tanta sapiência
Um ente tão pequenino
Ter tanta inteligência
Pagou o menino e disse
Vá deixa-lo com urgência.
Disse ao papagaio Adeus
Não vá viver com tristeza
Meu senhor vai feliz
Isso eu digo com certeza
O senhor vai e eu fico
Mais sua nobre princesa.
O general espantou
Quando falou na princesa
O que o menino disse
Reconheceu a certeza
Dizendo ele conhece
Os feitos da natureza.
Quando o menino chegou
Lá na casa da senhora
Ele disse Ô de casa
Disse ela Ô de fora
O papagaio perguntou
Porque é que tanto choras.
Disse ela ô meu louro
Vem então me consolar
Disse ele sim senhora
Vim teu pranto enxugar
Estarei sempre disposto
A fazer o que precisar
Perguntou quer almoçar
Disse ele que não queria
As comidas dessa terra
Ao papagaio não servia
Quem quisesse dar-lhe um almoço
Rezasse uma Ave-Maria.
A princesa então vivia
Com sua casa fechada
Para servir a ela
Possuía uma criada
Para não ser conhecida
Vivia ali internada.
Um dia abriu a janela
Para olhar a cidade
Lá ia passando Jobão
Alma cheia de maldade
Avistando-a tentou fazer
Logo a falsidade.
Ficou ele enfeitiçado
Quando avistou a princesa
Disse tu há de ser minha
Isso eu tenho por certeza
Poderei não te gozar
Se não valer a riqueza.
A princesa pressentindo
O bandido lhe olhando
Avechou-se fechou a porta
Foi logo se arretirando
Então o papagaio disse
O diabo está tentando.
Princesa minha senhora
Será agora perseguida
Reza se encomenda a Deus
Tenha cuidado na vida
Que aquele sedutor
Quer te fazer prostituída.
Amanhã logo cedinho
Vem aqui te perseguir
Cochilada do demônio
Deseja lhe iludir
A senhora não se avexe
Deixe que eu vou agir.
Quando foi de manhãzinha
Chegou o perseguidor
Então disse o papagaio
Aí está o traidor
Foi logo lhe perguntando
O que deseja o senhor.
Disse enfim o inimigo
Tenho um negócio a tratar
Com a dona dessa casa
Que desejo conversar
Meu negócio é urgente
Eu não posso demorar.
Respondeu o papagaio
Vá embora seu bandido
Eu conheço a sua trama
Pois já li o seu sentido
Veio iludir minha senhora
Pra ser falsa ao marido.
Jobão olhou pra dentro
Avistou o papagaio
Que bichinho danado
É pior que um raio
Leu todo meu pensamento
Não arrumou uma falha.
Disse então o papagaio
É uma alma sem critério
Tu gostaria de ver
Tua esposa em adultério
Deixe o mundo e segue
A Deus isso não é um mistério.
Minha senhora jurou
Perante o Deus da verdade
De guardar até a morte
A sua fidelidade
Tu queres manchar
Agora a sua santa castidade.
Jobão saiu por ali
Oprimido da tristeza
Imaginando a mulher
E sua grande beleza
E aquele papagaio
Que o fez perder a empresa.
Debaixo de uma árvore
Sentou-se quase chorando
Quando avistou uma velha
Que andava manquejando
Escorada em uma vara
Fingia andar mendigando.
A velha era o diabo
Que a pecar o tentou
Como vai o meu netinho
Dessa forma perguntou
Mas ele estava zangado
Nem atenção lhe prestou.
Fala e diga meu neto
O que sofre pra velhinha
Eu tenho eficiência
Pra domar a rainha
A força inquebrantável
Não existe igual a minha.
Eu sou a mãe do feitiço
Ninguém me pode vencer
Para me subjugar
Só existe um poder
Fora esse eu garanto
Faço o que quero fazer.
Entro nos lugares ocultos
Mesmo na escuridão
Tenho subjugado duros
Da mais alta posição
Todos a mim obedecem
Conforme a ocasião.
Ai respondeu Jobão
Te digo com a certeza
Se arrumares o que quero
Te darei grande riqueza
Durante a sua vida
Nunca mais terá pobreza.
