CONFIDÊNCIAS DE BOLSO
Coisa
triste é ser coadjuvante da própria história, destarte, cansado dessa posição
pouco realizante lanço mão deste, para ousar ir além, para assumir ainda que
brevemente o protagonismo que me é devido. Sim claro, elementarmente que se
apresenta um tanto arrogante minha tal posição, assim tão aguerridamente
assumida, mas creia-me, nada tem a ver com arrogância, trata-se meramente de
assumir o meu papel de fato, e assim na condição de protagonista apresentar a
minha percepção das coisas... Poderá por ventura alguém censurar-me, por querer
também dizer daquilo que sinto, penso, vejo..? Ainda que alguém ouse, ainda que
me censurem, quero correr este risco, quero submeter às críticas. Mas aos mais
desavisados digo logo de entrada, o que falo, falo de mim mesmo, do meu
coração, se é que tenho um... de minha sensibilidade...
Mas
chega desse prolixo preambulo, vamos avançar... quero apresentar –me,
permitam-me! Sou o bolso. Sim o bolso... muito certamente que lhe soará
estranho caro leitor. E naturalmente expressará algum espanto. Mas não se
precipite... sim, o bolso! É este aquele que vos remete... desde a muito que
ando, a acompanhar tanta gente nas mais diversas situações e ocasiões, mas hoje
quero evocar o direito de falar, narrar algo que julgo relevante.
Sou
um bolso traseiro de uma velha calça jeans. Nesses meus sete anos de vida,
tenho visto e acompanhado muitas coisas, mas por viver na retaguarda, acabo
observando pelos fundos, na traseira da história, perifericamente. O que em
nada invalida minhas percepções elementarmente.
Nesses
meus anos de vida, muitas coisas me marcaram, outras passaram irrelevantes. Mas
caro leitor, permita dizer... ultimamente, ando meio em crise, não sei se é a
melhor idade, o causticante martírio de viver minha existência toda nesta mesma
contraditória posição, sim contraditória, mas o fato é que sinto me impelido a
fazer algo novo, a falar de mim. Veja bem, deixe que eu explique essa
contradição que pertine a minha posição.
Pois
bem, enquanto bolso traseiro de uma calça jeans, estou localizado numa região
nobre, nos altiplanos glúteos com toda sua nobreza e majestosa sedução. Isso é
maravilhoso, esse status realmente é fascinante... a maciez dos glúteos, sua
textura, seu movimento... os glúteos trazem emoções apavorantes, intensas, é
indubitavelmente uma região badalada... a freguesia é constante e diversa,
desde o olhar o mais frequente dos visitantes, até os lábios, mãos dedos,
rosto, nariz, etc... enfim uma loucura o dia-a-dia glúteo.
Mas
vida de bolso traseiro não é só essa majestosa
badalada rotina. Há constantemente transtornos que complicam a vida,
alteram os humores desafiando qualquer bolso traseiro que se prese. Entre os
cânions glúteos fica localizado o orifício vulcânico... um oráculo de humores instáveis
que expelem larvas e gazes das mais distintas naturezas... vez ou outra recebe
estranhos visitantes que ora apenas o cumprimentam, se esfregam,
reverentemente, limpam no, ora adentram e realizam uma estranha ritualística
entrando e saindo freneticamente, até que desaguam neste num ápice estranho,
tudo isso é contraditório, tudo isso faz essa citada contradição... mas o mais
contraditório mesmo, é que mesmo sendo um habitante dos glúteos e saber de
todas essas coisas, as sei pelo observar, ora de meu lugar de residência, ora
de longe... sim de longe, pois que quando tudo fica intenso nos glúteos, a capa
de revestimento que pavimenta o corpo é arrancada e lançada fora, assim é que
de longe, abandonado, relegado ao descaso sou juntamente com a calça deixado
pelo caminho, sendo obrigado a apreciar estas coisas quase sempre a distância.
Como coadjuvante, expectador na maioria das vezes. Razão que tanto me indigna e
faz evocar o meu direito de fala.
Ora,
ultimamente tenho feito artes... um pouco de traquinada faz bem, pode trazer
complicações... mas não há idade que resista ao prazer, à emoção de uma boa
aventura...
Na
condição de bolso, além de ver e observar tudo quanto tenho dito, também cumpro
meu papel de receber e acomodar as mais diversas coisas... carteiras, dinheiro,
papel, bilhetes, contas, em fim uma infinitude de coisas... mas ultimamente
tenho recepcionado um dispositivo engraçado que as pessoas andam usando. Elas o
chamam de Celular. È um aparelhinho usado para se comunicar com outras pessoas
que estão distantes. É um geringonça tão eficiente e encantante que até eu
tenho me rendido aos seus benefícios e encanto... já usei algumas vezes... olha
é mágico o efeito que ele produz...
A
principio era tudo irrelevante, eu o recebia, o recebia, o recebia, sem lhe
prestar atenção... mas sabe como é, há sempre um tempo mais oportuno para cada
coisa... assim , chegou o dia que acabei sendo seduzido por tal dispositivo e
passei a reparar mais nesse tal de celular.
