Aos amigos que nunca tive



Sonhei com um rio, pequeno, tímido e perene,

Era o Rio da minha vida.

Eu estava deitado sobre seu leito,

Metade do meu corpo, a metade inferior,

Das costas até os pés estavam dentro do rio.

A metade superior, da metade das costas até a cabeça, estava fora do rio, fora do seu leito,

A repousar em suas pedras e areias.

E estar assim era bom!


Então uma voz silenciosa ecoou a me ensinar coisas...

Verdades tão eternas, marcadas por subjetivismo, que me faziam todo sentido...

Então acordei.

Lúcido e grato eu acordei!


No espelho me olhei e sorri ao constatar,

Meu menino havia passado!

Aquele que eu via ali refletido, era o mesmo, porém outro.

Marcas da temporalidade decoravam-lhe: os cabelos, a fronte, o corpo e a mente,

Matizando seu modo de agir, de falar, de pensar e de sentir...


Pensei no percurso e por um instante vislumbrei o caminho...

Ato a ato, passo a passo, vi coisas, senti cheiros, revi rostos, lembrei nomes e percebi algo interessante, 

Não havia vazio em mim, eu estava cheio... repleto, pleno!


Então passou ante meus sentidos, meus íntimos e não tão íntimos, meus iguais, os meus amigos,

Ao passo que eu os olhava, eu os reconhecia, os nomeava e eles se evaporam e desapareciam...

E assim, fui tomado por desejo desmetido, revisitando um por um, cada um dos meus amigos...

E daquela multidão, restaram ao final senão um punhado de amigos, 

Um tanto tão reduzido, que cabem em uma mão! 


Compreendi nesse afã, algo simples e salutar, que me irá sempre consolar e orientar,

Hoje e quiçá amanhã...

Todos os que passaram por minha vida,

Todos que cruzaram minha história,

Os que amei e os que odiei,

Os que servi e os que persegui,

Os que acolhi e os que exclui... todos...

São afinal parte de mim.


Vieram, chegaram, fizeram, passaram... alguns poucos, bem poucos ficaram!

Deixaram um pouco de si, levaram um pouco de mim e assim, me ajudaram,

Pois de tudo que passei, de todos que encontrei, algo ficou, que incorporei e parte de mim se tornou, fazendo me aquilo que sou!


Uma leveza, uma paz, me tomaram sem razão e eu senti meu coração, 

Doce e leve a bailar,

Livre de ódio e julgamentos,

Livre de medos, angústias e tormentos, transcendo a se eternizar...


Assim, volvi mais uma vez meu olhar aos  amigos que nunca tive,

E reverente os agradeci,

Disse lhes e digo ainda em tom afável e libertador:

Você que veio e não ficou,

Você que me deixou e partiu,

Você que me decepcionou e traiu,

Você que me feriu, magoou...

Você que se aproximou por interesse,

Você refém da conveniência,

Você maledicente sem clemência,

Você oportunista sem pudor...


Você, você, você...


Eu sempre lhe culpei, para me justificar,

Eu sempre me distancie, por não suportar,

Não ser visto como eu era, como eu queria ser visto...

Eu sempre dei o melhor de mim,

Ocultando o pior e dissimulando,

Negando aquilo que de fato sou!


Mas você, você, você...


Você tomou o que queria,

Pegou aquilo que lhe servia e se foi 

A desnudar-me lentamente...

E quando enfim, nu me encontrei,

Me vi então no que me tornei,

O que eu era e o que não era, 

O que eu gostava e o que eu não gostava,

O que eu aceitava e o que eu negava...


Mas somente me foi possível esse caminho,

Porque não o percorri sozinho, 

Cada passo do percurso,

Um de vocês se punha ao meu lado.

Ora a ofertar o ósculo, ora a vender-me por migalhas,

Ora a ofertar-me a mão, dividindo comigo o pão,

Ora a apunhalar-me traicoeriamente,

Mas sendo o que sois, simplesmente...


Não fostes vós que a mim, enganastes...

Não, fui eu, sempre eu, a todo tempo, eu, eu quem me enganei! 

Por ignorância, por conveniência,

Por vaidade,  por demência, 

Por arrogância, por tolice,

Por simplicidade ou meninice.


Mas o meu menino passou...

E o ser que hoje sou, agradece a todos vós!

A cada um dos amigos que nunca tive, 

Por tudo que de mim levaram e

Por me abrir, criando em mim espaço para caber mais vida,

Para caber coisas novas...


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