Disse a velha a Jobão
Basta teu sangue me dar
Pois se assim o me der
Melhor poderei passar
Dinheiro eu tenho de sobra
Tanto se possa gastar.
Disse Jobão é uma jovem
Que tenho no pensamento
Desde a hora que a vi
Que vivo em sofrimento
Minha paixão é tão forte
Não esqueço um só momento.
Disse ela estou ciente
Da tua grande amizade
Isto é coisa mais simples
Faço com facilidade
Basta me dar o que quero
Que farei tua vontade.
Disse Jobão acho difícil
O plano ser executado
Lá tem um papagaio
Que só sendo endiabrado
Adivinhou os intentos
Que eu havia planejado.
Que papagaio que nada
Não haverá embaraço
Para isso eu sou disposta
E tenho força no braço
Basta me dar o que pedi
O que prometo eu faço.
Jobão furou o braço
Tirou o sangue e entregou
Logo sem perda de tempo
A bruxa velha marchou
Para a casa da princesa
Porém nada ela arranjou.
Chegou dizendo ô de casa
Sem ninguém nada falar
Pergunta enfim a princesa
Quem é que está a chamar
Disse o louro é o diabo
Que pretende te levar.
Ave Maria meu Deus
Murmurou ela cismada
Caiu ela de joelho
Rezando muito avexada
Ô de casa ô de casa
Insistia a malvada.
O papagaio perguntou
Quem é que chama aí fora
Disse a velha sou eu
Disse ele vá embora
Eu sei qual o seu negócio
Veio iludir minha senhora.
Não vim iludir a ela
Mas apenas conversar
Quero faze-la feliz
A porta quero entrar
Se não abrir entro a força
Você não pode privar-me.
Vai embora cuviteira
Deixa de ser insistente
A força você não entra
Aqui absolutamente
Eu lhe esmago a cabeça
Como a Virgem à serpente.
A velha meteu a mão
E logo a porta quebrou
O papagaio irado
Logo o diabo agarrou
Dentro do palacete
Grande luta se travou.
Agarrou-a com o bico
Bateu com ela no chão
Era mesmo que um pinto
Nas unhas de um gavião
Revirou todos os móveis
O papagaio e o cão.
A feia velha gritou aflita
Você me mata meu louro
É pelo seu desaforo
Só sai daqui ensinada
Quando levar muito couro.
Deu mais de duzentas quedas
O olho dela arrancou
Rasgou-lhe a roupa toda
E uma perna quebrou
Depois de muito surrá-la
O papagaio a soltou.
Assim que ele a soltou
Ela saiu dizendo
Ai quase que morro agora
Nas unhas do sorancaio
Quem não conhece Miguel
Chama aquilo papagaio.
O papagaio gritou ainda
Vais resmungando
Não meu louro disse ela
Parece que comigo
Ainda está se incomodando.
Chegou lá e disse a Jobão
Estou quase desgraçada
O marvado papagaio
Me deu uma surra danada
Tirou-me um olho
Deixou minha perna quebrada.
Eu não disse
Que você não tirava resultado
Bichinho como aquele
Só parece endiabrado
Sei que não posso vencê-lo
Vamos dar como acabado.
Disse a velha faz pena
Outro homem a gozar
Mas eu te ensino
Um meio para dela se vingar
Levanta um falso a ela
Que assim pode te pagar.
Disse Jobão como fazer
Para ser bem empregado
Disse eu te ensino e fica bem ensinado
Preste me bem atenção
Pra ficar certificado.
Ela tem no peito esquerdo
Um sinal como uma rosa
Que parece um desenho
Feito por mãos caprichosas
Tem um cachinho de cabelo
Feito uma trança formosa.
Você dando esse sinal
Ela está desgraçada
Pode ficar na certeza
Que vai morrer enforcada
E a surra do papagaio
Em breve será vingada.
Se despediu de Jobão
E logo se arretirou
Então aquele malvado
No mundo aquilo espalhou
Que a mulher do general
Com ele se adulterou.
Foi aonde estava o rei
Aquele infame malvado
Jurou que a princesa
Tinha o esposo atraiçoado
Disse o rei até nem posso
Perdoar esse pecado.