Sou
bolso traseiro de calça jeans como disse, mas calça jeans de um poeta... bem
não sei como são os outros, mas o poeta, ah, o poeta é um ser encantante,
encantante mas muito estranho... difícil de definir. O caso é que esse meu
poeta tem lá suas musas e usa muito seu celular para receber as inspirações das
musas... estranho, né, eu sei! Homero ficaria louco, se soubesse a que ponto
chegamos... musas que inspiram por mídias... bugigangas tecnológicas que a
modernidade trouxe. Mas seria muita perfídia refutar todas essas coisas por
puro capricho e descabido zelo pela tradição homérica. Até mesmo por que se por
um lado tudo isso rechaça a tradição, não o faz para extingui-la, mas para a
remontar sob novo arranjo, dando convivência entre o tradicional e o moderno...
que papinho mais chato não...
Pois
bem, esse meu poeta, é um ser extremamente contraditório, todos somos, mas ele
parece ser mais... talvez daí tenha eu sido vitima de alguma influencia... ele
relaciona –se com várias musas, deuses e semideuses, habitantes da luz e das
trevas... é uma intersecção de mundos e submundos, talvez seja isso que lhe faz
tão contraditório, ele alimenta e é alimentado por fontes múltiplas... e se se
é o que se come!
Ele
encontrou por acaso, penso eu, pois não faz muitas luas que ele encontrou, uma
nova musa... ela é uma musa muito interessante. Ela já o encontrou algumas
poucas vezes, mas a conexão entre eles é algo surpreendente, impressionante. O
contato entre eles gera uma aura que é inominável, indescritível, pura
inspiração, “luxuria que o fogo lambe”, diria outro poeta.
De
tanto ouvir e apreciar tudo, como sempre na minha condição de distante
observador, acabei me envolvendo, me sentido parte daquilo tudo... em fim bem
ou mal, não sei, julgue me quem puder... resolvi entrar na brincadeira, entrei
na dança...
Um
belo dia após oras de conexão entre musa e poeta, a inspiração se deu tão
intensa e profusamente que o celular foi dispensado... o poeta confiou a mim...
foi aí que fiz minha traquinada. Comecei a mexer em todos aqueles botõezinhos,
no afã de ver no que dava. Descobrir que tipo de feito aquilo propiciaria...
mexi, mexi, mexi... quanto em fim estava exausto e confuso, já não tinha mais
paciência para aquele geringonça estranha. Então começou a soar um barulho
estranho, entrecortado por pausas de total silêncio... assustei me quando o
primeiro som ecoou, triiiiimmmmmmm...
quase caí de susto, quase despenquei dos glúteos deixando a calça sem mim. Mas
felizmente minhas costuras são de boa qualidade e assim eu resisti aquele
apavorante som, logo na sequência imediata um silêncio se vez... e novamente o
som voltou a impor-se triiiiimmmmmmm...(
silêncio), triiiiimmmmmmm...repetidas vezes isso se deu. Minha curiosidade
aguçou-se e ao fim de repetidas alternações de som e silêncio... veio o
contanto com a musa.
Indescritível,
não há palavras, nem cores, gestos imagens, nada, absolutamente nada, que se
possa prestar eficientemente para expressar aquele momento, aquele contato,
aquela musa mágica, cativante, apaixonante que de outro mundo dizia com voz
doce e pueril, jovem e deliciosa ao meu ouvido coisas que não pude entender,
seus gemidos, suas frases eram inefáveis, sua respiração, o compasso de toda a
peça... uma magia envolvente cativante... entendi brevemente na minha
insignificância bolsal o que o poeta vive e sente contactando essa musa. São
percepções que não se pode exprimir...
Do
outro lado a musa dizia algo assim “Alô,
Alô, alô, Kiko di Faria, fala comigo, podes me ouvir...? Puhn, puhn, puhn...” sinceramente
não entendi nada. Eu não falo essa
língua. Como exprimir o inexprimível, como explicar o inefável? Não sou eu,
pobre bolso que o poderá fazer... mas o fato é que foi tão diferente, me
transformou de tão prazeroso e inusitado, tornei me outro ser... repeti algumas
vezes a travessura e assim desabrochou em mim a capacidade e o desejo de falar
tudo isso. A vontade incontida de dizer estas coisas, vencer o anonimato, sair
da coadjuvância e render tributos ao protagonismo, ainda que breve, em poucas
linhas... seduzido e inspirado pela musa deixo aqui minhas confidências de
bolso.
Acho
que cá não há lei que as proíbam, se tem eu as desconheço, assim como
desconheço, ignoro quem poderia se ofender com tal feito meu, senão o poeta,
que ao tomar conhecimento, acho que revelado pela musa, nada fez. Não
arranco-me, não costurou-me, nada, absolutamente nada, nenhuma sanção... então
não deve ser crime.
Lei
cá não há! Ley lá, Ley lá... não sei se há. A musa não creio que fará, se Faria
Ley lá, só o tempo se me nos revelará, mas seja quem for tal musa, como for...
ela sendo seja lá o que for, é esse ser que seduz encanta e envolve até o bolso
do poeta... bolso que ainda que vazio... é eternamente cheio de histórias pra
contar.
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