Com quem ela o traiu
Disse ele foi comigo
A mulher do general
É meu maior inimigo
Ambos irão morrer
Sofrendo assim o castigo.
Você também vai morrer
Para não escandalizar
A mulher estava quieta
O que tinha que incomoda-la
Rei, foi ela a culpada
Seduziu-me com o olhar.
O rei anunciou
A morte do general
E a morte da esposa
Porque fora desleal
Pôs em luto dobrado
Quase em toda a capital.
A princesa inocente
De nada disso sabia
O papagaio calado
Nem cantava nem sorria
Pudor dela manchado
A mais santa que havia.
O general foi à guerra
Matou e desbaratou
O orgulhoso pagão
Prendeu e sub-julgou
Perdeu mais de 20 mil
Mas a pátria libertou.
Quando chegou encontrou
De luto todo o reinado
Sentia tais convulsões
Quase morreu assombrado
Ao saber que a esposa
O tinha atraiçoado.
Disse ele não acredito
Na infame traição
Minha esposa é uma santa
Não tem esse coração
Eu juro perante Deus
Foi outra ela não.
Disse o rei ao general
O senhor vai ser degolado
Respondeu o general
Senhor muito obrigado
Com isso queres pagar
Quem o fez libertado.
Foi preso o general
Trancado numa prisão
Então disse o papagaio
Já chegou meu patrão
Vai morrer enforcado
Sem a menor rendição.
Minha senhora não sabe
Que a dias foi traída
Tão santa tão inocente
Porém na rua é vendida
Vamos logo sem demora
Senão ele perde a vida.
A princesa quis correr
Descalça de pés no chão
Disse o papagaio calma
Tenha fé no Deus cristão
Que não desampara o justo
Com a sua proteção.
Saíram ambos avexados
O papagaio e a princesa
Sendo que era o guia
Sempre a guiar sua alteza.
Para onde estava o marido
Pois ela não tinha certeza.
Quando a princesa chegou
Que avistou o marido
Disse a Deus meu esposo
Meu belo anjo querido
Não calcule a saudade
Que por ti tenho sofrido.
Eu dou por vista meu anjo
Meu amor meu sumo bem
As que eu também sofri
Quando estive muito além
Eu vou morrer enforcado
Vieste morrer também?
Disse então o papagaio
A Deus meu belo senhor
Está preso inocente
Ia passar pela dor
Se não tivesse a teu lado
O mais justo defensor.
Disse o papagaio ao rei
Sua real majestade
Estas almas inocentes
Ignoram a maldade
Eu provo que é calúnia
É a maior falsidade.
Jobão irmão de Alvino
Esse falso levantou
Contra a sua cunhada
Dizendo que maculou
Jurou falso testemunho
E sua alteza acreditou.
O diabo dos infernos
Depois de ter atentado
Fez ele ver minha senhora
Na janela do sobrado
Por ser ela muito linda
Ficou ele enfeitiçado.
Foi ver se a iludia
Porém nada encontrou
Porque repeli a ele
Desenganado voltou
Por sua infelicidade
Com o diabo encontrou.
Esse o iludiu
Em troca do sangue dele
Porém não arrumou nada
Porque a ele repeli
Então o povo disse
Que papagaio é aquele.
O que eu digo eu sustento
Ninguém queira acreditar
Mas vou buscar o diabo
Para a história contar
Sub-julgado por mim
Ele não pode negar.
Pediu licença ao rei
Bateu asas e voou
Em menos de dez minutos
Com a velha ele chegou
Contar toda a história
O papagaio a obrigou.
Conta a história direito
Não quero ver covardia
Senão leva outra surra
Pior que a daquele dia
Eu te esmago a cabeça
Como esmagou Maria.
O diabo quis negar
Porém ele temeu
Contou amiudamente
Todo o fato que se deu
Quando surgiu a verdade
Logo a mentira morreu.
Disse então o papagaio
Entrega o sangue alheio
Perde esse mal costume
Pois ele é muito feio
Não vá mais caluniar
Senão te corto ao meio.
Aí o rei perdoou
O seu amigo leal
Logo no dia seguinte
Promoveu o general
Ofereceu de presente
A coroa imperial.
Disse Alvino obrigado
A mão do rei beijou
O papagaio nesta hora
Cantou sorriu e falou
Fez um discurso eloqüente
Que o povo se admirou.
Eu conheço o meu senhor
Quando ele foi batizado
No dia em que ele nasceu
Eu me achava encostado
A parteira que o pegou
Chamava Ana Machado.
Deste dia em diante
Dele não me separei
Sou testemunha ocular
Se precisar jurarei
Se já pecou contra Deus
Eu ainda não notei.
Os seus pais eram pobres
Gemiam falta de pão
Mas sempre resignados
Com o dever de cristão
Nunca usou indolência
Na hora da oração.
Minha nobre senhora
Eu vi quando nasceu
A sina que ela trouxe
Que o pai repreendeu
Sendo ela uma fidalga
Casar-se com um plebeu.
Mas aquilo que Deus faz
Ninguém pode desmanchar
Sendo sorte boa ou não
O homem tem que aceitar
Deus é quem nos domina
Ninguém o pode dominar.
Disse o papagaio ao rei
Reconheceu sua alteza
Deus só é que tem poder
No mais tudo é fraqueza
Mandou que o imperador
Pusesse a benção na princesa.
A princesa tomou a benção
E o rei se assustou
Logo reconheceu a filha
A ela abençoou
A rainha igualmente
Muito alegre ficou.
O rei abraçou o genro
Com a maior alegria
Quem chorava noutra
Naquela hora sorria
Só Jobão naquela hora
Arrependido gemia.
Disse o papagaio ao rei
Sua alteza real
Fez bem entregar a coroa
Ao seu genro marechal
Pois fará melhor justiça
Porque tem melhor moral.
O rei entregou a corte
Foi este ser imperador
Disse o papagaio manda
Chamar seus progenitores
Que choram todos os dias
Com saudade do senhor.
Olha eu não sou papagaio
Sou um anjo tutelar
O anjo de sua guarda
Que Deus mandou te livrar
Receba os quatro vinténs
Foi ao senhor entregar.
Até o dia do juízo
O papagaio murmurou
Dando um beijo na princesa
Bateu asas e voou
Foi grande a comoção
Que todo povo chorou.
Quando ele ia voando
Ia soltando muitas flores
E as flores só caiam
Sobre o colo dos senhores
Cantando um hino angélico
Oferecendo a Deus louvores.
Viram que o céu se abriu
Quando ele entrou
A princesa de saudade
Muitas lágrimas derramou
A saudade do papagaio
Nunca mais se acabou.
Graciana aos 16 anos leu um livro sem capa. Declarou hoje desconhece o autor, mas sempre se inspirou nestas histórias para valer seu olhar simplório para Jesus Cristo, o Deus de toda glória. Ensinou sempre aos mais jovens. Que embora gostem muito de as ouvir, nunca as aprenderam.
Graciana hoje com 79 anos de idade tem uma memória invejável, guarda na cabeça centenas de versos, orações e contos. Indiscutivelmente encantadora.
Essa história é aclamada
Por Graciana a contar
Mas quem da vida à história
É ela ao declamar
A pureza e o encanto
De tão singular figura
Encanta e impressiona
À mais bruta criatura.
Oito décadas de vida
E uma história sem igual
É um encanto com seus olhos
Pessoa fenomenal
Tia de João Damasceno
E avó de sua Cristina
É bisavó de Stela
Aquela doce menina.
Quanto encanto em Montes Claros
Quanta gente quanta história
Quantos sonhos aqui nasceram
Voaram buscando a glória
Quantos séculos desde a origem
Quanto tempo se passou
Foram quase quatro séculos
Desde seu desbravador.
O lento passo do tempo
Que ninguém pode alterar
É testemunha de tudo
Que aqui me ponho a contar
Desde Antonio e Ambilina
Até a presente data
Caminhando nessa história
Que cativa e arrebata.
No folclore desse povo
De uma vasta região
Água Fria, Alto Paraíso
E também em São João
São comuns as mesmas lendas
Cheias de fascinação
Personagens encantados
Feitiços e devoção.
Minha mãe ainda conta
Meus avós também contavam
Eventos misteriosos
Que muito impressionavam
Espectros sobrenaturais
Que fazendo traquinadas
Assustavam os moradores
Que não podiam fazer nada.
Segundo a tradição
Não eram eles fantasmas
Mas índios aqui nativos
Que com feitiços se encantavam
Tornavam-se invisíveis
Quando bem lhes aprouviam
Fantásticos e muito ágeis
Mais que um corcel corriam.
Antes da monocultura
Com seu império arruinante
As roças eram de toco
O equilíbrio constante
Cansativo era o cultivo
O fruto era abundante
Não se perdiam em depósitos
De um mercado oscilante.
Plantavam para se comer
E viver dignamente
Não como avaros mercenários
Num comércio indecente
Era uma era simples
De fartura e de labor
De alegria e pranto
Felicidade e dor.
Os índios eram chamados
Compadres pelos fazendeiros
Embora muito traquinos
Não eram muito encrenqueiros
Pois não buscavam a briga
Queriam se divertir
Assustando aquela gente
Que residia ali.
Das práticas desses espectros
Algumas vou destacar
Enchiam as estradas de árvores
Dificultando o passar
Nas trilhas em meio ao mato
Com o capim faziam laçadas
Que serviam de tropeço
Pra aqueles que as usavam.
Nos ranchos em meio à roça
Na hora de laborar
Alguém ficava cuidado
Pros índios não aprontar
Pois eles apagavam o fogo
Enchiam de cinzas as panelas
Faziam grande algazarra
Mas não causavam mazelas.
Nos pastos e nos currais
Os animais padeciam
Orelhas, crinas e rabos
Em tudo eles mexiam
Cortavam e amarravam
Depois soltavam distante
Deixando os donos dos bichos
A campear como errantes.
Gostavam de ser cortejados
E de receber presentes
Gostavam de leite e queijo
De fumo e de aguardente
Quem assim os tratava
Tornavam-se seus parentes
Recebiam seus agrados
E as artes eram ausentes.
Se enamoravam das moças
E as vezes as raptavam
Existe algumas estórias
De moças que não voltaram
Do mesmo modo que existe
Contos dizendo o contrário
De índias que eram raptadas
Já com um destinatário.
Entre muitas que existem
Há um caso nesta família
Que capturou uma índia
Com tamanha valentia
Usando de cão caçador
E muita determinação
Conseguiu pegar a índia
Que mordia como um cão.
Levou-se muitos anos
Pra conseguir amansa-la
Era ainda uma criança
Quando foi capturada
Com média de doze anos
Como bicho foi criada
Quando se tornou mulher
Já estava adaptada.
Os índios muito tentaram
A indiazinha resgatar
Não obtendo sucesso
Resolveram se vingar
Raptaram duas meninas
Dos moradores do lugar
Foi grande então a tristeza
O povo pôs-se a lamentar.
Episódios como esse
Por aqui são naturais
Diferem em alguns pontos
Mas na essência são iguais
Narram essa convivência
Entre os índios e o povo
Figuras que estão presentes
Na mente do velho e do novo.
Se são crendices ou fatos
É difícil se saber
Tem gente aqui que afirma
Que é verdade pra se crer
Afirmam serem descendentes
De índias capturadas
A avó de minha mãe
É uma destas citadas.
Entre os contos mais comuns
Estão a mula sem cabeça
E também o lobisomem
Monstros que aqui são homens
A mula sem cabeça
É um monstro que espanta
Ela sempre aparece
Durante a semana santa.
Ela é uma mula preta
Sem cabeça no pescoço
Onde era pra ter cabeça
Tem uma tocha de fogo
São as mulheres que em vida
Com os padres se enamoraram
Quando morrem não descansam
Mula sem cabeça se tornam.
O lobisomem aqui
É fruto de encantamento
É só aprender a oração
Pra se meter no tormento
Depois de achar um ninho de égua
Onde a pouco ela estava
Se espojar naquele ninho
E orar com fé declarada.
Mas tem que ser sexta-feira
Em noite de lua cheia
Pra cumprir o ritual
Tem que ter sangue nas veias
Porque é à meia-noite
Que a coisa se desencadeia
Corte os pulsos e beba o sangue
Completando a coisa feia.
É assim que qualquer homem
Pode virar lobisomem
Mas pra se manter vivo
Tem de matar sua fome
Sangue humano bem quente
Pra poder se saciar
Por isso o lobisomem
Necessita de matar.
Pois se ele deixar vivo
A presa que ele pegou
Este vira lobisomem
Pra matar seu criador
Pra matar um lobisomem
Lobisomem tem que ser
Ou então punhal benzido
Isso se o cabra crer.
Mas se saíres por aí
E um lobisomem encontrar
Enfie um punhal virgem
No seio do seu olhar
Isso não o matará
Mas muito o fará sofrer
Pois com esse simples golpe
Homem ele volta a ser.
Há também outros encantos
Bem comuns na região
São tesouros encantados
Guardados por assombração
Mané Veio do João Paulo
Filho de nosso Heitor
Antes que viesse à morte
Um tesouro encantou.
No João Paulo referido
Então sede de Mané
Ele fez esse encanto
Que eu conto como é
Ajuntou um grande tacho
Feito de ouro batido
Todo ouro, prata e bronze
Que trazia escondido.
Moedas e medalhões
Colares também anéis
Jogou tudo dentro do tacho
Mais de dez milhões de reis
Fortuna mui grandiosa
Que ele havia ajuntado
Trabalhando em sua terra
Que do pai tinha herdado.
Cavou na beira da cerca
Ao lado de um murundu
Enterrou sua fortuna
E encima plantou bambu
Passou o tempo e Mané
Ficou velho e faleceu
Quis guardar sua fortuna
Veja o que aconteceu.
Reza a crendice do povo
Que o dinheiro é amaldiçoado
E quem enterra dinheiro
Nele fica aprisionado
Não encontrando descanso
Nem aqui nem do outro lado
Vira uma assombração
Vivendo atormentado.
Pra se livrar do encanto
Só existe uma saída
É achar um homem valente
Que tenha a fé exigida
Pra encarar a assombração
E quebrar-lhe o encanto
Mas tem que ser corajoso
Pra não fugir de espanto.
Pois a assombração aparece
Nas mais distintas figuras
Que vêm sempre violentas
Sobre a tal criatura
Se ele lhes resistir
E for vencido por temor
Esse se torna herdeiro
Daquele que desencantou.
Mas se ele fugir com medo
Nada então herdará
E a pobre alma penada
Ainda mais vai esperar
Mané Véio enterrou
O tesouro que herdou
Por isso no seu tesouro
Aprisionado ficou.
Quem passa só no João Paulo
Em frente ao bambuzal
Vê a assombração do velho
Pedindo auxílio ao tal
Contudo se isso é verdade
Mané Véio é prisioneiro
Pois o bambu que plantou
É um gigantesco bambuzeiro.
Tem gente aqui que garante
Que lá já foi assombrado
Por figuras aterradoras
Correndo para o seu lado
Contudo faltou coragem
Pra esperar e herdar
Saíram apavorados
E não mais passou por lá.
São touros, lobos ferozes
Dragões, figuras pesadas
Quem vêm para assustar
Afim de ser libertada
Todos trazem a mensagem
Das almas aprisionadas
Que moram junto à fortuna
Que ali foi enterrada.
São estórias do folclore
Que alguns com segurança
Afirmam serem verdadeiras
Pra adultos e crianças
Só quem ouviu me entende
Só quem viveu acredita
Tudo isso é nossa gente
Essa geração bendita.
São João Batista aqui
É muito privilegiado
Patrono desta paróquia
É santo muito honrado
Quando chega o mês de junho
Já se tem a tradição
Tem quermesse tem novena
Em honra a São João.
Barracas em palha de coqueiro
Bandeiras, papel picado
Pipoca, quentão, canjica
Quadrilha e forró arrojado
Fogueiras, batata doce
Licores, milho assado
É assim que nossa gente
Festeja o santo adotado.
Quase todas as fazendas
Têm aí sua capela
Onde vivem sua fé
E ao seu Deus se revela
Os filhos de Rebendoleng
Mantêm-se fiéis à Jesus
Mesmo que alguns o traiam
Negando a sua cruz.
Em cada casa e família
Fagulha do polonês
Existe um homem de fé
Pra cumprir o pacto que ele fez
De honrar a Deus do céu
Pai de Jesus Salvador
Por isso em cada família
Tem ele um embaixador.
Que aos poucos vai se abrindo
Deixando o Cristo crescer
Tornando-se sal e luz
Para que todos possam crer
Católicos na maioria
Em minoria protestante
Há também os desgarrados
Que não se fazem orantes.
Vivem de outros credos
Que lhes são convenientes
Mas trazem em si a sede de Deus
Mesmo sendo negligentes
O Deus do céu tem poder
Ele vai nos ajudar
Um dia toda essa gente
Pra Jesus irá voltar.
Herdado dos primitivos
Antigos donos do chão
Os índios que aqui moravam
Antes da colonização
Costumes supersticiosos
Palavras, ritos pagãos
Mesclaram-se à fé
Dos filhos dessa nação.
Porém a religião
Está viva e segue bem
É fator determinante
Que toda a estirpe tem
Ainda que vacilantes
São tementes e de oração
Esperam em Jesus Cristo
Com amor e devoção.
Em louvor aos nossos santos
Exemplos que nos seduz
A viver a fé em Deus
E ser fiel a Jesus
Por todas as comunidades
Nos mais distintos dias
Têm rezas, festas e banquetes
Folias, muita alegria.
Uns devotam-se a Maria
Senhora da Conceição
Outros a Aparecida
Lourenço e Sebastião
Nossa Senhora do Livramento
De Fátima, de Abadia
Do Desterro e Rosa Mística
Santa Rita e Santa Luzia.
São José, pai de Jesus
Antonio e o Espírito Santo
São Francisco de Assis
Também tem aqui um canto
São Pedro e Paulo apóstolo
Agostinho e André
São santos aqui honrados
Exemplos de amor e fé.
O povo muito singelo
Traz a fé no coração
Sofrem as dores do dia-a-dia
Agarrados à religião
Têm nos santos intercessores
Um apoio na provação
Por isso eles são honrados
Com tanta admiração.
Com o lento passar do tempo
O mundo se transformou
Mudaram-se os pensamentos
Mudaram até o amor
Só deus ainda é o mesmo
Não se pode contestar
Por ser o grão criador
Ninguém o pode mudar.
Mudou o sonho do homem
Mudou o seu sentimento
Mudou o seu vestuário
Mudaram seus alimentos
Mudou seu coração
Mudou seu jeito de ver
Mudaram a religião
Mudou o jeito de crer.
O bonito ficou feio
O feio tornou-se belo
O sol hoje é cor de sangue
Já não é mais amarelo
Rompeu-se o limite humano
Com o deificar do homem
Mataram a tiro a amizade
E a verdade de fome.
O objeto virou gente
Gente virou objeto
Banalizaram o sexo
Extinguiram o afeto
Destruíram o carinho
E a sensibilidade
E moldaram a bel prazer
Nova sexualidade.
Sujaram o conhecimento
Insultaram a sabedoria
Exaltaram a insensatez
Com amor e idolatria
Pegaram todos os sábios
Passaram ao fio da espada
Sentaram no trono um tolo
A confusão foi armada.
Só se pode resistir
Que não temer o martírio
Ser fiel ao criador
E a Cristo seu único filho
Nem mesmo a natureza
Recebeu a anistia
A coitada e estuprada
Com total selvageria.
Mas Deus ainda é Deus
E espera com paciência
Dá tempo a seus vis herdeiros
Agindo com sapiência
Contudo o tempo é curto
A noite alta está
Temos que estar preparados
Pra hora que o sol raiar.
No mundo em que vivemos
Quem crê é discriminado
Quem espera em Jesus Cristo
De idiota é tachado
Não há espaço para a fé
Se ela é verdadeira
Mas se for de conveniência
A aclamam de primeira.
Mas nós que cremos em Cristo
Por vontade do Senhor
Não seremos confundidos
Viveremos no amor
Ainda que vacilantes
Entre tristeza e dor
Jamais estaremos só
É promessa do Senhor.
O amor que era a expressão
Do belo e também do bom
Sinônimos de Deus do céu
Agora mudou de tom
A qualquer futilidade
Desgraçantes porcarias
Dão o nome de amor
Com tamanha covardia.
Não conhecem o amor
Não sabem que ele é Deus
Por isso sempre é perene
Não muda como ao seus
Ele é sempre o mesmo
Genuíno em todas as expressões
Não é como são os homens
Doutores em confusões.
Termino aqui meu relato
Que não termina aqui
Como a vida segue o curso
Também ele vai seguir
Porém caberá a outro
Continuar a narração
Pra não deixar se perder
Nossa peregrinação.
A noite vai indo alta
O dia já vai raiando
Sinto o tempo mudar
O novo se aproximando
O universo terreno
Está em reorganização
Há conflitos efervescentes
Em cada palmo de chão.
O cheiro do novo dia
Exala por toda a Terra
A sede de um novo tempo
A todos os homens encerra
A humanidade em dores
Espera o parto vindouro
Onde a paz e a amizade
Sejam os mais nobres tesouros.
As trevas se empalidece
Diante da luz da vida
Que renasce em cada homem
Após ser tão agredida
Quem espera sempre sofre
Sempre sofre mas alcança
Quem viver verá feliz
Um tempo de bonança.
O amor que é ressureto
Agora faz ressurgir
No coração dos seus filhos
A sede de ser feliz
Os homens sentem saudade
Do tempo em que eram humanos
Mortais tementes e crentes
Em um Senhor soberano.
Já vejo o renascimento
Da fé da religião
Vejo o homem aprendendo
O valor que tem o perdão
Vejo o jovem a sonhar
Com o amor verdadeiro
E lutar pra ser bem mais
Que um objeto passageiro.
Vejo o ter perdendo força
Vejo o ser a reagir
Vejo nova ordem mundial
Lentamente emergir
Não me engano sei é lento
O processo é demorado
Sei que o joio é imponente
E não será arrancado.
Mas sei que joio e trigo
Podem juntos conviver
Porém o trigo não pode
Em joio se converter
Por isso vejo o que vejo
A ressurreição do ser
Que a tanto fora morto
Pelo domínio do ter.
Ouço um canto a ecoar
Em meio à sonora poluição
Que tornou o homem surdo
E cegou seu coração
São ainda em minoria
E assim sempre serão
Mas farão grandes mudanças
Cantando a mesma canção.
Canção que fala de vida
De amor e ressurreição
Canção que fala a verdade
Sem ódio nem pretensão
Canção que leva a amar
Sem nunca fazer distinção
De raça, credo ou cor
Costumes ou posição.
É esse o cântico novo
Da nova população
Que vem proclamar ao mundo
O tempo da redenção
Quem tiver ouvidos, ouça
Com carinho e atenção
A fé entra pelo ouvido
E habita no coração.
Já é tempo de amar
No rosto por um sorriso
Baixar as armas de guerra
Abrir-se a fazer amigos
Juntar-se aos novos homens
Na construção do novo mundo
Ainda que seja um sonho
E dure só um segundo.
Pois um segundo é o bastante
Pra quem crê na eternidade
Pois por ser ela o que é
É um segundo na verdade
Desejo a ti meu leitor
Amigo e meu irmão
Uma leitura feliz
E uma feliz redenção.
Deixo a estória em aberto
Pra se dar continuação
Pois pra glória de Jesus
De Rebendoleng satisfação
Daremos ao mundo o brilho
Ao homem nova direção
E como Deus não tem fim
Não terá fim essa geração.
Há de se imortalizar
Nas mãos do Senhor Jesus
Esta estirpe abençoada
A quem Ele ama e conduz
Ao velho Rebendoleng
Haveremos de nos juntar
E a glória de Jesus Cristo
Pra sempre iremos cantar.
Quer no céu ou quer na Terra
Deus sabe e o fará
Já disse e agora repito
Quem viver então verá
Saúde à humanidade
Pois somos todos irmãos
Entremos no novo dia
Cantando a mesma canção...